sábado, 29 de abril de 2017

This war of mine - Pensando sobre o jogo



Olá! Hoje vou falar de This war of mine, jogo desenvolvido pela 11 bit studios e lançado para PC em 2014, para iOS e Android em 2015, e para PS4 e Xbox One em 2016, já acrescido também da expansão The little ones. Se você preferir ler esta análise, o link para a transcrição está na descrição do vídeo.

This war of mine é um jogo muito interessante na sua proposta de tratar a guerra pela perspectiva dos civis, o que é um desvio da norma da maioria dos jogos que tratam de conflitos armados, que te colocam na pele de algum soldado do conflito. É claro que encarnar um soldado tem seu peso psicológico, e alguns jogos sabem tratar desse aspecto, como Spec Ops: The line. Entretanto, o lado dos civis apresenta algo mais forte, porque é mais ou menos indefeso e, no fundo, nada tem a ganhar com uma guerra. Só se perde paz e um estilo de vida que nunca se pensou que acabaria.

Se você quiser conhecer outro jogo com uma perspectiva semelhante e também muito rico, vale ir atrás também de Valiant Hearts, que trata da Primeira Guerra Mundial pela perspectiva de pessoas mais ou menos envolvidas com a guerra, mas que mantêm uma posição de civis e insatisfeitos com o conflito o tempo todo, e a própria história que o jogo conta é voltada para denunciar os problemas da guerra, e não qualquer conquista que tenha havido no conflito.

Ao contrário de Valiant Hearts ou Spec Ops, This war of mine não tem uma história específica para contar. Na verdade, o jogo se apresenta como um conjunto de possibilidades aleatórias que podem afetar o jogador e os personagens que ele controla. E essa aleatoriedade é o aspecto que eleva o jogo a um nível muito interessante, e talvez seja o melhor uso de aleatoriedade para criar um significado em uma experiência interativa.

Em This war of mine, o jogador controla alguns sobreviventes civis numa cidade sitiada. Eles, por acaso, acabaram num mesmo casarão abandonado e se unem para tentar sobreviver juntos. Quem são esses sobreviventes é algo aleatório: eles podem ser todos do mesmo sexo, podem se conhecer anteriormente ao conflito, podem ter vícios e habilidades específicos, ou nada disso.

Algo interessante sobre os sobreviventes que você controla é que eles reagem diferentemente a um mesmo evento. Uma escolha do jogador pode fazer um personagem ficar feliz e orgulhoso, enquanto outro personagem se questiona se foi a melhor decisão. Ou mesmo um personagem pode ser mais sentimental e reagir mais fortemente aos eventos, enquanto outro é mais indiferente às coisas.

Na prática, This war of mine funciona dividido em duas partes: a primeira se dá de dia, em que o jogo é basicamente uma mistura de gestão de base a la XCOM, com um pouco de The Sims no tocante a gerir as necessidades dos personagens para dormir, comer, usar remédios, conversar, etc. Mas, ao contrário de The Sims, não é possível regular a passagem do tempo. Tudo que o jogador pode fazer é determinar que o dia acabe e a noite comece.

A princípio, isso parece uma ferramenta simples e útil, mas nos momentos mais tensos do jogo, ela se torna inútil, pois o jogador precisa contar com a possibilidade de algum vizinho aparecer para trocar itens importantes. Claro que ele não faz isso todos os dias, é algo aleatório, o que cria um efeito interessante. Os dias numa situação de conflito como a do jogo podem passar devagar demais, porque não há conforto e diversão. Quando as tarefas estão finalizadas, sobra pouco para fazer, a não ser esperar por um acontecimento inesperado, seja bom ou ruim.

E esse sentimento é diretamente passado ao jogador, que precisa esperar pelo inesperado, torcer para que algo bom aconteça. Eu posso dizer que, depois dos primeiros dias do jogo, poucas coisas me deixavam mais feliz do que ver aquele vizinho batendo na porta de casa, querendo trocar itens.

E isso acontece por conta de outro jogo mental importante de This war of mine: no começo, há uma relativa abundância de recursos, até porque a própria casa tem itens que podem ser coletados. Assim, o jogador vê uma coleção de coisas que pode fabricar para ajudá-lo em sua jornada, o que, mais uma vez, lembra um pouco The Sims e XCOM.

Porém, quem se habitua ao jogo sabe que itens realmente úteis são tão caros, que se torna quase inviável sonhar com um abrigo autossustentável, por exemplo. Eu pensei em criar uma horta para produzir vegetais. Para isso, eu precisava fazer dois upgrades na minha mesa de criação de itens, fabricar uma horta, fazer um upgrade nela e ter os itens necessários para produzir os vegetais. Isso foi impraticável e, num determinado momento, eu desisti.

A lista de opções de fabricação do jogo não é exatamente um compêndio para você escolher o que fazer; na verdade, é uma lista de impossibilidades, ou possibilidades que você vai ter que considerar apenas em termos de o que é mais barato e lucrativo em termos imediatos.

