sábado, 28 de outubro de 2017

Year walk - Pensando sobre o jogo



Olá! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Year walk, jogo desenvolvido pela Simogo em 2013 para iOS, depois lançado, em 2014, para PC e, em 2015, para Wii U. Eu já falei de um jogo da Simogo, o Device 6, que eu joguei no celular faz um tempo, e que é um jogo de puzzle muito criativo, que usa muitas das potencialidades da plataforma que o estúdio escolheu. Year walk é o jogo anterior da Simogo, mas, desta vez, eu preferi jogar no PC, até para facilitar a captura, e o que eu encontrei foi um jogo muito interessante, com uma atmosfera única e que é capaz de criar suspense e mistério com muita originalidade.

A história de Year walk é baseada num costume antigo da Suécia, em que as pessoas procuravam ver o futuro. Para isso, na véspera do ano novo, a pessoa se abstinha de comer e beber qualquer coisa, e passava o dia inteiro em casa, no escuro. Próximo da meia noite, ela saia de casa e rumava até a igreja e lá ela teria visões sobre o próprio futuro. O problema é que, para isso, a pessoa meio que entra num limbo dimensional e, para atravessá-lo e ver o futuro, ela precisa tomar cuidado com uma série de guardiões que vigiam esse plano.

Como a mitologia sueca é muito obscura para a maioria dos povos do mundo, o jogo conta com uma enciclopédia sobre cada um desses guardiões, que contém informações muito importantes para prosseguir no jogo. Além dessa necessidade para a jogabilidade, é bem interessante conhecer essas histórias, que pintam a mitologia e o folclore de uma forma bem sombria, o que é o tom que uma imensa parte dessas histórias acaba assumindo em todas as partes do mundo.

Se você já ouviu falar que muitas das histórias clássicas que a gente vê em filmes da Disney, por exemplo, são baseadas em contos absolutamente cruéis e sanguinolentos, você não deve levar nenhum choque com as histórias na enciclopédia de Year walk. Muitas são baseadas em medos reais e são estratégias para afugentar pessoas de perigos que rondam uma região fria e cheia de potenciais ameaças à vida.

No jogo, você controla um rapaz que decide realizar uma year walk. Ele avisa uma potencial namorada disso, e ela tenta dissuadi-lo, mas ele volta para casa e repousa até a meia noite, quando ele pode começar a andar por aí e ver todo tipo de coisa. Na prática, Year walk é um jogo de puzzles, em que o jogador deve ajudar o protagonista a prosseguir no seu caminho até a igreja, para completar a year walk.

Para isso, é preciso se movimentar pelo mapa do jogo, que é relativamente pequeno, mas cheio de pistas para uma série de puzzles espalhados pelo jogo, que é relativamente curto, mas cheio de momentos misteriosos. Cada trecho do cenário é como se fosse uma ilha, com alguns pontos específicos servindo como uma ponte para o próximo segmento. Alguns segmentos estão bloqueados, e é preciso interagir com alguma coisa para liberá-los, mas todos já se encontram presentes no mapa, que inclusive conta com as rotas possíveis.

Além de se movimentar, o jogador pode interagir com alguns objetos, mas eles não são muitos, porém todos os interativos são significativos e importantes em algum momento do jogo. Além disso, é essencial observar pequenos detalhes, entalhes nas árvores, coisas escritas, e também retornar a espaços já visitados para ver se algo mudou.

No geral, os puzzles do jogo não são muito desafiadores, mas eu sempre recomendo ter papel e caneta perto, porque pode ser necessário. Uma coisa que sempre me acontece com jogos de puzzle baseados na observação do cenário é que eu me sinto meio bombardeado com informações logo no começo, e saio escrevendo tudo de uma vez, e depois vou interpretando e usando essas informações quando é necessário.

Pode parecer algo tedioso, mas faz você se sentir um verdadeiro detetive e uma pessoa perspicaz, já que usar uma informação que você conseguiu no outro extremo do mapa nem sempre é algo que alguém vai conseguir fazer de imediato. E eu vi algumas reviews no Steam reclamando que o jogo era obscuro demais e, se você ficar frustrado com esse sistema do jogo, há uma opção de obter dicas. Eu consegui finalizar o jogo em poucas horas e não usei nenhuma dica; como eu não me considero particularmente inteligente para essas coisas, eu acho que nada no jogo é tão difícil assim.

