Olá!
Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e, antes de tudo, eu tenho que
pedir desculpas pela longa ausência. Eu sei que eu vivo
prometendo um ritmo mais constante de análises, mas a verdade é que a correria
de fim de ano me pegou e o resultado foi essa seca que vocês puderam perceber.
Eu lamento que isso tenha acontecido, mas eu espero conseguir fazer melhor
daqui por diante.
E,
para recomeçar esse ciclo de uma forma mais positiva, hoje é dia de falar de The last guardian, jogo exclusivo
desenvolvido pelo Studio Japan da Sony para PS4, e lançado em dezembro de 2016. Caso você queira fugir de 100% de spoilers, é melhor ficar longe deste
texto. Eu não menciono nenhuma cena ou acontecimento, mas falo do tom do jogo,
o que para alguns já é spoiler
suficiente. Dito isso, vamos lá.
The
last guardian já tinha passado para o status de lenda nos últimos anos, por
conta dos constantes atrasos e silêncios com relação a ele, mas, segundo dizem
os executivos da Sony, a obstinação dos fãs fez com que o projeto não fosse
abandonado, apesar dos seguidos problemas.
Para
entender esse impulso dos fãs, é preciso lembrar que o diretor do projeto é o
desenvolvedor Fumito Ueda, responsável por ICO
e Shadow of the Colossus, dois jogos
de que já eu falei aqui no canal e considerados largamente como obras-primas e
responsáveis por abrir uma série de caminhos para os desenvolvedores futuros.
Por isso, as pessoas esperavam grandes coisas de The last guardian e não deixavam o jogo sumir na obscuridade.
A
principal razão para o atraso do jogo era a incompatibilidade do PS3 com as
funções que o jogo demandava para funcionar 100%. Com isso, o jogo foi
finalmente adiado para o PS4, e mesmo nele o jogo ainda não roda às mil
maravilhas, vale dizer. Eu não tenho um bom olho para essas coisas, mas é
possível perceber um ritmo mais lento no processamento do jogo. E, sendo assim,
a pergunta que cabe é: o que come tanto poder de processamento em The last guardian?
A
resposta é a criatura Trico. The last
guardian acompanha a história de um menino que acorda num lugar estranho e
o único ser perto de si é uma criatura gigantesca, ferida e presa chamada
Trico. É uma mistura bem única de gato, pássaro e cachorro, com direito a uns
chifres também.
A
ideia do jogo é, ao controlar o menino, o jogador acabar criando um laço forte
com a figura do Trico, que é absolutamente fundamental para o progresso do
jogo, que é uma mistura de jogo de plataforma com alguns puzzles bem simples e leves. Por isso, é fundamental que a criatura
não crie raiva no jogador por não ser capaz de realizar certas tarefas ou por
ficar travada em algum espaço do cenário.
The last guardian resolve isso de forma
muito peculiar e, por isso mesmo, polêmica. Falando primeiro de execução, eu
fiquei realmente abismado com como, apesar de Trico ser uma criatura
gigantesca, ele não encontrar absolutamente problema nenhum com as geometrias
do cenário. Em nenhum momento eu o vi entrando em alguma parede ou esbarrando
em algo e não conseguindo sair de onde estava. Se ele não consegue dar a volta
num corredor, ele dá a ré até conseguir mais espaço, ele pula nos lugares
certos, ele não se mete a fazer um movimento que não vá conseguir realizar,
etc.
Com
isso, fica muito claro que a inteligência artificial e os cálculos de colisão
devem comer muita memória do PS4, o que tem o seu preço, como eu disse. Mas,
considerando todos os erros nesse sentido que todo mundo já viu em algum jogo,
é incrível o resultado obtido em The last
guardian. Quando a gente lembra, por exemplo, das maluquices dos NPCs de um
jogo como The last of us, é bem
nítido que o esforço não foi pouco.
Agora,
se, por um lado, houve um esforço muito grande para dar inteligência e
graciosidade ao Trico; por outro, também houve um esforço em fazer com que
houvesse alguns problemas de comunicação entre o menino e a fera. Conforme o
jogador avança, ele consegue fazer melhor uso das habilidades do Trico, mas,
especialmente no começo, a comunicação é difícil e pode gerar alguma
frustração. E a ideia é justamente essa.
Quem
já teve algum animal de estimação sabe que ele não vai fazer exatamente o que o
dono quer, especialmente se ele nunca passou por um processo de amestramento.
Ele não vai entender os comandos, ou vai simplesmente ignorar e fazer o que
quiser. É uma sensação frustrante na vida real, mas é também a marca de que o
seu bicho tem uma personalidade, e você precisa lidar com ela. E, se esse bicho
independente gosta de você, é uma sensação bem mais satisfatória do que se ele
fosse só um boneco.
Eu
raramente tive dificuldades para passar comandos para o Trico, mas não vou
negar que houve uns dois momentos complicados para ele fazer o que eu estava
pedindo, o que eu considero pouco num jogo de umas 10 horas. Mas, eu também sei
que muita gente é ansiosa e, por acaso ou não, ficar ansioso e dar 10 comandos
para o Trico em 30 segundos só vai deixá-lo mais confuso, e aí a chance de ele
fazer exatamente o que você quer é ainda menor.
Essa
é uma decisão de design extremamente
polêmica, que certamente não vai agradar a todos, mas é descendente de uma
prática já existente em Shadow of the
colossus, em que o cavalo Agro se comportava de forma independente também,
evitando penhascos e não sendo 100% complacente com o protagonista do jogo.
