sábado, 10 de setembro de 2016

Série Senran Kagura (até Bon Appetit!) - Pensando sobre os jogos



Olá! Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de três jogos de uma série que não deve ser muito conhecida para além de fãs de jogos japoneses ou donos de portáteis. O nome dela é Senran Kagura, e eu vou comentar apenas os três primeiros jogos da série, conhecidos aqui como Burst, Shinovi Versus e Bon Appetit!.

Eu particularmente tenho uma série de problemas com alguns aspectos técnicos dos jogos dessa série, mas eu acho que eles permitem comentar algumas coisas bem interessantes que acontecem no lado japonês da nossa indústria.

O fato é que, no Japão, há uma tendência crescente de adicionar elementos eróticos aos jogos, fazendo com que eles tenham uma larga parcela de si dedicada apenas ao desejo de ficar observando insinuações de sexo ou quase nudez por boa parte da experiência. Eu acredito que essa tendência é mais fortemente representada pela série Senran Kagura, que já tem cinco jogos, todos bem-sucedidos comercialmente, tanto no Japão, quanto no Ocidente, embora em menor escala por aqui.

O melhor jeito de mostrar como essa série está vinculada a essa tendência é contar a história da criação da sua estética. No começo da vida do 3DS, o produtor Kenichiro Takaki queria desenvolver um jogo para o portátil e, pensando em que tipo de jogo fazer, ele se perguntou o que ele queria ver em 3D. Em trinta segundos, ele encontrou uma resposta: seios.

Ou seja, nesse caso, o design dos personagens e o apelo sexual vieram antes mesmo de um esquema de jogabilidade ou de uma história. É importante entender isso, porque explica como Senran Kagura pode pular de um gênero para outro sem tanto problema, porque o que ele entrega, antes de tudo, é uma estética, e depois vem a experiência de jogabilidade.

O primeiro jogo da série de que eu vou falar é Senran Kagura: Burst, jogo de 3DS desenvolvido pela Tamsoft e lançado em 2012 no Japão e em 2013 no Ocidente. Essa versão ocidental tardia contém, essencialmente, dois jogos: a campanha do primeiro jogo e mais uma campanha extra, focando no outro lado da história, o que essencialmente dobra o tamanho do jogo, embora essencialmente seja a mesma jogabilidade, os mesmos ambientes, a mesma proposta, etc.

Basicamente, Burst se passa num mundo em que os ninjas são treinados às escondidas em escolas secretas, e são divididos entre ninjas do bem e do mal. A história foca na rixa entre uma escola do bem, chamada Hanzo, e uma do mal, chamada Hebijo, cada uma representada por cinco garotas, que são as alunas mais capazes.

Em termos de história principal, não há nada de muito interessante para falar; na verdade, a imensa maioria do tempo é dedicada a desenvolver os dramas dos personagens individualmente, em vez de andar com a trama principal. Aliás, a história central é tão simples que usa um dos artifícios de que eu menos gosto, que é ter lutas que não resultam em nada e, na verdade, não têm nenhuma correspondência com o que de fato a história retrata.

Por exemplo: digamos que o jogador controle uma ninja enfrentando outra. Mesmo que ele vença sem ser tocado e em questão de poucos segundos, aparece uma cena com a ninja que ele controla toda cansada e a adversária, que foi vencida facilmente, falando que ela não sofreu nem um arranhão. Isso acontece tantas e tantas vezes nessa série como um todo que se torna algo cansativo, e fica difícil jogar focando em qualquer história principal que haja.

As personagens, por sua vez, são mais ou menos estereótipos, de quem o jogador pode acabar gostando e se apegando, porque eles são trabalhados sem muitos deslizes. Além disso, geralmente há um toque de humor nos momentos dedicados aos personagens, o que traz uma certa leveza a essas partes, e as tornam mais simpáticas.