O fato é que haverá puzzles que se utilizam de várias mecânicas do jogo, como som, interpretação de texto, exploração e, principalmente, conhecimento sobre a mitologia presente no jogo. O fato é que o conhecimento de como lidar com certas criaturas ajuda muito você a sobreviver a momentos realmente assustadores que o jogo propõe.

E isso leva a uma parte muito importante, a ambientação de Year walk, que, para mim, é uma das coisas mais interessantes nesse jogo. Interagir com os puzzles desse jogo, bem como com as figuras mitológicas que aparecem para você, oferece um olhar novo naquele mundo circundado por neve e aparentemente tranquilo. Adentrar uma nova realidade mostra todo o sangue e a violência que fazem parte desse universo, e levanta algumas dúvidas importantes sobre alguns personagens do jogo.

Quando a gente pensa na mensagem que a própria estrutura de Year walk apresenta, seria algo como que a vida privada e os sentimentos das pessoas escondem problemas e horrores que chocam muito mais do que criaturas mitológicas, e essas criaturas, embora assustadoras, muitas vezes podem até ter funções benéficas, enquanto as pessoas mesmo podem ser muito mais cruéis.

O mais interessante é que isso não é dito ao jogador, e sim sugerido por meio das imagens e puzzles que são propostos em Year walk, e aí o sentimento de detetive só se intensifica, porque você não é apenas um jogador resolvendo puzzles, mas alguém que está descobrindo a vida de pessoas que têm muito a esconder. E uma vilazinha pequena na Suécia pode ser palco de vários horrores.

Por fim, o jogo ainda tem um mistério final, um puzzle mais ou menos secreto que quebra a quarta parede, reconhecendo a existência do próprio jogo e fazendo o mistério de Year walk chegar ao mundo real de um jeito bem inteligente, e deixa um impacto bem forte, fazendo o jogador pensar e se sentir afetado por tudo que ele vivenciou no jogo, como os melhores filmes de terror que tocam a realidade conseguem fazer, como O chamado ou Candyman. É uma história cheia de fantástico, mas um fantástico um pouco real demais para a gente ficar 100% confortável.

E era isso que eu queria dizer sobre Year walk. É um jogo cheio de puzzles inteligentes, e que cria uma atmosfera surpreendente, cheia de mistério e violência, e que vaza do computador para o mundo real de um jeito bem assustador. Até a próxima análise!

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

RiME - Pensando sobre o jogo



Olá! Eu sou o Asa e hoje vou falar de RiME, jogo desenvolvido pela Tequila Works e lançado no meio deste ano para PS4, Xbox One e PC, e que deve sair até o fim do ano também para o Nintendo Switch.

RiME é um jogo muito curioso para mim porque, apesar de ele ter grandes ambições e um empenho notável para executá-las, existem, ao mesmo tempo, algumas partes que decididamente prejudicam o efeito que ele pretende alcançar, o que torna o jogo um daqueles experimentos que têm valor, e às vezes ajudam a entender um pouco o quanto as obras que o inspiraram souberam acertar.

Não tem muito como falar de RiME sem comentar inicialmente a óbvia influência de ICO sobre o jogo. A ideia de um personagem criança solto num lugar estranho e um tanto inóspito já imediatamente faz o jogador se lembrar do jogo de PS2 e, conforme se avança, existe uma série de semelhanças na estética que deixam difícil escapar da comparação.

Mas, ao mesmo tempo, isso funciona mais como um invólucro estético do jogo e é inevitável pensar também que muitas dessas semelhanças são fruto de os desenvolvedores de ICO praticarem uma estética minimalista ao máximo, não raro recorrendo a elementos culturais que podem quase ser vistos como universais, e aí a ideia de cópia ou influência fica enfraquecida, já que se bebe de uma fonte tão ampla e comum.

O que de mais concreto se vai poder tirar de uma comparação entre RiME e ICO é a estética cheia de luzes e um tom focal laranja sobre o protagonista, e a forma como a história se constrói. Rime começa com o protagonista acordando na praia de uma ilha, que depois ele percebe ser cheia de um monte de construções estranhas, e que servem a um objetivo desconhecido ao jogador, mas que pode ou não ser desconhecido ao protagonista.

O que parece mais ou menos óbvio é que o jogo pretende que o jogador controle o garoto rumo a uma estranha torre branca que fica na ilha, então este é o objetivo principal. Mais tarde a gente entra em spoilers, mas por ora eu queria deixar claro que é uma história com poucas explicações e muitas perguntas, mas que pode ser experimentada aos poucos, conforme o jogador avança.