Isso porque, segundo o Ueda, Agro é um animal, e não uma máquina para ser
controlada 100%.
Mais
de dez anos depois do lançamento de Shadow
of the Colossus, ainda há pessoas que abandonaram o jogo por conta desse aspecto,
de como a movimentação com o cavalo não é confiável. E isso num jogo tão aberto
e amplo que a movimentação era raramente um problema. Algumas pessoas demandam
controle total sempre.
Os
jogos do Ueda pedem exatamente o oposto disso: a ideia é depender de outro,
entregar-se às limitações dessa outra criatura e tentar conviver com ela. É um
exercício de paciência, porque é um exercício de convivência. Em ICO, você aprendia a conviver com uma
frágil moça; em Shadow of the colossus,
é preciso aprender a trabalhar em conjunto com o cavalo, até para vencer alguns
colossos em pontos avançados do jogo; em The
last guardian, o fundamental é lidar com o Trico, que, aliás, sempre
surpreende nas suas habilidades. Eu posso dizer que até o fim do jogo ele me
surpreendeu com alguns movimentos, e isso criou algumas memórias bem legais,
que eu certamente vou guardar.
Por
isso, então, para mim, a experiência de The
last guardian foi um sucesso, e certamente valeu o adiamento para o PS4,
pois ele é, sim, um marco no avanço da inteligência artificial em jogos. E,
falando em avanços, ele apresenta um progresso no trabalho do grupo do Ueda,
chamado antigamente de Team ICO e agora apenas de Gen Design: o foco na
resolução de puzzles através do
companheirismo vem de ICO, mas há
também avanços.
Em
ICO, a jogabilidade é extremamente
minimalista, com a resolução dos puzzles
quase instantaneamente se entregando ao jogador assim que ele entra numa nova
sala. Em The last guardian, tudo
ficou um pouco mais complicado, com elementos que só vão poder ser usados numa
revisita ao cenário, ou mesmo coisas que o jogador considera inacessíveis, e
que de repente se tornam fundamentais com a ajuda do Trico – o que, na verdade,
provavelmente é intencional, visando fazer com que o jogador se impressione com
as capacidades da fera.
De
Shadow of the colossus vem a mecânica
de escalar o Trico, além das animações únicas que fazem essa criatura parecer
plausível de existir no nosso mundo. O mais interessante do Trico, entretanto,
é que ele tem uma independência de movimentos: na maior parte do tempo, ele
está seguindo o menino, mas há várias partes em que ele para e vai observar
algo, rolar na água, gritar para algum prédio distante, dar uns pulinhos depois
de o jogador alimentá-lo com uns barris espalhados pelo cenário, e muito mais.
A verdade é que as criaturas de Shadow of
the colossus parecem bem mais artificiais do que o Trico, e não que elas
pareçam mecânicas em si; é só uma questão de reconhecer o avanço que foi
possível em The last guardian.
Eu
não estou dizendo tudo isso para a gente chegar à conclusão de que The last guardian é o topo de um
processo evolutivo da carreira do Fumito Ueda; pelo contrário, cada jogo tem
uma identidade muito peculiar, e é perfeitamente possível continuar gostando
mais de um do que do outro, independente de qual vem primeiro. O importante é
como as peças se unem para formar uma experiência.
Nesse
sentido, The last guardian é capaz de
criar uma experiência muito sólida para contar uma linda e doce história, mais
no tom íntimo de ICO do que no tom
bombástico e cosmológico de Shadow of the
colossus. É uma história sobre dois seres que se aproximam apesar de muitas
dificuldades e que aprendem a colaborar e gostar um do outro. Ao final, o
jogador acaba gostando do Trico também, e não deixa de torcer para o sucesso da
aventura e de se agoniar nos momentos mais tensos.
Vale
dizer também que, em termos gráficos, o jogo é muito belo, retomando a estética
dos jogos do grupo, mas evoluindo naquilo em que ele sempre esteve na
vanguarda: a iluminação. São incríveis os efeitos de luz que The last guardian apresenta, e eu fiquei
bastante impressionado, especialmente quando se observa como cada pena do Trico
reage à luz. A música também é menos bombástica que Shadow of the colossus, mas ela tenta replicar justamente os
momentos de sentimentos que o jogo busca despertar: ela vai aparecer nos
momentos de grandeza, de medo, de agonia, de beleza; de resto, ficam os sons do
menino e da fera.
E
essa relação do som reflete o próprio sentido do jogo: no fundo, só existem o
menino e a fera. Os obstáculos lá estão, mas, em termos de história, eles não
parecem muito mais do que metáforas sobre como progredir na vida em
convivência: no momento em que as pessoas parecem se entender, a vida se
atravessa com algo novo, exige replanejamento, repensar a comunicação, ver o
que cada um aprendeu de novo, e aí recomeçar a escalada até que o próximo
obstáculo apareça. Numa hora, podemos ver a luz no topo da torre; o importante
é não deixar o companheirismo de lado.
É
uma mensagem bonita, porém desenhada com um tanto de sofrimento, mas esse é
justamente o tom que o Ueda escolheu para todos os seus trabalhos enquanto
diretor de jogos. The last guardian é
só mais um capítulo nessa grande trajetória. E era isso que eu queria dizer
sobre The last guardian. Até a
próxima análise!