Olá!
Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Her Story, jogo desenvolvido por Sam
Barlow e lançado para PC em 2015 e para celulares em 2016.
Her
Story é um experimento extremamente interessante, desses
que só jogos indies conseguem
produzir. Ele nos faz pensar sobre a estrutura dos jogos e sobre possibilidades
que estavam esquecidas e que podem enriquecer muito a nossa indústria.
E, apesar de todo esse
potencial, Her Story é um jogo
extremamente simples em termos de proposta e mecânicas: o jogador controla
alguém mexendo num arquivo da polícia com vídeos relacionados a um assassinato
que ocorreu há mais de 20 anos. Esses vídeos contêm múltiplas sessões de
interrogatório de uma moça, e são repartidos em pequenos trechos (no geral com
menos de um minuto cada).
A ideia é clara desde o
início: o jogador precisa analisar os vídeos para entender o que está
acontecendo, e tudo que ele tem para isso é o próprio senso de lógica e a
interpretação excelente da artista Viva Seifert. Vamos discutir isso por
partes.
O uso da lógica
envolvido no jogo está todo baseado nas limitações que o sistema de busca de
vídeos impõem: o jogador pode buscar uma palavra ou uma expressão e aparecerão
listados todos os vídeos que contêm essas palavras; mas, o buscador só vai
apontar as cinco primeiras ocorrências, o que te deixa sem a maior parte dos
vídeos, especialmente quando se trata de uma palavra ou tema recorrente nas
entrevistas.
Com isso, o jogador
precisa afunilar os temas ao máximo e aprender a deixar o máximo de informações
na sua cabeça para retomar depois, já que cada um dos cinco vídeos que aparecem
por vez pode levar a pistas completamente diferentes. E aí também entra o fator
tempo. Os interrogatórios se passam em dias diferentes, e em momentos distintos
da investigação; com isso, é preciso saber encaixar cada fala dentro da linha
temporal, e isso pode ser bastante confuso, o que sempre dá um clima de
mistério à narrativa do jogo.
Resumindo, então, Her Story coloca ao jogador o papel de
um detetive, mas não um detetive comum, e sim alguém que provavelmente já nada
pode fazer quanto ao caso, que já se encerrou há muito tempo, mas que,
estranhamente, está vasculhando arquivos antigos. É um interessante exercício
de lógica e interpretação, que motiva o jogador do início ao fim, com uma
incrível habilidade de deixar perguntas em suspenso e manter o jogador sempre
procurando respostas e tentando novos termos na busca.
O importante é que a
estrutura limitante do jogo permite que a experiência relativamente curta e
simples do jogo tenha uma complexidade grande, mas que se passa na mente do
jogador. É na cabeça do jogador que acontece o desafio, não na tela do
computador. As ferramentas e possibilidades são sempre as mesmas e sempre as
mais simples, mas o tempo todo, especialmente na reta final, existe um desafio
que motiva o jogador e faz com que ele se sinta sempre avançando, e ao mesmo
tempo sempre sendo provocado.
E grande parte do poder
de provocação e desafio do jogo vem da sua história complexa e interessante e
da forma como essa história é exibida, com a estrutura de fragmentos executada
pelos vídeos com a interpretação excelente de Viva Seifert. É realmente muito
curioso ver como a atriz consegue desempenhar um amplo leque de interpretações,
com diferentes nuances, que deixam o jogador sempre com uma clareza grande de
que as situações das gravações são bem distintas, mas ao mesmo tempo com uma
confusão sobre como uma mesma pessoa atinge diferentes experiências emocionais.
Assim, o texto e a
interpretação são a exata contraparte da mecânica: a rigor, cada vídeo é muito
simples, com pouco texto, pouca movimentação e uma fala relativamente clara e
simples. Entretanto, algo na atuação sempre coloca dúvidas no jogador, o deixa
em suspenso, desconfiando do que ouve. Assim, mesmo com a informação mais clara
possível, ainda resta uma dúvida, como se houvesse subentendidos demais, e que
é mais importante decifrá-los do que a própria fala do vídeo.
Assim, do mesmo jeito
que o mecanismo de busca é simples, mas tem uma limitação que exige que o
jogador busque diversos ângulos para conseguir informações relevantes e
sólidas, o texto é claro e simples, mas a interpretação coloca nuances que
exigem que o jogador mantenha sua desconfiança, assista a vídeos novamente,
procurando por ângulos distintos, e se pergunte o tempo todo quem é, afinal,
essa pessoa que ele ouve por duas ou três horas durante toda a experiência.
Pensando no que faz de Her Story algo novo e poderoso, é
inegável que o centro é justamente a interpretação. Na verdade, a estrutura de
regras limitantes é bem comum: jogos de detetive, no geral, oferecem um número
limitado de movimentos do jogador para que ele possa formar sua opinião sem ter
100% de clareza sobre as respostas.
Entretanto, a
dependência extrema de vídeos com artistas de carne e osso desempenhando um
papel é completamente nova. Claro, gravações com pessoas não são algo novo na
indústria; na verdade, desde os anos 90 elas existem, mas os problemas com investimento
e o estilo canastrão das atuações foi levando lentamente a indústria a
abandonar a prática e adotar as animações em seu lugar, sejam as
pré-renderizadas, sejam as feitas com as possibilidades do jogo mesmo.
Conforme o tempo foi
passando e a tecnologia avançou, temos capturas de movimento que fazem atores
reais aparecerem em jogos com visuais muito perto da realidade. Além disso, não
são poucas as grandes atuações em termos de dublagem dos jogos atuais.
Entretanto, sempre resta aquela dúvida de quando (e se) a captura de som e de
movimentos vai chegar à perfeição de reproduzir 100% da atuação do artista,
entregando uma experiência que soe genuína e natural. Coisas bem simples, como
um beijo, por exemplo, são incrivelmente difíceis de executar e podem quebrar
toda a imersão de uma experiência baseada na atuação dos personagens.
Her
Story passa completamente alheio a esse problema e
resolve colocar uma atriz para fazer o papel de uma atriz, deixando a animação
para lá, e o resultado não poderia ter sido melhor, e faz o jogador desejar
mais jogos desse tipo, que explorem mais as possibilidades de gravações com
atores reais e que despertem emoções e dúvidas genuínas, como Her Story conseguiu.
Ao mesmo tempo, a
situação que o jogo propõe é um dos raros casos em que usar gravações faz
completo sentido e não cria nenhuma dúvida no jogador; então, seja lá o que se
fizer daqui por diante com o modelo que Her
Story criou, vai ser preciso muito raciocínio e criatividade para adotar
essa poderosa ferramenta sem criar uma dissonância dentro do mundo do jogo.
Permanecendo ou não um
caso único na nossa indústria, Her Story
mostra que ferramentas há muito abandonadas pela indústria podem ser retomadas
de forma poderosa, desde que haja cuidado com a escolha dos atores e a
elaboração do texto. O jogo é uma experiência instigante e poderosíssima, que
deixa o jogador imediatamente querendo voltar para obter alguma informação que
escapou, ao mesmo tempo em que já quer outro jogo que lhe desperte a mesma
curiosidade e estranhamento.
E era isso que eu
queria dizer sobre Her Story. É um
jogo sobre perseguir a verdade por trás das aparências, verdades que estão bem
debaixo do nosso nariz, mas que podem ser escondidas se o mágico que as esconde
for bom o suficiente e, no final, acabamos gostando de não saber tanto quanto
de saber. Até a próxima análise!