Afinal, como os itens para produção também vão rareando, as opções também vão tendo que ser abandonadas. Por exemplo, num determinado momento, eu resolvi produzir aguardente para poder trocar por comida para os meus sobreviventes, mas isso requer açúcar, água e lenha. Enquanto eu tinha muito desses itens, eu produzi e troquei muito. Entretanto, uns cinco dias depois, alguns desses itens já eram raros. Eu poderia pegar água da chuva, mas o tempo ficou aberto na maioria do meu tempo jogando. As pessoas com quem eu poderia trocar não tinham muito açúcar para eu continuar a produção e, assim, eu tive que partir para outras opções.

O interessante em This war of mine é como o tempo passa devagar, como cada solução parece incrível ao você encontrá-la, mas se esgota em tão pouco tempo que acaba deixando o jogador com um certo sentimento de desesperança, porque nada é permanente – a não ser a necessidade constante. E é exatamente esse o sentimento de ser um civil numa cidade sitiada, sem locais para comprar comida ou remédio.

Quando o dia acaba, é hora de decidir o que fazer à noite, a segunda parte do jogo. A escuridão permite que alguém saia para explorar outras localidades em busca de itens para ajudar na sobrevivência. Os que ficarem podem dormir, mas se não estiverem atentos, o seu abrigo pode ser atacado, eles podem se ferir e seus itens, tão preciosos e escassos, podem ser roubados. Por isso, é melhor sempre ter alguém na vigilância.

Existe uma lista de locais possíveis de explorar à noite, e mais podem ser adicionados, e depois retirados aleatoriamente. Cada um desses locais tem uma lista de itens mais prováveis de encontrar, mas eles também têm seu contexto. Uma casa vazia não apresenta problema para vasculhar, mas um hotel controlado por outras pessoas pode ser útil só para trocar, pois ser visto vasculhando pode gerar hostilidade, e aí você perde para sempre um local útil de troca.

Além disso, o significado de alguns lugares coloca questões morais ao jogador: será que pegar coisas de uma casa em que só vivem um moço e um casal de velhinhos não vai fazer com que eles passem necessidade depois? Será que, se você achar uma caixa de remédios nos escombros do hospital, não seria melhor entregar aos médicos, que estão cuidando dos outros civis feridos?

Essas são escolhas simples, mas que podem ter efeitos psicológicos sobre todos os personagens, mesmo aqueles que não se aventuraram fora de casa. E esse efeito psicológico vai ter ramificações na saúde deles se não forem devidamente tratados com o tempo, distrações ou conversas.

Na noite, o personagem pode ser defrontar com situações violentas, e aí é necessário escolher o que fazer, tentando também ser realista, porque o jogo procura colocar as situações da forma mais desvantajosa ao jogador. Numa visita noturna ao supermercado, eu encontrei um soldado querendo abusar de uma civil. Ele estava de costas para o meu personagem, então achei que poderia ajudar. Mas, eu não tinha arma nenhuma. Dei um soco de surpresa nele, ele perdeu um quinto da vida, virou para meu personagem, deu dois tiros e meu personagem morreu. Simples assim, um personagem é perdido para sempre.

Se eu estivesse com armas, poderia ter sobrevivido, mas provavelmente não sem sair ferido e precisar de itens para me curar. E, na maioria dos casos, quando há alguém armado, ele não está sozinho e ele vai chamar ajuda antes de você conseguir passar despercebido. E contra grupos a chance de sobrevivência é ainda menor. E, claro, é algo que vai afetar negativamente o espírito do seu personagem.

Voltando à aleatoriedade, numa partida diferente, eu voltei ao supermercado e, assim que cheguei, vi alguém armado. Já pensei que a história se repetiria, mas era um civil armado que disse ao meu personagem que ele poderia escavar, pois havia itens suficientes para todos. Por conta disso, o jogo nunca deixa o jogador confortável para agir tranquilo numa partida diferente, porque tudo pode ser trocado pela aleatoriedade.

Com isso tudo, This war of mine coloca o jogador num eterno desconforto, sempre desconfiado do que virá a seguir, com medo e inseguro. Ao mesmo tempo, a sua única esperança é torcer para que a guerra acabe logo, mas, como tudo mais nesse jogo, a data em que ela acaba é aleatória. Com isso, tudo que o jogador pode fazer é torcer, ter esperança de que consiga fazer seus personagens sobreviver tempo bastante.

E tudo isso se arma graças à aleatoriedade. Na vida de um civil na guerra, praticamente nada está sob seu controle. É um momento em que todos estão lutando para sobreviver e forças maiores e cruéis estão em jogo, e podem fazer da sua vida normal um inferno de um dia para o outro. Tudo que resta é fazer o que se pode e torcer por um amanhã melhor, em que talvez a guerra acabe. Se não acabar, você precisa pelo menos achar um pouco de comida.

E era isso que eu queria dizer sobre This war of mine. É um jogo que usa a aleatoriedade para criar o sentimento de impotência de civis acometidos pela guerra, cuja única ação livre é sonhar com o fim do conflito. O jogador se submete a isso e luta para sobreviver, porque o jogo pode virar a qualquer momento e tudo vai por água abaixo.

Até a próxima análise!