sábado, 27 de agosto de 2016

Her Story - Pensando sobre o jogo



Olá! Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Her Story, jogo desenvolvido por Sam Barlow e lançado para PC em 2015 e para celulares em 2016.

Her Story é um experimento extremamente interessante, desses que só jogos indies conseguem produzir. Ele nos faz pensar sobre a estrutura dos jogos e sobre possibilidades que estavam esquecidas e que podem enriquecer muito a nossa indústria.

E, apesar de todo esse potencial, Her Story é um jogo extremamente simples em termos de proposta e mecânicas: o jogador controla alguém mexendo num arquivo da polícia com vídeos relacionados a um assassinato que ocorreu há mais de 20 anos. Esses vídeos contêm múltiplas sessões de interrogatório de uma moça, e são repartidos em pequenos trechos (no geral com menos de um minuto cada).

A ideia é clara desde o início: o jogador precisa analisar os vídeos para entender o que está acontecendo, e tudo que ele tem para isso é o próprio senso de lógica e a interpretação excelente da artista Viva Seifert. Vamos discutir isso por partes.

O uso da lógica envolvido no jogo está todo baseado nas limitações que o sistema de busca de vídeos impõem: o jogador pode buscar uma palavra ou uma expressão e aparecerão listados todos os vídeos que contêm essas palavras; mas, o buscador só vai apontar as cinco primeiras ocorrências, o que te deixa sem a maior parte dos vídeos, especialmente quando se trata de uma palavra ou tema recorrente nas entrevistas.

Com isso, o jogador precisa afunilar os temas ao máximo e aprender a deixar o máximo de informações na sua cabeça para retomar depois, já que cada um dos cinco vídeos que aparecem por vez pode levar a pistas completamente diferentes. E aí também entra o fator tempo. Os interrogatórios se passam em dias diferentes, e em momentos distintos da investigação; com isso, é preciso saber encaixar cada fala dentro da linha temporal, e isso pode ser bastante confuso, o que sempre dá um clima de mistério à narrativa do jogo.

Resumindo, então, Her Story coloca ao jogador o papel de um detetive, mas não um detetive comum, e sim alguém que provavelmente já nada pode fazer quanto ao caso, que já se encerrou há muito tempo, mas que, estranhamente, está vasculhando arquivos antigos. É um interessante exercício de lógica e interpretação, que motiva o jogador do início ao fim, com uma incrível habilidade de deixar perguntas em suspenso e manter o jogador sempre procurando respostas e tentando novos termos na busca.

O importante é que a estrutura limitante do jogo permite que a experiência relativamente curta e simples do jogo tenha uma complexidade grande, mas que se passa na mente do jogador. É na cabeça do jogador que acontece o desafio, não na tela do computador. As ferramentas e possibilidades são sempre as mesmas e sempre as mais simples, mas o tempo todo, especialmente na reta final, existe um desafio que motiva o jogador e faz com que ele se sinta sempre avançando, e ao mesmo tempo sempre sendo provocado.

E grande parte do poder de provocação e desafio do jogo vem da sua história complexa e interessante e da forma como essa história é exibida, com a estrutura de fragmentos executada pelos vídeos com a interpretação excelente de Viva Seifert. É realmente muito curioso ver como a atriz consegue desempenhar um amplo leque de interpretações, com diferentes nuances, que deixam o jogador sempre com uma clareza grande de que as situações das gravações são bem distintas, mas ao mesmo tempo com uma confusão sobre como uma mesma pessoa atinge diferentes experiências emocionais.

Assim, o texto e a interpretação são a exata contraparte da mecânica: a rigor, cada vídeo é muito simples, com pouco texto, pouca movimentação e uma fala relativamente clara e simples. Entretanto, algo na atuação sempre coloca dúvidas no jogador, o deixa em suspenso, desconfiando do que ouve. Assim, mesmo com a informação mais clara possível, ainda resta uma dúvida, como se houvesse subentendidos demais, e que é mais importante decifrá-los do que a própria fala do vídeo.

Assim, do mesmo jeito que o mecanismo de busca é simples, mas tem uma limitação que exige que o jogador busque diversos ângulos para conseguir informações relevantes e sólidas, o texto é claro e simples, mas a interpretação coloca nuances que exigem que o jogador mantenha sua desconfiança, assista a vídeos novamente, procurando por ângulos distintos, e se pergunte o tempo todo quem é, afinal, essa pessoa que ele ouve por duas ou três horas durante toda a experiência.

Pensando no que faz de Her Story algo novo e poderoso, é inegável que o centro é justamente a interpretação. Na verdade, a estrutura de regras limitantes é bem comum: jogos de detetive, no geral, oferecem um número limitado de movimentos do jogador para que ele possa formar sua opinião sem ter 100% de clareza sobre as respostas.

Entretanto, a dependência extrema de vídeos com artistas de carne e osso desempenhando um papel é completamente nova. Claro, gravações com pessoas não são algo novo na indústria; na verdade, desde os anos 90 elas existem, mas os problemas com investimento e o estilo canastrão das atuações foi levando lentamente a indústria a abandonar a prática e adotar as animações em seu lugar, sejam as pré-renderizadas, sejam as feitas com as possibilidades do jogo mesmo.

Conforme o tempo foi passando e a tecnologia avançou, temos capturas de movimento que fazem atores reais aparecerem em jogos com visuais muito perto da realidade. Além disso, não são poucas as grandes atuações em termos de dublagem dos jogos atuais. Entretanto, sempre resta aquela dúvida de quando (e se) a captura de som e de movimentos vai chegar à perfeição de reproduzir 100% da atuação do artista, entregando uma experiência que soe genuína e natural. Coisas bem simples, como um beijo, por exemplo, são incrivelmente difíceis de executar e podem quebrar toda a imersão de uma experiência baseada na atuação dos personagens.

Her Story passa completamente alheio a esse problema e resolve colocar uma atriz para fazer o papel de uma atriz, deixando a animação para lá, e o resultado não poderia ter sido melhor, e faz o jogador desejar mais jogos desse tipo, que explorem mais as possibilidades de gravações com atores reais e que despertem emoções e dúvidas genuínas, como Her Story conseguiu.

Ao mesmo tempo, a situação que o jogo propõe é um dos raros casos em que usar gravações faz completo sentido e não cria nenhuma dúvida no jogador; então, seja lá o que se fizer daqui por diante com o modelo que Her Story criou, vai ser preciso muito raciocínio e criatividade para adotar essa poderosa ferramenta sem criar uma dissonância dentro do mundo do jogo.

Permanecendo ou não um caso único na nossa indústria, Her Story mostra que ferramentas há muito abandonadas pela indústria podem ser retomadas de forma poderosa, desde que haja cuidado com a escolha dos atores e a elaboração do texto. O jogo é uma experiência instigante e poderosíssima, que deixa o jogador imediatamente querendo voltar para obter alguma informação que escapou, ao mesmo tempo em que já quer outro jogo que lhe desperte a mesma curiosidade e estranhamento.

E era isso que eu queria dizer sobre Her Story. É um jogo sobre perseguir a verdade por trás das aparências, verdades que estão bem debaixo do nosso nariz, mas que podem ser escondidas se o mágico que as esconde for bom o suficiente e, no final, acabamos gostando de não saber tanto quanto de saber. Até a próxima análise!

Nenhum comentário:

Postar um comentário