Olá! Eu sou o Asa e hoje eu quero voltar um
pouquinho aos tempos em que eu analisava coisas recentes, para falar de Cuphead, jogo desenvolvido pelo Studio
MDHR e lançado para Xbox One e PC no fim do mês passado.
Cuphead é um daqueles jogos que têm uma
carga imensa em cima de si, por conta da enorme expectativa que o público criou
desde seu anúncio. E, apesar de tantas pessoas dizerem que o mais importante
num jogo é o gameplay, essa
empolgação com Cuphead veio 100%
baseado no seu visual, que mimetiza à perfeição a estética das animações
clássicas dos anos 30, que, apesar de bem antigas, ainda puderam ser
aproveitadas pela minha geração. Hoje em dia eu não sei quão bem difundidos
esses desenhos são. Espero que eles ainda sejam acessíveis.
Enfim,
um bom tempo se passou desde a primeira vez que o jogo se mostrou ao público,
até o momento em que ele finalmente saiu. Algumas coisas fundamentais do jogo
foram alteradas nesse meio tempo, mas eu acredito que se possa dizer que o
projeto manteve sua essência e encontrou uma incrível aceitação do público, o
que, infelizmente, se tornou algo raro nos dias de hoje.
Inclusive,
a empolgação com o jogo em si é tão grande no momento, que eu até encontro
dificuldade para escrever algo que eu considere relevante. Mas, acho que ainda
restaram algumas coisinhas para dizer aqui. De qualquer forma, eu
vou tentar não repetir muito o que as pessoas têm falado por aí até agora. Como
sempre, eu considero que, se você está aqui e o jogo não é extremamente
obscuro, você provavelmente já tem uma boa ideia de como ele é.
Cuphead é um jogo que conta como o
protagonista e seu amigo Mugman perdem uma aposta com o diabo e precisam caçar
outros devedores para se livrarem da morte. Ele se estrutura, claro, como um
jogo 2D, adotando um gameplay que as
pessoas normalmente chamam de run and gun,
ou seja, as coisas mais importantes são o ato de atirar e se movimentar. Eu,
particularmente, chamaria de run, jump
and gun, já que você vai passar mais tempo pulando que correndo.
Com
essa descrição, você, que conhece os clássicos, deve ter pensado imediatamente
em Mega man, ou mesmo Contra. Entretanto, a proposta de level design de Cuphead é, em sua maior parte, completamente distinta da desses
jogos, pois ele foca muito no combate com chefes que costumam acontecer numa
tela só, com apenas um ou outro tendo transições.
Há
fases mais tradicionais, mas elas são poucas e opcionais, servindo para você
conseguir dinheiro para comprar diferentes munições e habilidades extras para o
seu personagem conseguir sobreviver mais ou ter mais opções de ataque. Pense
que o jogo tem uma proporção de mais de 3 fases de chefe para 1 fase de
plataforma, então é bem claro qual é o foco da experiência. Na verdade,
supostamente essas fases foram adicionadas porque o público ficou decepcionado
ao saber que o jogo não continha fases tradicionais, apenas chefes.
De
qualquer forma, o que é importante dizer é que, seja nessas fases mais
tradicionais, seja nas batalhas contra os chefes, Cuphead permite um movimento perfeito, cheio de nuances nas formas
de ataque, que permite atirar em oito direções, com diferentes munições, e
também no movimento, com pulos de diferentes alturas, controle no meio do ar,
um dash que te permite ir mais longe,
e até passar por inimigos, se você tiver comprado essa habilidade.
E
o jogador certamente vai precisar de todas essas habilidades, porque Cuphead é um jogo extremamente
desafiador, porque o protagonista só tem 3 chances de erro, a não ser que ele
tenha a habilidade de aumentar a vida, mas mesmo assim você não vai ter uma
margem muito maior. E, quando você vê uma batalha em Cuphead, você percebe que isso é muito pouco, porque a quantidade e
variedade de ataques que cada chefe desfere contra você é inacreditável.