Em termos de jogabilidade, Burst é um beat’em up em perspectiva 2D, embora os personagens sejam modelados em 3D. O jogador pode escolher uma das ninjas e fazer uma série de missões. No geral, elas se resumem a derrotar certo número de inimigos num determinado tempo, ou então matar todos e derrotar um chefe final. Cada personagem tem seus ataques especiais e seu estilo de luta, que pode variar bastante: há personagens que priorizam força em oposição a longo alcance, ou ataques que são realizados rapidamente, mas com pouco alcance, ou ataques que demoram mais a serem executados, mas atingem mais inimigos de uma só vez, etc.

Para além dos estilos estabelecidos das personagens, a mecânica mais interessante que Senran Kagura propõe é a escolha de determinar o seu estilo. Durante o jogo, existe a opção de lutar com as roupas da escola, as roupas de ninja e só de lingerie. Cada uma delas dá vantagens únicas ao jogador em termos de estilo de luta. Lutar com roupas de ninja, por exemplo, permite que a personagem tenha mais resistência, mas também diminui o dano causado. Lutar só com lingeries faz a personagem ter imensa força, mas pouquíssima resistência.

O detalhe é que, quanto mais se adota um estilo, mais eficiente e mais perigoso ele fica. Eu joguei quase todo o jogo no modo de lingerie, porque eu acredito que o jogo fica meio cansativo se demorar muito, e, nos últimos capítulos, meu dano era imenso, mas minha resistência era tão baixa que eu poderia levar só um ataque antes de morrer – o que, aliás, acontecia de forma um pouco injusta, porque havia inimigos fora do meu ângulo de visão, que atacavam sem eu ver e me matavam. Isso porque o jogo mantém carregado um trecho que é maior do que o que aparece na tela, e é normal inimigos ficarem fora de destaque, o que é problemático quando há aqueles que atiram projéteis.

Essa multiplicidade de estilos ainda é complementada pela diversidade de movimentos nos combos e mesmo as técnicas de cada personagem, com pontos fortes e fracos bem distintos. Há missões que devem ser passadas por uma personagem específica na primeira vez, mas, depois disso, é possível usar outra, o que permite um vínculo maior com determinada personagem, conforme o gosto do jogador.

Para mim, o grande problema do combate de Burst é que, quando o 3D está totalmente ativado e há espaços abertos e muitos inimigos, a taxa de frames do jogo cai vertiginosamente. Eu acho que nunca falei de taxa de frames aqui no canal, e isso é porque eu geralmente não me importo, mas nesse jogo é chocante. E eu até me acostumei, achei que esse era o ritmo do jogo, até chegar às últimas missões, que são confrontos um contra um em espaços fechados e, de repente, a fluidez do jogo virou totalmente outra, e eu percebi a imensa diferença que isso fazia.

Isso é uma coisa triste, porque Burst foi um jogo concebido com o 3D em mente, como eu contei. E, aliás, é nos combates que o efeito 3D desejado mais aparece, porque o dano de um personagem se reflete nas suas roupas. Conforme um personagem importante recebe dano, suas roupas vão se rasgando e, usando as técnicas certas, principalmente especiais, é possível deixar a personagem quase nua, o que efetivamente marca o fim da luta.

Esse detalhe da perda das roupas, e dos estilos se refletirem nas vestimentas das personagens é algo bem importante, porque o jogo permite personalizar a vestimenta das meninas, e as opções só vão se multiplicando conforme o jogador avança. No geral, a maior parte das opções fica reservada, é claro, à seção das lingeries, para o jogador poder escolher que roupa ele vai poder tirar quando enfrentar determinada personagem.

Burst é, então, o primeiro capítulo da série Senran Kagura que já deixa muito claros alguns elementos que só se desenvolverão conforme a série vai crescendo: um desapego bem grande pela história, uma jogabilidade que oferece opções e estilos interessantes, embora a execução nem sempre seja a melhor, e um foco bem grande em humor, estereótipos e uma estética voltada a agradar quem procura nudez feminina.

A questão realmente interessante, e que alguns de vocês podem estar se perguntando é: por que a Tamsoft não fez de Senran Kagura uma série 100% erótica? Por que, no momento em que todas as roupas são rasgadas, resta uma luz ou uma caricatura do rosto da personagem, cobrindo partes da imagem?

