Olá! Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu
sou o Asa e hoje vou falar de What
remains of Edith Finch, jogo desenvolvido pelo estúdio Giant Sparrow e
lançado no mês passado para PS4 e PC. Se você preferir ler esta análise, o link para a transcrição dela está na
descrição deste vídeo.
Edith
Finch é o mais recente capítulo num gênero de jogos
relativamente recente, mas que vem ganhando força e qualidade a cada novo
lançamento. Os mais importantes representantes dele eu até já analisei aqui no
canal: Dear Esther, The Stanley Parable, Gone Home, Everybody’s gone to the Rapture. São jogos que colocam a exploração
e a ambientação em primeiro lugar, e que deixam a cabo do jogador apenas
conhecer a história e interagir com o ambiente de uma forma mais passiva e
interpretativa, em vez de priorizar mudanças e ações.
O mais interessante quando a gente olha
esses jogos como um todo é o grande esforço que eles têm para criar atmosferas
bem distintas, e mundos que funcionam de forma específica, fazendo de cada um
deles uma experiência narrativa completamente diferente, o que certamente
contrasta com a forma como muita gente interpreta esses jogos, dizendo que não
há nada para fazer e eles são mais ou menos iguais.
Assim, Dear Esther assume um tom melancólico, contemplativo e poético; The Stanley Parable prefere o humor e a
provocação; Gone Home cria suspense e
deixa exposta a intimidade dos seus personagens; Everybody’s gone to the Rapture prefere os momentos extremos e mais
sentimentais; That dragon, cancer
prefere o tom confessional, e por aí vai.
Como aconteceu com seus predecessores, Edith Finch coloca todas as suas forças
na história, numa narração muito bem executada e na criação de um tom bastante
específico, que certamente o diferencia dentro desse gênero. Na verdade, o seu
tom é algo que o torna original nas produções culturais em geral, e não só no
mundo dos jogos.
Em Edith
Finch, o jogador controla o mais novo integrante da família, que explora a
imensa casa em que os Finch viveram por décadas. A família sempre foi muito
grande, porém seus membros parecem ter sido amaldiçoados, pois morrem muito
cedo ou com circunstâncias muito inesperadas.
A ideia do jogo é fazer o jogador
visitar as dependências da casa, apreciar os pequenos detalhes relativos a cada
ex-morador, o que acaba culminando numa espécie de flashback que revela os momentos finais da vida de cada um. Como eu
disse, são muitos os familiares que viveram ali, então essa estrutura se mantém
por um tempo razoável, aproximadamente umas 3 horas.
O maior sucesso na execução de Edith Finch é fazer com que cada
personagem soe único, com preocupações específicas e uma vida moldada conforme
esses interesses e questões. Por isso, cada cômodo da casa é completamente
diferente dos outros, e oferece bons minutos de exploração e interpretação.
Mas, o maior destaque são os flashbacks,
que oferecem situações e interação completamente únicas para refletir a
individualidade do personagem.
Assim, os momentos finais de um
integrante fotógrafo pode se dar inteiramente pela câmera da máquina
fotográfica; se o personagem morreu durante um delírio, o jogador vai
experimentar um mundo maluco, em que as coisas não fazem sentido ou se
transformam a todo tempo; se estiver controlando um bebê, o mundo pode ser
lúdico; se estiver controlando alguém preso a uma realidade cruel, as opções
são mais limitadas e não há beleza, e por aí vai.
Dessa forma, momentos diferentes
oferecem opções de interação também distintas. Em algumas você só pode andar;
em outras, vai estar sentado o tempo todo; talvez em outras você até voe. É um
jogo que prioriza a variedade de personagens e isso se reflete na variedade de
cenários e de interações.
Isso faz de Edith Finch uma experiência marcada pelo inesperado. O jogador
nunca sabe o que vai acontecer no próximo flashback,
qual será o tom, quais são as interações, como vai acabar. Isso deixa tudo
muito mais instigante e impele o jogador a sempre prosseguir e se manter interessado.
Eu disse que não dá para saber como
acaba cada episódio, mas na verdade é possível, sim, até certo ponto. Os flashbacks sempre acompanham os momentos
finais da vida de cada personagem, então você sabe que, ao final, ele morre de
alguma forma. Mas aí entram dois aspectos centrais do jogo.
