Olá!
Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Mafia: The City of Lost Heaven, jogo
desenvolvido pela Illusion Softworks e lançado em 2002 para PC e em 2004 para
PS2 e Xbox.
Mafia
é um jogo muito polido e bem executado tecnicamente, mas que falha em alguns
aspectos essenciais no que se refere ao tratamento do tema escolhido, e essas
falhas me parecem bem interessantes de discutir, porque às vezes parecem um
problema potencial da indústria como um todo.
Antes
de eu começar a falar do jogo, eu preciso avisar que a gameplay que vocês estão vendo enquanto eu falo é da versão de PS2,
mas a versão que eu joguei realmente é a de PC, que tem gráficos muito
superiores e muito menos loadings
durante o jogo. Eu adoraria mostrar a versão que eu joguei, mas eu tive
problemas para conseguir gravar no PC, então apelei para a versão de PS2. Dito
isso, prossigamos.
Mafia é um jogo de mundo aberto, mais ou
menos no mesmo estilo de GTA III, que
tinha saído pouco menos de um ano antes, o que, infelizmente, tornou a situação
de Mafia bem complicada no tocante à
sua recepção. Felizmente,
alguns aspectos diferenciavam Mafia,
principalmente os gráficos muito límpidos e a ambientação, que era focada nos
anos 30 do século passado.
A
cidade de Lost Heaven, onde o jogo se
passa, é formada por três ilhas relativamente grandes que o jogador pode
explorar praticamente desde o início do jogo. Infelizmente, entretanto, não há
muito que fazer nessas ilhas, ainda menos do que se podia fazer em GTA III, porque a maioria dos veículos
vai sendo desbloqueada ao jogador conforme a campanha avança e praticamente
todas as armas utilizáveis ficam presas ao avanço da campanha, pois o jogador
precisa, antes de cada missão, pegar as armas num armazém específico.
Essas
limitações estão ligadas aos dois elementos que mais influenciam a estrutura de
Mafia, que são o esforço de realismo
e o foco na história. Vamos falar de um de cada vez. Em termos de realismo,
além do excelente trabalho no visual que o jogo proporcionou, há uma série de
mecânicas que tornam a exploração ao mesmo tempo interessante e cansativa.
É
interessante, por exemplo, notar como os carros são difíceis de dirigir no
começo do jogo, porque a sensação de controlar um carro dos anos 30 é
totalmente diferente daquela que os jogos passados nos dias de hoje tentam
criar. A primeira hora do jogo, para mim, foi um período muito frustrante de
adaptação, mas que depois foi se transformando mais em interesse,
principalmente conforme eu aprendia melhor como cada carro funcionava.
Falando
ainda de carros, outro toque realista de Mafia
é que cada automóvel tem uma forma específica de ser destravado para poder ser
roubado. Conforme o jogador avança na história, ele obtém o conhecimento para
arrombar cada um e, embora isso não resulte em nenhuma mecânica específica, é
um traço curioso de se ver num jogo como esse. Os desenvolvedores preferiram
bloquear os carros avançados de serem usados nas missões simples, em vez de
bloquear a estrada para outras ilhas, que é a escolha de GTA III, por exemplo.
Mas,
enquanto a gente fala dos carros em Mafia,
é impossível não falar da polícia. No jogo, a força policial é absolutamente
implacável e observa as mínimas transgressões. Algumas são perfeitamente
naturais, como atirar ou andar portando uma arma, mas algumas, infelizmente,
afetam brutalmente o gameplay: se o
jogador estiver dirigindo acima da velocidade permitida ou passar por um farol
vermelho, é garantia de que será multado.
Aí,
a opção é parar e receber uma multa ou tentar despistar a polícia, o que não é
muito fácil. A princípio, é um toque de realismo bem interessante, embora acabe
virando um problema em termos de jogabilidade. A cidade de Lost Heaven é muito grande e a imensa maioria das missões envolve
ir de um extremo da cidade a outro; com isso, se um jogador não quiser envolver
a polícia, uma imensa parte do tempo de jogo vai ser dedicada a dirigir de
forma tediosa e cansativa, indo a uma velocidade muito baixa. Isso tira o ânimo
do jogo, e me fez jogá-lo apenas em curtas sessões, para não ficar desgastado.
Quando
o realismo vai tornando o jogo cansativo, ele vira um problema e o raciocínio
do jogador começa a se virar contra esse elemento que, antes, parecia tão
interessante, e aí surgem perguntas: afinal, como a polícia começa a me
perseguir tão certa de si quando eu estou apenas a 1 milha acima do limite?
Como uma cidade com tantos policiais permite tantos crimes de mafiosos? Por que
a polícia escolhe perseguir a mim por exceder o limite de velocidade enquanto eu
estou fugindo de um outro carro me metralhando?
Coisas
como essas arruínam muito da diversão da experiência, do desejo de explorar e
ver as coisas realistas e interessantes que o jogo tem dentro de si. Houve
vários momentos em que os inimigos que eu precisava enfrentar me preocupavam
mil vezes menos do que ser detectado pela polícia.
Se
o jogador ficar cansado da tediosa rotina do carro, ele pode usar meios
alternativos de transporte, como o metrô, que ajuda bastante na diversidade,
mas também é uma forma bastante passiva de exploração, já que o jogador passa
um bom tempo só esperando o trem ir de estação em estação, até chegar onde se
quer.