Felizmente,
você pode tentar quantas vezes quiser, já que o jogo não é baseado em continues. Eu devo ter morrido, literalmente,
umas 300 vezes para chegar até o final, por exemplo. Por isso, a experiência de
Cuphead é baseada na ideia de se
propor a enfrentar um chefe e aprender a enfrentá-lo até finalmente conseguir
vencê-lo. No geral, as batalhas são muito curtas, não costumando durar mais que
dois minutos. Na verdade, a maioria dos chefes morre antes dessa marca. Porém,
em certos momentos isso vai parecer uma eternidade.
E
essa sensação se dá porque Cuphead é
um jogo muito dinâmico, muito veloz, e que, por isso, demanda muito. Se você
pensa num jogo como os da série Souls,
por exemplo, você pensa em combates cansativos, mas, no geral, você sempre tem
um tempo para respirar, aquele intervalo em que o chefe se recupera de um
ataque e você pode se curar, pode fugir um pouco, pode reorganizar seus
pensamentos.
Cuphead não te permite isso. Não há como
recuperar a vida durante uma batalha e aquele pequeno intervalo em que o chefe
se recupera pode ser a sua única chance de atacar ou se posicionar de uma forma
razoável para evitar seja lá qual for o ataque que provavelmente virá em
seguida. Cada segundo de Cuphead é um
momento útil e de absoluta importância, em que você pode vencer ou morrer.
Por
isso, ele é um daqueles jogos que te coloca num estado de tensão extrema o tempo
todo e, em todos os momentos de vitória, gera comemorações extremamente
entusiasmadas. Eu não sou muito de ficar empolgado jogando, mas certas vitórias
nesse jogo certamente me deixaram muito feliz.
E
isso faz de Cuphead um jogo
extremamente competente no que ele se propõe a fazer. Ele é empolgante e, mesmo
nos momentos mais cruciais das batalhas, muito raramente eu coloquei a culpa de
uma derrota no jogo. Infelizmente alguns chefes tendem a usar ataques na parte
mais inferior da tela, na qual, algumas vezes, elementos de cenário tendem a
ficar, especialmente nas fases em que você controla um avião e há uma ilusão de
movimento. Mas, isso é bem raro.
Cuphead também é muito competente na
arte de fazer o jogo parecer ter sido feito nos anos 30, com princípios de
animação tirados diretamente das obras da época, e uma trilha sonora de jazz de altíssima qualidade. Eu não vou
entrar muito nesse mérito, porque recentemente o canal Nautilus fez um ótimo
vídeo falando disso e, como muitos de vocês acompanham o trabalho deles, eu vou
só mencionar. Se você ainda não viu o vídeo deles, eu recomendo ver depois
de ler, porque é bem instrutivo.
Enfim,
isso tudo que eu falei faz de Cuphead
um jogo competente, mas não um grande jogo, pelo menos não para mim. O que o
diferencia, na verdade, é algo que eu não vejo as pessoas falando tanto, mas é
como ele retoma muito mais do que os princípios técnicos da animação, e sim
também os princípios estéticos e filosóficos da animação, e era principalmente
disso que eu queria falar.
A
animação é uma coisa bem antiga, datando lá do século XIX, mas que ganhou
popularidade e força no século XX, especialmente na época em que Cuphead finge se passar. E, quando a
gente olha para a história da animação, especialmente no tocante ao cinema e à
TV, a gente percebe que ela encontrou uma função muito específica em relação à
ficção produzida com a câmera e com os atores reais.
Em
grande medida, a animação é o espaço do fantasioso, da imaginação, onde tudo
pode acontecer e ser representado. Onde um personagem humanoide pode virar um
animal ao ver comida, ou sair voando por conta de um cheiro. Onde um porco pode
ser o maior aviador do mundo. Onde um bebê gigante pode virar um ratinho. Onde
um leão pode falar e dançar. E muito, muito mais. Em grande medida, é um
trabalho restringido unicamente pelo tempo e o dinheiro dos envolvidos.