A ideia é provocar sentimentos no jogador, com todas as suas diferentes alegorias e, portanto, é responsabilidade do jogador ir juntando as peças de sentido que vão sendo apresentadas a ele a cada um dos diferentes momentos do jogo.

Já em termos de jogabilidade, a proposta de RiME é controlar o garoto para explorar a ilha e resolver uma série de puzzles que vão liberando o caminho rumo à torre e seja qual for o mistério que ela guarda no seu topo. No geral, os puzzles são bem simples. De vez em quando eu empaquei em alguns trechos, mas eu confesso que às vezes isso acontece comigo e, depois que eu descubro a solução, me parece estupidez ter demorado tanto para conseguir. Em nenhum momento houve um puzzle que me deixou inconformado com a sua solução.

O mesmo não se pode dizer da questão da exploração. RiME é um jogo que muitas vezes coloca a estética à frente da capacidade de comunicar ao jogador aquilo com que ele pode interagir. É nesse sentido que eu disse, no começo, que jogar Rime me faz ter uma apreciação maior por ICO, porque naquele jogo eu tinha 100% de certeza do que era interativo ou não, de onde eu poderia ir, etc. Isso porque o cenário é simples e isso deixa claro ao jogador quais são as possibilidades.

RiME é um jogo muito bonito, a iluminação é surpreendente e os cenários são todos verossímeis, ou seja, você aceita com lugares mais ou menos possíveis de existir, sem uma ideia de coisa fabricada. Mas, a verdade é que isso muitas vezes não comunica rapidamente o que é interativo. Dezenas de vezes eu tentei pular em pedras de altura exatamente igual às que eu já tinha conseguido subir um pouco antes, por exemplo.

O jogo tenta aliviar isso colocando pequenas marcações brancas nos lugares onde você com certeza vai conseguir subir, mas nem todos os lugares onde você consegue subir têm essa marcação, então a tentativa não é inútil. Isso faz você ficar tentando explorar e dando literalmente com a cara na parede algumas vezes, o que é bem frustrante. Junte a isso o fato de que a movimentação do menino é meio lenta e que ele demora um tempo para correr em velocidade máxima, e que o jogo acontece sempre em cenários bem grandes, e o resultado é que a exploração vai se tornando uma frustração crescente.

Talvez você esteja pensando que um jogo como eu descrevi até agora não parece tanto um tipo de jogo que precisa de tanta exploração: ICO, Journey, ABZÛ, Papo y Yo, The last guardian e até Toren não demandam nada disso. Mas, uma coisa que aconteceu quando eu comecei Rime é que eu vi alguns coletáveis espalhados pela primeira parte do jogo. E, após pegar alguns, eu notei que cada um dos que eu peguei pertencia a uma categoria diferente de coletável.

E, de fato, a quantidade de coletáveis no jogo é surpreendentemente grande, e cria no jogador um ímpeto de explorar, mesmo que as mecânicas não sejam completamente adequadas para isso. E, numa primeira playthrough, o jogador não sabe quais coletáveis são importantes para algum evento, ou mesmo se algum deles é. E, até onde eu sei, dos cinco conjuntos diferentes de coletáveis de RiME, pelo menos dois são excepcionalmente importantes para a narrativa.

Por isso, o jogador que se importa com a narrativa e com a experiência provavelmente vai se obrigar a passar pelos piores e mais frustrantes momentos do jogo, o que só prejudica a experiência como um todo. E, por isso, não foi raro eu ficar muito frustrado e até bravo com Rime, mesmo que esse tipo de jogo seja um dos que eu mais gosto e, em grande medida, ele capture com correção o estilo que está buscando, seja no visual, no som, nos puzzles e na história. Ele acerta bem mais do que um jogo como Toren, por exemplo.

E aí entra a grande questão do design de RiME: talvez fosse o caso de experiências como a dele serem focadas e se concentrarem ao máximo em construir o sentimento com que escolheram trabalhar. No fundo, eu acredito que esta é a maior lição que os desenvolvedores de ICO deram à indústria e é a lição que os seus melhores seguidores sempre retomam. No quesito dos coletáveis e da exploração, Rime acaba chamando a atenção do jogador para os limites e falhas do jogo e isso só prejudica a experiência.