O primeiro é que nenhuma morte é igual à
outra, o que faz todo sentido, considerando que cada personagem é único e o
universo em que ele habita é uma marca profunda dele mesmo. Se a personalidade
e o mundo são únicos, nada mais coerente que a morte também seja. E, em Edith Finch, o momento da morte é o mais
importante da vida, é aquele em que as contas são acertadas, os dramas ficam
mais fortes, o significado daquela vida se mostra com mais clareza. De alguma
forma, é a culminância do traço que define o personagem.
O segundo aspecto central é a relação
que o jogo tem com a morte em si. Como eu disse, acredita-se que os Finch sejam
amaldiçoados, visto que eles morrem tão cedo e não raro de forma bizarra. Isso
faz com que os integrantes da família tenham uma relação muito próxima com a
morte em si, o que cria um tratamento extremamente curioso no jogo. É claro que
haverá personagens que se ressentem desse fato, que sofrem por ver tantas mortes,
mas o tom geral do jogo é que a morte é uma parte da vida, só mais um capítulo.
Eu não falo isso num tom espiritualista,
como o que marca o jogo Toren, por
exemplo; é uma questão de ciclo da vida mesmo: como uma chama, ela nasce,
brilha e apaga. Assim são os Finch: eles deixam brilhar suas personalidades, e
depois se apagam. Graças a esse tom fatalista do jogo, as mortes são aceitas
das formas mais diversas: algumas têm um tom bem triste, voltadas para
lamentar; já outras são lúdicas ou até bizarras, e vão fazer o jogador dar uma
risada ou só balançar a cabeça. Ou ainda, por conta do clima leve, mortes
trágicas acabam sendo mostradas de uma forma que não abale o jogador
excessivamente.
Essa questão de aceitação da morte é o
que separa Edith Finch em termos de
temática. Everybody’s gone to the Rapture
tem um tema extremamente semelhante, porque também é voltado para mostrar os
últimos momentos nas vidas das pessoas de uma pequena cidade, mas, como eu já
falei antes, o tom lá é bem mais voltado para o sentimentalismo. Edith Finch tem algum sentimentalismo,
mas isso se restringe à trajetória de alguns personagens. No geral,
especialmente quando se trata de crianças, o tratamento é bem diferente, já que
o tom é mais lúdico.
Isso é uma experiência bastante única.
Uma das grandes tendências da civilização é o afastamento das pessoas em
relação à morte. Seja porque hoje as pessoas vivem cada vez mais, seja porque
hoje nós temos lugares específicos para velar e enterrar os mortos e socorrer os
doentes, é cada vez mais raro que as pessoas convivam com a morte, ou tenham
muitos conhecidos que já se foram. Assim, a morte é um conceito distante do ser
humano hoje.
Edith
Finch coloca uma situação exatamente oposta: e se a morte
fosse próxima? E se você realmente pudesse morrer a qualquer momento e tivesse
consciência disso? Cada personagem dá uma espécie de resposta, que acaba se
refletindo na forma como eles vivem: alguns não ligam e exercem sua
personalidade livremente, outros constroem sua vida ao redor da certeza da
morte, tentando ganhar tempo ou proteger os entes queridos.
O resultado final dessa experiência não
é uma trivialização da morte, e sim um respeito por ela, uma aceitação dela por
parte do jogador. Ao final da experiência, é inevitável não pensar que a morte
faz parte da vida, o que é uma certeza que os Finch tinham no jogo, e que nunca
deixa de ser um pouco libertadora, pois não precisa ser um momento de sofrimento,
pelo menos não para quem se vai. Para quem fica, é outra história.
De alguma forma, o jogo acaba sendo uma
espécie de alegoria das relações humanas, que começam e acabam com muita
frequência, e que são uma espécie de morte: amigos, parceiros amorosos,
parentes, todos são pessoas que chegam à nossa vida em determinado momento e
que podem ir embora. Talvez não seja o caso de lamentar o fim dessas relações,
e sim de lembrar dos momentos de alegria delas, e pensar no fim apenas como
parte do processo.
E era isso que eu queria dizer sobre What remains of Edith Finch. É um jogo
muito interessante, que apresenta uma enorme variedade de situações e
interações, mas sempre primando por um tratamento específico da morte, que o
torna bastante original, especialmente nas narrativas presentes em jogos.
Quando eu penso nesse jogo, eu sempre lembro de uma das frases finais do filme O último samurai, em que um personagem
pede ao protagonista para que conte como outro personagem morreu. O
protagonista responde: “eu vou contar como ele viveu”. Parece algo bem
apropriado para esse jogo.
Até a próxima análise!
Gostei da sua narração e descrição do game.
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