Olá! Hoje, após muito tempo, é dia de
mais um texto sobre teoria, agora falando de um dos assuntos mais polêmicos da
nossa indústria: os méritos da emulação e da pirataria de jogos. O que
despertou esse tema foi o recente fim dos downloads
do site Emuparadise, de onde eu já
baixei muita coisa e que era uma referência muito antiga quando o assunto era
baixar ROMs e ISOs de jogos.
Antes
de a gente começar de fato, cabe dizer que nem toda emulação de jogos implica
pirataria. Muita gente recorre a emuladores para obter gráficos e opções
superiores em jogos para além do que o console permite. É o caso, por exemplo,
do Dolphin, que emula jogos de Wii e Wii U, e permite um desempenho em jogos
como o novo Zelda muito além do que
os consoles oficiais da Nintendo permitem.
Nesses
casos, essas pessoas compram os jogos para que não sintam que estão roubando a
empresa desenvolvedora, mas usam o jogo ou algum tipo de ISO da internet para
conseguir fazer o emulador funcionar.
Em outros casos, pode
ser apenas uma questão de comodidade. Aqui no canal, por exemplo, eu muitas
vezes usei emuladores apesar de ter comprado o jogo em questão. A minha placa
de captura não grava minhas gameplays
de jogos do Virtual Console do Wii, supostamente porque a resolução é baixa
demais para ser suportada. Por isso, apesar de ter o jogo comprado legalmente
lá, eu recorro a emuladores no meu computador para me ajudar a gravar as gameplays para os vídeos do canal.
Enfim,
tendo esclarecido que emulação não é sinônimo de pirataria, vamos tratar
especificamente da pirataria. Os lados negativos dela são extremamente claros e
conhecidos por qualquer pessoa, já que ela atenta contra um dos princípios
fundadores da nossa sociedade: o direito à propriedade. O ato de piratear um
jogo significa consumir um produto sem dar nenhum tipo de retorno financeiro a
quem o produziu. Em última instância, significa o risco de o artista perder
dinheiro em potencial e, por conta disso, talvez deixar de investir em futuros
projetos, por conta dos baixos rendimentos.
Olhando
por esse lado, então, a pirataria significa um enfraquecimento da nossa
indústria e atenta contra o seu futuro. Porém, neste texto eu queria apresentar
uma discussão um pouco diferente, argumentando que a pirataria é essencial no
tocante à democratização do acesso a jogos.
Muito
desse argumento vem da minha experiência como cidadão brasileiro, vítima de
alguns dos impostos mais altos do mundo quando o assunto são jogos, e também
beneficiário de uma das cenas mais ricas de consoles desbloqueados e jogos
falsificados do mundo. Jogadores deste país sabem como, já há várias décadas,
sempre foi muito fácil obter consoles e jogos piratas. Pelo menos aqui em São
Paulo, sempre houve um vendedor próximo e os preços sempre foram muito
acessíveis. Se vocês puderem, eu ia gostar de saber como era a experiência de
vocês nesse sentido.
O
fato é que, falando como um jogador brasileiro dos anos 90 e 2000, eu tenho uma
facilidade grande de ignorar esse aspecto econômico mencionado, e isso é um
ponto de vista que eu sinto que muitas vezes falta quando a gente visita fóruns
americanos, por exemplo, onde os preços sempre foram mais acessíveis. E graças
a esse pouco apego ao lado econômico, é mais fácil para mim enxergar aspectos
diferentes da pirataria.
O
primeiro é um de que eu já tratei em outro texto, que é o do historicismo. Por
uma série de motivos que eu já listei naquele texto, é conveniente para as
empresas desenvolvedoras retirar o acesso a jogos que não interessa mais a ela
vender. Como todos sabem, nossa indústria vive de novidades, com foco no
próximo lançamento. E, por isso, não é interessante ter jogos antigos tão
facilmente acessíveis: se eles fossem acessíveis, haveria mais competição pelo
tempo do jogador, haveria mais comparações que poderiam demonstrar que o novo
lançamento era, em alguns aspectos, inferior aos jogos clássicos, e haveria
menos interesse em remakes e remasters.
A
pirataria mantém o acesso a todos os jogos de todas as épocas, ou à imensa
maioria deles. Comunidades fazem imensos esforços para criar emuladores que
imitam a experiência de jogar nos consoles antigos e, embora haja problemas
técnicos nesse sentido de que eu já tratei no meu outro texto, a pirataria é a
melhor opção que nós temos.
Graças
a esses impulsos, a comunidade pode superar alguns problemas e impedimentos
muito sérios. Por exemplo, nós podemos ignorar o comércio de jogos usados, que
muitas vezes é altamente predatório e busca manipular a sua nostalgia ou
interesse histórico para ganhar o máximo de dinheiro possível. Eu admito que eu
tenho uma ideologia meio avessa ao livre mercado, e eu acho particularmente
divertido quando um jogo é relançado e aquela pessoa que cobra uma fortuna num
jogo antigo só para explorar jogadores vai ter que baixar o preço da sua mídia
original se realmente quiser vender.
Além
disso, a pirataria é essencial para o crescimento de projetos de traduções de
fãs de jogos. Graças a esses esforços, uma infinidade de jogos foi traduzida,
não só do japonês, mas também do inglês para as outras línguas, o que é
essencial na divulgação, ampliação e sobrevivência de certas séries.