Felizmente, eu acredito que a história que o jogo pretende contar redime muito dos problemas de Rime, mas, para falar disso, eu vou ter que entrar em spoilers. E spoilers aqui significa a história toda. Portanto, se você quiser parar por aqui, eu entendo e agradeço pela sua visita e pela paciência.

Se você precisa de uma palavra final, RiME é um jogo dividido em dois: ele tem a fórmula de como produzir uma grande experiência, mas ele tem também partes bem irritantes. É mais um bom jogo no estilo de ICO, se você for otimista, e uma tentativa razoável e interessante se você for mais pessimista. Independente do ponto de vista, eu acredito que é um jogo memorável. Se você for spoilers-free, até uma próxima análise!


Se você quiser discutir tudo, vamos lá. Quando o jogador chega à torre da ilha, ele percebe que cada andar dela mostra uma ilha totalmente diferente, com temas variados, cada um deles relacionado a algum sentimento negativo: medo, morte, abandono. A cada vez que o jogador finaliza um andar, ele pode passar ao próximo, até chegar ao topo. Além disso, ele passa por uma breve cena em que o garoto está num barco com um homem de capa vermelha no meio de uma tempestade.

No topo, o jogador descobre que o homem era o seu pai e que não era o menino que tentava salvá-lo e sim o pai que tentou resgatar o garoto antes de ele cair do barco e se afogar. Mas, ele não conseguiu. O protagonista está, então, morto e o caminho que ele percorre é, em grande medida, o caminho de obter paz de espírito para ele e para o pai, já que ambos, em grande medida, já estavam mais ou menos feridos pela perda da mãe do garoto antes do evento do barco.

A cena final do jogo é profundamente impactante, porque mostra que o caminho todo que o garoto percorreu nada mais é do que um caminho espiritual para encontrar o pai mais uma vez, para se mostrar presente a ele de alguma forma, para não abandoná-lo. Ao final, eles estão distantes, sem poderem se ver ou tocar, mas próximos o bastante para que cada um possa seguir seu caminho de alguma forma.

É uma cena muito bela para quem consegue se identificar com a ideia do luto. O luto nada mais é do que uma separação brusca, que causa uma ferida. E o processo de superação do luto, na perspectiva descrita em RiME, é a conclusão de que esse luto não é real, que as relações realmente importantes permanecem, num plano ou em outro, e que as pessoas que se amam não se abandonam, mesmo que a vida conspire em contrário.

Até este momento do fim do jogo, RiME é bastante vago em relação a esses conceitos e, por isso, se você se interessou pelo jogo, talvez seja o caso de jogar duas vezes, justamente para ir captando alguns elementos que passam a fazer mais sentido depois que se tem uma ideia do todo, como a recorrência do tema da perda, ou por que a imagem de um homem chorando é frequente, ou ainda o poder devastador da tempestade.

Assim, o final do jogo ressignifica a trajetória como uma reconstrução dos últimos momentos do menino, dos seus trechos mais assustadores, ao mesmo tempo em que ele é ajudado por aquilo que ele ama, como a pequena raposa de brinquedo. Acaba sendo uma experiência tocante, cheia de emoção e sinceridade.

E era isso que eu queria dizer sobre RiME. É um jogo cheio de beleza e que busca uma grande experiência. Nem sempre ele acerta, mas a verdade é que o resultado é marcante. Até a próxima análise!

sábado, 14 de outubro de 2017

Um recado, um comentário, uma indicação



Olá! Eu sou o Asa e hoje eu queria só falar um pouco rapidamente sobre alguns assuntos concernentes a este blog. Na verdade, são três coisinhas: um anúncio, um comentário e uma indicação.

O anúncio é que eu tenho feito um teste desde agosto para ver se eu conseguiria implementar de novo um ritmo constante de produção e a boa notícia é que eu tenho alcançado a meta a que eu me propus, que é de tentar lançar uma análise a cada dez dias. Então agora eu me sinto confiante para falar que, pelo menos até o final de 2017 e o comecinho de 2018, todo dia terminado em 8 vai ter uma nova postagem, ou seja, nos dias 8, 18 e 28. Na verdade, já tem sido assim desde agosto, mas agora eu resolvi formalizar. Então, no caso de você não receber um aviso de vídeo depois de uma dessas datas, dê uma conferida, porque é bem provável que tenha havido algum erro.