Este é o x da questão do mercado desses jogos que eu vou chamar de semieróticos no Japão. Os desenvolvedores precisam se adequar a duas forças distintas e quase opostas: por um lado, eles querem investir no erotismo para atrair um público; por outro, a imensa maioria do público japonês joga em portáteis, e as empresas fabricantes não permitem a existência de jogos abertamente eróticos nessas plataformas. Por isso, os que acabam se dedicando a erotismo e sexo ficam relegados ao PC, que é uma plataforma que, historicamente, não faz sucesso no Japão. Para ter sucesso financeiro e expressão, os desenvolvedores acabam adotando um erotismo que é, ao mesmo tempo, explícito e envergonhado.

A proposta estética de Burst continua no segundo jogo da série, Shinovi Versus, lançado para PS Vita em 2013 no Japão e em 2014 no Ocidente, e para PC em 2016. Porém, se a estética permanece, o estilo de jogo muda bastante, pois a perspectiva da série pula de 2D para 3D, e a ambição aumenta muito.

Essa ambição vai se refletir no escopo de cada pequeno detalhe. Em alguns casos, isso é benéfico à série. Por exemplo, o combate em 3D é muito mais justo com o jogador do que o 2D, porque, tendo mais opções de movimentação pelo espaço, as ninjas podem escapar de projéteis de forma mais justa com o jogador que está jogando num estilo que diminui a resistência. Além disso, os problemas técnicos foram praticamente todos resolvidos, embora o efeito 3D do 3DS não esteja presente no Vita, então pode ser por isso.

Sendo assim, em termos de jogabilidade, Shinovi Versus é um grande salto na série Senran Kagura, embora eu gostasse da perspectiva 2D, porque ela permitia combos envolvendo quase uma dezena de inimigos de uma só vez, enquanto esse tipo de efeito é bem mais difícil de realizar num espaço 3D. Mas, de qualquer forma, o ganho no quesito facilidade de prever e evitar ataques é mais do que suficiente para deixar isso para trás.

Agora, se a ambição da jogabilidade deu bons frutos, o mesmo não se pode dizer da ambição na história. Essencialmente, Shinovi Versus tem o dobro de história de Burst, porque agora as escolas rivais são quatro, e não só duas. E talvez isso fosse interessante para criar conflitos complexos e com envolvimento emocional, mas o curioso é que Shinovi Versus cria uma história para cada uma das campanhas que focam as escolas. Embora o caráter das personagens se mantenha e haja temas comuns, a história contada nunca é a mesma.

Ou seja, a história no jogo perde toda a sua coesão e ninguém sabe mais que fio da meada a história deveria seguir. Ao mesmo tempo, as novas personagens são adequadas ao universo da série, confluindo todo um universo de personagens femininas que povoam o imaginário erótico japonês: da jovem determinada e sexy por acidente, passando pela garota com mentalidade e até aparência de criança, até chegarmos às moças que só pensam em erotismo, que abusam das colegas ou que pedem para apanhar por prazer.

Essa mistura de personagens da série, especialmente quando se chega na escala que Shinovi Versus introduz, acaba gerando um universo que é tão divertido quanto erótico e, com isso, se você não se atrai pelas imagens ou pelos clichês eróticos, talvez curta o bom humor que a série sempre teve, e que só aumenta em Shinovi Versus. Contudo, quanto mais a série foca nesse humor e erotismo, menos identidade ela tem em termos de história. Felizmente, ela tinha encontrado uma boa posição em termos de jogabilidade.

Isso nos traz ao ano de 2014, quando é lançado o spin-off Senran Kagura: Bon Appétit! para PS Vita. A história desse jogo é tão emblemática da série quanto a de Burst: pensando em novos rumos para a franquia, Kenichiro Takaki começou a pensar em quais eram as melhores coisas da vida. Ele chegou à conclusão de que eram sexo, comida e dormir. Como dormir era um sentimento difícil demais de reproduzir num jogo, ele resolveu unir os outros dois.