O
combate com armas, por outro lado, não é tão realista, e o jogador precisa
atirar vezes demais para se livrar de um inimigo. Os adversários, por sua vez,
são inteligentes para a época e oferecem um desafio interessante. Mas, em
termos de realismo, as situações em que eles aparecem não fazem muito sentido,
já que muitas das missões avançadas colocam o protagonista enfrentando uma
infinidade de inimigos, o suficiente para dizer que uma ou duas pessoas jamais
venceriam sozinhas.
Sendo
assim, o realismo no jogo parece feito um tanto às avessas, porque prende o
jogador demais em alguns aspectos, como a movimentação pela cidade, que poderia
ser mais livre com menos policiais, enquanto força o jogador a situações
absurdas quando o assunto é combate, e às vezes parece achar que é um jogo
sobre o Rambo em vez de um jogo sobre a máfia.
Para
que o tema do jogo se encaixasse com a estrutura das missões de uma forma
realista, era preciso que as missões focassem mais em crimes localizados, com
poucos inimigos, mas com maior inteligência no disfarce e no planejamento. Como
está, o design das missões é oposto
ao tema do jogo, e infelizmente o mesmo acontece no tocante à história.
Mafia faz um grande esforço para contar
uma boa história e não causar grandes dissonâncias. É por isso que as armas são
retiradas do jogador quando ele completa uma missão e só são dadas novamente
antes de ele começar outra. Além disso, o jogo não dá espaço direto para andar
livremente, pois uma missão imediatamente se conecta a outra. Assim, o jogador
não tem espaço para sair matando pessoas livremente, até porque a polícia o
impediria rapidamente. Tudo isso para que o protagonista não saísse do seu
papel de recusa à violência.
O
jogo conta a história de Tommy Angelo, um taxista que se envolve com a máfia
por acidente, mas que acaba trabalhando para ela por um bom tempo e fazendo
muitas missões; é esse período que o jogo mostra. Embora faça parte da máfia,
ele nunca lida bem com a violência, e certas missões o fazem se sentir
desconfortável. Por isso, o jogo controla a quantidade de matança, algo que um GTA nunca faria, por exemplo.
Como
história sobre a máfia, o jogo faz um esforço louvável e tenta exibir uma trama
realista, mas que falha justamente no mesmo problema que a jogabilidade: da
mesma forma como o design dos
momentos de combate era avesso ao realismo, o design de fases vai contra a tentativa de contar uma boa história
sobre a máfia.
Em
termos de história, minha reação a Mafia
foi muito semelhante à que eu tive com Killzone
2: eu fiquei esperando ver um lado humano por toda a experiência, mas só o
que eu tive foi uma sequência de missões e combates até os créditos do jogo
rolarem. Isso é um problema porque, como todo grande filme sobre a máfia
ensinou até hoje, essa organização é interessante e carismática porque ela se
constitui quase como uma família; há combates e crimes, claro, mas há muita
convivência, companheirismo e momentos de descontração.
Uma
coisa muito interessante sobre grandes filmes da máfia é que eles são muito
longos, e isso tem uma explicação: todos passam muito tempo se dedicando ao dia
a dia dos mafiosos, sua convivência, seu senso de humor, seus problemas
pessoais, e como isso se harmoniza (ou não) com a sua vida criminosa.
O
jogo Mafia sabe disso, e até tenta
apontar para esses elementos, mas nunca tenta trabalhá-los. Eu acho uma
característica muito emblemática desse jogo o fato de o protagonista falar que
certo personagem virou seu melhor amigo sem o jogador ver uma conversa franca
ou divertida entre os dois, ou como ele se importa com a mulher e a filha,
embora, na única vez em que a mulher dele aparece no jogo, eles sequer são
casados. Em vez de vermos como os mafiosos são humanos, nós só ouvimos falar.
E
isso acontece porque Mafia está muito
preso ao conceito de que cada missão tem que ser um crime, não pode haver
momento de paz, nem mesmo numa cut scene.
Com isso, em termos de estrutura de fase, Mafia
em nada difere de GTA III, embora
ambos estejam tentando contar histórias absolutamente distintas.
E
essa dificuldade que o jogo tem me parece interessante de discutir, porque
imprimir momentos de calma é algo que a maioria dos desenvolvedores evita
fazer. Um jogo como The last of us,
por exemplo, que é fortemente voltado para história, só foi criar os seus no
DLC. Já um jogo como Mass Effect,
quando não relega esses momentos a DLC, precisa criar um objetivo para o
jogador, como começar um romance com determinado personagem.
É
preciso criar formas alternativas de interação, para que momentos calmos,
dedicados a mostrar o cotidiano de personagens e estreitar suas relações entre
si e com o jogador, sejam viáveis e naturais, porque, do contrário, nós teremos
histórias fracassadas e com potencial desperdiçado, como é a de Mafia. Muita gente defende que a
história seja deixada de lado num jogo, para que não se interfira com a
jogabilidade. Mas, o correto é que, no desenvolvimento de um jogo, esses dois
aspectos sejam pensados de forma articulada, para que nem a jogabilidade, nem a
história sofram.
E
era isso que eu queria dizer sobre Mafia.
Até a próxima análise!