Eu sinto que há outras coisas que eu queria falar sobre a situação das postagens e o seu futuro, mas eu vou dar tempo ao tempo por enquanto, e aí eu falo em mais detalhe no dia 15 de novembro, quando eu pretendo postar uma retrospectiva e reflexão sobre o canal, que vai fazer 5 anos nessa data. 5 anos, acredita? Pois é.

Enfim, passando ao próximo assunto, o comentário que eu queria fazer era, na verdade, um feedback sobre o vídeo de indicações do YouTube, já que vocês me sugeriram um monte de canais e eu fui vendo aos poucos. Em alguns casos, eu dei um olhadinha mais rápida, em outros eu olhei mais, e eu gostaria de agradecer muito pelas indicações. Eu conheci muita coisa nova que está acontecendo no YouTube e creio que os senhores têm muito bom gosto.

Acho que, dentre todas as sugestões, o Nautilus é o que tem mais a cara do conteúdo que eu mais consumo e eu fico muito feliz que hoje o YouTube comporte uma equipe daquele tamanho, produzindo conteúdo com profundidade no texto e com a trabalheira técnica que eles colocam na edição.

Por fim, eu gostaria de fazer uma indicação a vocês. Nesse meio tempo eu acabei trombando com mais um canal interessante, chamado Ludoviajante. É um canal com bem poucos vídeos, dá para você ver todos rapidinho, e você sente, ao assistir, que o autor fez um esforço genuíno na edição e no roteiro para conseguir passar um pouco do envolvimento dele com as coisas que ele comenta. Acho que é simultaneamente um canal para fazer você pensar e para ter um pouco de contato com alguém que realmente ama as obras de arte que consome.

Enfim, acho que eu vou falar um pouquinho mais disso lá na postagem de 5 anos, mas aquele vídeo de indicações e as coisas que eu tenho descoberto sozinho nos últimos meses têm me deixado um pouco mais otimista com a produção de comentário de jogos. E, por isso, eu realmente agradeço a vocês. E até uma próxima análise!

domingo, 8 de outubro de 2017

Cuphead - Pensando sobre o jogo



Olá! Eu sou o Asa e hoje eu quero voltar um pouquinho aos tempos em que eu analisava coisas recentes, para falar de Cuphead, jogo desenvolvido pelo Studio MDHR e lançado para Xbox One e PC no fim do mês passado.

Cuphead é um daqueles jogos que têm uma carga imensa em cima de si, por conta da enorme expectativa que o público criou desde seu anúncio. E, apesar de tantas pessoas dizerem que o mais importante num jogo é o gameplay, essa empolgação com Cuphead veio 100% baseado no seu visual, que mimetiza à perfeição a estética das animações clássicas dos anos 30, que, apesar de bem antigas, ainda puderam ser aproveitadas pela minha geração. Hoje em dia eu não sei quão bem difundidos esses desenhos são. Espero que eles ainda sejam acessíveis.

Enfim, um bom tempo se passou desde a primeira vez que o jogo se mostrou ao público, até o momento em que ele finalmente saiu. Algumas coisas fundamentais do jogo foram alteradas nesse meio tempo, mas eu acredito que se possa dizer que o projeto manteve sua essência e encontrou uma incrível aceitação do público, o que, infelizmente, se tornou algo raro nos dias de hoje.

Inclusive, a empolgação com o jogo em si é tão grande no momento, que eu até encontro dificuldade para escrever algo que eu considere relevante. Mas, acho que ainda restaram algumas coisinhas para dizer aqui. De qualquer forma, eu vou tentar não repetir muito o que as pessoas têm falado por aí até agora. Como sempre, eu considero que, se você está aqui e o jogo não é extremamente obscuro, você provavelmente já tem uma boa ideia de como ele é.

Cuphead é um jogo que conta como o protagonista e seu amigo Mugman perdem uma aposta com o diabo e precisam caçar outros devedores para se livrarem da morte. Ele se estrutura, claro, como um jogo 2D, adotando um gameplay que as pessoas normalmente chamam de run and gun, ou seja, as coisas mais importantes são o ato de atirar e se movimentar. Eu, particularmente, chamaria de run, jump and gun, já que você vai passar mais tempo pulando que correndo.

Com essa descrição, você, que conhece os clássicos, deve ter pensado imediatamente em Mega man, ou mesmo Contra. Entretanto, a proposta de level design de Cuphead é, em sua maior parte, completamente distinta da desses jogos, pois ele foca muito no combate com chefes que costumam acontecer numa tela só, com apenas um ou outro tendo transições.