Quando
a gente pensa em jogos, a gente tem algo muito parecido, mas muitas vezes jogos
foram limitados pela estética mais em voga numa época e, principalmente, por aquilo
que a tecnologia permitia. É claro que a tecnologia gráfica também importa na
animação, e é só você comparar Branca de
neve e Moana para ver a diferença
gritante, mas o potencial para fazer todo tipo de coisa estava na animação
desde o início: é só pensar num projeto como Fantasia, da Disney, que tem quase 80 anos, e que tinha o propósito
de transformar músicas e imagens de uma forma absolutamente sem precedentes.
Desde
então, a gente vê cada vez mais animadores criando coisas absolutamente
incríveis, demonstrando uma criatividade que parece não ter limites.
Especialmente no Japão, as grandes animações fizeram coisas que nem sempre
criam um mundo que faz sentido ou obedece a leis claras, mas que nos permitem
viajar de forma única.
Recentemente,
os efeitos especiais do cinema estão permitindo que os atores de carne e osso
finalmente possam protagonizar histórias com o nível de imaginação que só as
animações poderiam; não à toa, estamos vendo tantos remakes que fazem essa transição de animação para o cinema mais
realista. Entretanto, até onde me consta, as animações ainda transitam num
espaço muito mais livre do que o cinema pode fazer.
E
o que isso tem a ver com Cuphead? O
jogo encarnou esse poder criativo da animação, ainda mais do que sua técnica, e
tratou de criar os chefes mais criativos possíveis. Eu não sou novato quando o
assunto são jogos focados em chefes, mas, até onde me consta, nada bate a
criatividade de Cuphead. O jogador
não faz ideia do que vai enfrentar até o chefe aparecer e, quando a batalha se
inicia, ele não faz a menor ideia de como o chefe estará numa próxima fase, ou
na terceira, ou mesmo na quarta.
Qual
jogador poderia imaginar que veria uma cenoura com poderes mentais? Ou uma
criatura de forma humanoide se transformando na lua, e usando OVNIs para
atacar? Ou um inimigo ser morto durante a batalha, e voltando para atacar como
uma lápide? Ou um inseto virando um avião?
São
muitos os momentos em que o jogador vai ter um frio na barriga quando houver
uma transição de fase na batalha, porque ele simplesmente não sabe o que
esperar. É muito comum você parar e pensar que simplesmente não existe um
limite em Cuphead. Cada chefe é
extremamente criativo, é o fruto da imaginação colocada num jogo de uma forma
que parece sem nenhum filtro.
Para
mim, pelo menos, é difícil achar um jogo que me faça pensar que o que eu estou
vivendo ali é completamente novo, inesperado, quase incrível. Mesmo os jogos
mais criativos que eu já joguei, como Shadow
of the Colossus, Bioshock, Bloodborne, Undertale, Super Mario Galaxy
ou No more heroes não conseguem
manter a constância de surpresas que Cuphead
propõe.
E
o interessante é que tudo isso se transplanta para o gameplay, oferecendo variedade, incentivando diferentes táticas
para cada chefe e cada forma específica. O fator surpresa e o pânico que as
transformações despertam é importante para testar a calma do jogador e para
deixá-lo sempre envolvido no jogo.
Não
existe experiência como Cuphead, pelo
menos não que eu já tenha visto. Não porque visualmente é a primeira vez que se
faz um jogo assim, mas porque, mesmo numa indústria tão criativa quanto a
nossa, ele consegue parecer o jogo capaz de voar mais livre na imaginação de
seus criadores, e a experiência de jogá-lo acaba sendo uma viagem como nenhuma
outra. E era isso que eu queria dizer. Até uma próxima análise!
Nenhum comentário:
Postar um comentário