Bon Appétit! é um jogo de ritmo, ou seja, uma música toca enquanto algumas ações acontecem na tela, e o jogador precisa apertar os botões que estão aparecendo na tela na hora certa para manter uma certa pontuação. Caso ele consiga uma sequência boa o suficiente, ele vence.

Em termos de Senran Kagura, isso se reflete com as meninas de Shinovi Versus participando de um concurso culinário que premiaria a vencedora com o poder de realizar um desejo. É claro que, acompanhando a ideia de expansão dos outros jogos, cada personagem terá uma curta campanha, com histórias totalmente independentes, mesmo que elas estejam retratando supostamente o mesmo evento.

Nesse jogo, toda e qualquer semelhança com as mecânicas dos jogos anteriores é abandonada, o que é até esperável num spin-off, mas, ao mesmo tempo, me parece que, mais do que meramente um spin-off, Bon Appétit! funciona como mais um título da série, porque ele entrega uma experiência com as mesmas prioridades dos jogos anteriores, ou seja, erotismo e humor, embora o erotismo definitivamente seja agora mais prioridade do que jamais foi.

Cada história ainda tem sua carga de humor e interações entre as meninas, mas, como cada campanha é bem curta, isso acaba perdendo espaço. O erotismo, porém, se destaca extremamente pela forma como o jogo premia o bom desempenho do jogador. Cada partida do jogo contém três rounds, por assim dizer, já que as meninas fazem três pratos, que são julgados individualmente. Para o jogador vencer, ele só precisa alcançar uma determinada quantidade de pontos na terceira e última etapa.

Mas, a cada etapa vencida, o jogador consegue tirar um pouco da roupa da adversária. Se ele conseguir vencer as três etapas, a garota fica totalmente sem roupa, embora ainda com uma cobertura de luz em certas partes do corpo. E, quando a luta acaba, a garota se torna parte de um prato, sendo coberta só por algum elemento, como chantilly ou calda de chocolate.

O curioso é que, até Shinovi Versus, todos os momentos eróticos tinham uma justificativa em termos de contexto, mesmo que fosse um tanto absurdo. Esses pratos de Bon Appétit! não tem nenhuma justificativa, existindo apenas para a apreciação do jogador. E, além disso, em nenhum outro momento da série as meninas aparecem em poses tão eróticas e explícitas. É um nível de erotismo totalmente novo para a série.

Com isso, a série Senran Kagura demonstra um caminho que tem mimetizado um pouco da história da indústria japonesa dos últimos anos, que é um processo de erotização crescente das produções, embora seja uma erotização sempre tímida de se admitir como tal. Há sempre um contexto que procura justificar a existência do erotismo, mas esse contexto vai sendo deixado de lado a cada vez que o erotismo vai ganhando protagonismo.

E esse conflito constante entre contexto e erotismo só existe porque há a resistência dos fabricantes de plataforma a permitirem o lançamento de jogos decididamente eróticos. E, enquanto isso não acontecer, jogos desse tipo vão ter uma estrutura incompatível com o que querem representar, com inúmeras contradições, o que os impede de se elevarem. E, sim, jogos com erotismo podem ser grandes obras, como eu já tratei nesse canal.

Até lá, nós vamos ter que nos conformar com os seguintes argumentos:


essas três imagens de Monster Monpiece representam variações de uma mesma carta, com a primeira sendo a mais fraca e a última sendo a mais forte. Você as evolui aumentando seu vínculo com as monstras das cartas, tocando-as nas suas zonas erógenas; em Conception II, você só precisa tocar na mão de uma das suas colegas de sala para criar um novo membro da sua party, mas, enquanto os personagens falam de tocar na mão um do outro, essas são as imagens que aparecem:




 E, por fim, por conta de uma confusão num concurso de comida, é assim que uma das participantes termina:



E era isso que eu queria dizer sobre os três primeiros jogos da série Senran Kagura. Eles têm um bom senso de humor e uma jogabilidade razoável, mas se destacam por serem experiências eróticas num meio que não lhes favorece, e que precisaria mudar para que essas experiências pudessem se desenvolver da forma que quisessem. Até uma próxima análise!

Nenhum comentário:

Postar um comentário