Se
vocês bem se lembram, Earthbound
Beginnings foi finalmente lançado no Ocidente em 2015, mais de 25 anos
depois do seu lançamento original. E, embora eu não seja um especialista de
mercado ou um insider da Nintendo, eu
tenho certeza absoluta que as traduções de fãs desse jogo e de Mother 3 foram essenciais para o
crescimento da popularidade da série, o qual, em última instância, foi o
responsável pelo lançamento da versão oficial. Aliás, eu diria que a versão
pirateada de Earthbound foi
igualmente instrumental, já que a versão oficial era bem limitada em termos de
cópias e cada cartucho valia uma fortuna no mercado de usados.
Em
outras palavras, esse impulso democratizante que é inato à pirataria muitas
vezes acaba tendo reflexos no próprio mercado oficial, beneficiando quem só
consome jogos por ele. Porém, mesmo esse lado não é o mais essencial para mim.
Esses aspectos que eu mencionei são elementos mais ou menos específicos, porém
existe um mais amplo que muito me interessa.
Eu
acredito que é um ponto pacífico dizer que jogos são a forma de arte mais cara
para ser consumida. Livros, música, cinema, pintura, televisão, todos possuem
opções mais baratas, ou simplesmente gratuitas. Jogos, entretanto, demandam um
equipamento específico, como um console ou um PC, além de se ter que comprar um
jogo.
As outras mídias
tradicionalmente permitem formas baratas de acesso: se você não quer ou não
pode comprar um aparelho de DVD para ver um filme, você pode ir ao cinema; se
você não pode comprar um livro, use a biblioteca; se você não pode comprar um
quadro, compre um ticket e vá ao museu, ou melhor, use a internet; se você não
pode comprar o CD, ouça rádio, ou pesquise no Youtube.
Infelizmente,
a natureza interativa dos jogos demanda que iniciativas coletivas não funcionem
facilmente: enquanto um sarau pode difundir leitura a uma multidão
simultaneamente a partir de um só livro, e uma sessão de cinema transmite um filme
a centenas a partir de um único exemplar, para jogos seriam necessárias dezenas
ou centenas de aparelhos caros para produzir o mesmo. Cada jogador precisa
estar em contato ativo com o jogo para que a experiência seja aproveitada ao
máximo.
Como
eu falei no meu texto sobre historicismo, é um sonho distante pensar em
ludotecas com múltiplas cabines para pessoas jogarem à vontade. O mais próximo
que nós chegamos de um uso a baixo custo e coletivo se deu com a explosão das LAN houses, mas elas só se pautavam por
aquilo que era popular, então eu não poderia alugar um computador lá por uma
hora para jogar Castlevania, por
exemplo.
Entretanto,
é difícil argumentar, numa sociedade como a nossa, que nós temos direito a
obras de arte, mesmo que isso signifique ignorar os direitos de quem as
produziu. Afinal, onde a gente iria parar? Vou poder comer num restaurante e
sair sem pagar? Pegar uma roupa numa loja e ignorar o preço? O princípio de
troca e o comércio são essenciais num mundo capitalista.
Porém, diferentemente
desses exemplos que eu acabei de dar, jogos não contam com matéria-prima para
cada cópia. Cada prato demanda uma certa quantidade de ingredientes, que têm um
preço; cada peça de roupa demanda tecido, o qual tem um preço. Dez mil cópias
de um jogo e cem mil cópias de um jogo têm um mesmo custo para serem produzidas,
pelo menos se estamos falando em termos digitais.
É
difícil, então, olhar os dois lados, de produtores e consumidores de arte, sem
simpatia por ambos. E, claramente, é trágico quando uma pequena equipe perde
fundos para um próximo jogo porque o número de cópias oficiais foi reduzido por
conta de pirataria. Porém, nem toda cópia pirateada redundaria em cópia oficial
caso pirataria não existisse, e sempre é possível que um pirateador vá para o
mercado oficial quando os preços forem acessíveis, como foi o meu caso.
O
que eu mais queria destacar, nessa questão tão complexa e complicada, é que a
existência da pirataria tem responsabilidade na popularidade sempre crescente
dos jogos, ela é essencial na apresentação do mundo dos jogos a novos públicos,
que não estão dispostos a gastar uma grande quantia para ter esse acesso. Além
disso, a comunidade de traduções de fãs não teria o tamanho que tem se não
fosse a democratização do acesso aos jogos.
Como
alguém que adora conversar sobre jogos, se considera um crítico amador, e tem
grande prazer em difundir jogos interessantes e mostrar o seu potencial
expressivo, a sua difusão e universalização é algo que eu sempre verei com bons
olhos.
Certamente deveria
haver opções legais para alcançar isso. Porém, enquanto elas não existem, é
inevitável para mim sentir uma simpatia grande pela cena de pirataria, que,
desrespeitando o direito à propriedade ou não, é uma grande responsável por
tornar o mundo dos jogos algo mais amplo e é uma ferramenta essencial para a nossa
comunidade. Descanse em paz, Emuparadise.
E
era isso que eu queria dizer sobre o papel positivo da pirataria na nossa
indústria. Por favor, me diga o que você acha sobre essa questão. E até uma
próxima análise!