Há fases mais tradicionais, mas elas são poucas e opcionais, servindo para você conseguir dinheiro para comprar diferentes munições e habilidades extras para o seu personagem conseguir sobreviver mais ou ter mais opções de ataque. Pense que o jogo tem uma proporção de mais de 3 fases de chefe para 1 fase de plataforma, então é bem claro qual é o foco da experiência. Na verdade, supostamente essas fases foram adicionadas porque o público ficou decepcionado ao saber que o jogo não continha fases tradicionais, apenas chefes.

De qualquer forma, o que é importante dizer é que, seja nessas fases mais tradicionais, seja nas batalhas contra os chefes, Cuphead permite um movimento perfeito, cheio de nuances nas formas de ataque, que permite atirar em oito direções, com diferentes munições, e também no movimento, com pulos de diferentes alturas, controle no meio do ar, um dash que te permite ir mais longe, e até passar por inimigos, se você tiver comprado essa habilidade.

E o jogador certamente vai precisar de todas essas habilidades, porque Cuphead é um jogo extremamente desafiador, porque o protagonista só tem 3 chances de erro, a não ser que ele tenha a habilidade de aumentar a vida, mas mesmo assim você não vai ter uma margem muito maior. E, quando você vê uma batalha em Cuphead, você percebe que isso é muito pouco, porque a quantidade e variedade de ataques que cada chefe desfere contra você é inacreditável.

Felizmente, você pode tentar quantas vezes quiser, já que o jogo não é baseado em continues. Eu devo ter morrido, literalmente, umas 300 vezes para chegar até o final, por exemplo. Por isso, a experiência de Cuphead é baseada na ideia de se propor a enfrentar um chefe e aprender a enfrentá-lo até finalmente conseguir vencê-lo. No geral, as batalhas são muito curtas, não costumando durar mais que dois minutos. Na verdade, a maioria dos chefes morre antes dessa marca. Porém, em certos momentos isso vai parecer uma eternidade.

E essa sensação se dá porque Cuphead é um jogo muito dinâmico, muito veloz, e que, por isso, demanda muito. Se você pensa num jogo como os da série Souls, por exemplo, você pensa em combates cansativos, mas, no geral, você sempre tem um tempo para respirar, aquele intervalo em que o chefe se recupera de um ataque e você pode se curar, pode fugir um pouco, pode reorganizar seus pensamentos.

Cuphead não te permite isso. Não há como recuperar a vida durante uma batalha e aquele pequeno intervalo em que o chefe se recupera pode ser a sua única chance de atacar ou se posicionar de uma forma razoável para evitar seja lá qual for o ataque que provavelmente virá em seguida. Cada segundo de Cuphead é um momento útil e de absoluta importância, em que você pode vencer ou morrer.

Por isso, ele é um daqueles jogos que te coloca num estado de tensão extrema o tempo todo e, em todos os momentos de vitória, gera comemorações extremamente entusiasmadas. Eu não sou muito de ficar empolgado jogando, mas certas vitórias nesse jogo certamente me deixaram muito feliz.

E isso faz de Cuphead um jogo extremamente competente no que ele se propõe a fazer. Ele é empolgante e, mesmo nos momentos mais cruciais das batalhas, muito raramente eu coloquei a culpa de uma derrota no jogo. Infelizmente alguns chefes tendem a usar ataques na parte mais inferior da tela, na qual, algumas vezes, elementos de cenário tendem a ficar, especialmente nas fases em que você controla um avião e há uma ilusão de movimento. Mas, isso é bem raro.

Cuphead também é muito competente na arte de fazer o jogo parecer ter sido feito nos anos 30, com princípios de animação tirados diretamente das obras da época, e uma trilha sonora de jazz de altíssima qualidade. Eu não vou entrar muito nesse mérito, porque recentemente o canal Nautilus fez um ótimo vídeo falando disso e, como muitos de vocês acompanham o trabalho deles, eu vou só mencionar. Se você ainda não viu o vídeo deles, eu recomendo ver depois de ler, porque é bem instrutivo.

Enfim, isso tudo que eu falei faz de Cuphead um jogo competente, mas não um grande jogo, pelo menos não para mim. O que o diferencia, na verdade, é algo que eu não vejo as pessoas falando tanto, mas é como ele retoma muito mais do que os princípios técnicos da animação, e sim também os princípios estéticos e filosóficos da animação, e era principalmente disso que eu queria falar.

A animação é uma coisa bem antiga, datando lá do século XIX, mas que ganhou popularidade e força no século XX, especialmente na época em que Cuphead finge se passar. E, quando a gente olha para a história da animação, especialmente no tocante ao cinema e à TV, a gente percebe que ela encontrou uma função muito específica em relação à ficção produzida com a câmera e com os atores reais.

Em grande medida, a animação é o espaço do fantasioso, da imaginação, onde tudo pode acontecer e ser representado. Onde um personagem humanoide pode virar um animal ao ver comida, ou sair voando por conta de um cheiro. Onde um porco pode ser o maior aviador do mundo. Onde um bebê gigante pode virar um ratinho. Onde um leão pode falar e dançar. E muito, muito mais. Em grande medida, é um trabalho restringido unicamente pelo tempo e o dinheiro dos envolvidos.

Quando a gente pensa em jogos, a gente tem algo muito parecido, mas muitas vezes jogos foram limitados pela estética mais em voga numa época e, principalmente, por aquilo que a tecnologia permitia. É claro que a tecnologia gráfica também importa na animação, e é só você comparar Branca de neve e Moana para ver a diferença gritante, mas o potencial para fazer todo tipo de coisa estava na animação desde o início: é só pensar num projeto como Fantasia, da Disney, que tem quase 80 anos, e que tinha o propósito de transformar músicas e imagens de uma forma absolutamente sem precedentes.

Desde então, a gente vê cada vez mais animadores criando coisas absolutamente incríveis, demonstrando uma criatividade que parece não ter limites. Especialmente no Japão, as grandes animações fizeram coisas que nem sempre criam um mundo que faz sentido ou obedece a leis claras, mas que nos permitem viajar de forma única.

Recentemente, os efeitos especiais do cinema estão permitindo que os atores de carne e osso finalmente possam protagonizar histórias com o nível de imaginação que só as animações poderiam; não à toa, estamos vendo tantos remakes que fazem essa transição de animação para o cinema mais realista. Entretanto, até onde me consta, as animações ainda transitam num espaço muito mais livre do que o cinema pode fazer.

E o que isso tem a ver com Cuphead? O jogo encarnou esse poder criativo da animação, ainda mais do que sua técnica, e tratou de criar os chefes mais criativos possíveis. Eu não sou novato quando o assunto são jogos focados em chefes, mas, até onde me consta, nada bate a criatividade de Cuphead. O jogador não faz ideia do que vai enfrentar até o chefe aparecer e, quando a batalha se inicia, ele não faz a menor ideia de como o chefe estará numa próxima fase, ou na terceira, ou mesmo na quarta.

Qual jogador poderia imaginar que veria uma cenoura com poderes mentais? Ou uma criatura de forma humanoide se transformando na lua, e usando OVNIs para atacar? Ou um inimigo ser morto durante a batalha, e voltando para atacar como uma lápide? Ou um inseto virando um avião?

São muitos os momentos em que o jogador vai ter um frio na barriga quando houver uma transição de fase na batalha, porque ele simplesmente não sabe o que esperar. É muito comum você parar e pensar que simplesmente não existe um limite em Cuphead. Cada chefe é extremamente criativo, é o fruto da imaginação colocada num jogo de uma forma que parece sem nenhum filtro.

Para mim, pelo menos, é difícil achar um jogo que me faça pensar que o que eu estou vivendo ali é completamente novo, inesperado, quase incrível. Mesmo os jogos mais criativos que eu já joguei, como Shadow of the Colossus, Bioshock, Bloodborne, Undertale, Super Mario Galaxy ou No more heroes não conseguem manter a constância de surpresas que Cuphead propõe.

E o interessante é que tudo isso se transplanta para o gameplay, oferecendo variedade, incentivando diferentes táticas para cada chefe e cada forma específica. O fator surpresa e o pânico que as transformações despertam é importante para testar a calma do jogador e para deixá-lo sempre envolvido no jogo.

Não existe experiência como Cuphead, pelo menos não que eu já tenha visto. Não porque visualmente é a primeira vez que se faz um jogo assim, mas porque, mesmo numa indústria tão criativa quanto a nossa, ele consegue parecer o jogo capaz de voar mais livre na imaginação de seus criadores, e a experiência de jogá-lo acaba sendo uma viagem como nenhuma outra. E era isso que eu queria dizer. Até uma próxima análise!