domingo, 8 de outubro de 2017

Cuphead - Pensando sobre o jogo



Olá! Eu sou o Asa e hoje eu quero voltar um pouquinho aos tempos em que eu analisava coisas recentes, para falar de Cuphead, jogo desenvolvido pelo Studio MDHR e lançado para Xbox One e PC no fim do mês passado.

Cuphead é um daqueles jogos que têm uma carga imensa em cima de si, por conta da enorme expectativa que o público criou desde seu anúncio. E, apesar de tantas pessoas dizerem que o mais importante num jogo é o gameplay, essa empolgação com Cuphead veio 100% baseado no seu visual, que mimetiza à perfeição a estética das animações clássicas dos anos 30, que, apesar de bem antigas, ainda puderam ser aproveitadas pela minha geração. Hoje em dia eu não sei quão bem difundidos esses desenhos são. Espero que eles ainda sejam acessíveis.

Enfim, um bom tempo se passou desde a primeira vez que o jogo se mostrou ao público, até o momento em que ele finalmente saiu. Algumas coisas fundamentais do jogo foram alteradas nesse meio tempo, mas eu acredito que se possa dizer que o projeto manteve sua essência e encontrou uma incrível aceitação do público, o que, infelizmente, se tornou algo raro nos dias de hoje.

Inclusive, a empolgação com o jogo em si é tão grande no momento, que eu até encontro dificuldade para escrever algo que eu considere relevante. Mas, acho que ainda restaram algumas coisinhas para dizer aqui. De qualquer forma, eu vou tentar não repetir muito o que as pessoas têm falado por aí até agora. Como sempre, eu considero que, se você está aqui e o jogo não é extremamente obscuro, você provavelmente já tem uma boa ideia de como ele é.

Cuphead é um jogo que conta como o protagonista e seu amigo Mugman perdem uma aposta com o diabo e precisam caçar outros devedores para se livrarem da morte. Ele se estrutura, claro, como um jogo 2D, adotando um gameplay que as pessoas normalmente chamam de run and gun, ou seja, as coisas mais importantes são o ato de atirar e se movimentar. Eu, particularmente, chamaria de run, jump and gun, já que você vai passar mais tempo pulando que correndo.

Com essa descrição, você, que conhece os clássicos, deve ter pensado imediatamente em Mega man, ou mesmo Contra. Entretanto, a proposta de level design de Cuphead é, em sua maior parte, completamente distinta da desses jogos, pois ele foca muito no combate com chefes que costumam acontecer numa tela só, com apenas um ou outro tendo transições.

Há fases mais tradicionais, mas elas são poucas e opcionais, servindo para você conseguir dinheiro para comprar diferentes munições e habilidades extras para o seu personagem conseguir sobreviver mais ou ter mais opções de ataque. Pense que o jogo tem uma proporção de mais de 3 fases de chefe para 1 fase de plataforma, então é bem claro qual é o foco da experiência. Na verdade, supostamente essas fases foram adicionadas porque o público ficou decepcionado ao saber que o jogo não continha fases tradicionais, apenas chefes.

De qualquer forma, o que é importante dizer é que, seja nessas fases mais tradicionais, seja nas batalhas contra os chefes, Cuphead permite um movimento perfeito, cheio de nuances nas formas de ataque, que permite atirar em oito direções, com diferentes munições, e também no movimento, com pulos de diferentes alturas, controle no meio do ar, um dash que te permite ir mais longe, e até passar por inimigos, se você tiver comprado essa habilidade.

E o jogador certamente vai precisar de todas essas habilidades, porque Cuphead é um jogo extremamente desafiador, porque o protagonista só tem 3 chances de erro, a não ser que ele tenha a habilidade de aumentar a vida, mas mesmo assim você não vai ter uma margem muito maior. E, quando você vê uma batalha em Cuphead, você percebe que isso é muito pouco, porque a quantidade e variedade de ataques que cada chefe desfere contra você é inacreditável.

Felizmente, você pode tentar quantas vezes quiser, já que o jogo não é baseado em continues. Eu devo ter morrido, literalmente, umas 300 vezes para chegar até o final, por exemplo. Por isso, a experiência de Cuphead é baseada na ideia de se propor a enfrentar um chefe e aprender a enfrentá-lo até finalmente conseguir vencê-lo. No geral, as batalhas são muito curtas, não costumando durar mais que dois minutos. Na verdade, a maioria dos chefes morre antes dessa marca. Porém, em certos momentos isso vai parecer uma eternidade.

E essa sensação se dá porque Cuphead é um jogo muito dinâmico, muito veloz, e que, por isso, demanda muito. Se você pensa num jogo como os da série Souls, por exemplo, você pensa em combates cansativos, mas, no geral, você sempre tem um tempo para respirar, aquele intervalo em que o chefe se recupera de um ataque e você pode se curar, pode fugir um pouco, pode reorganizar seus pensamentos.

Cuphead não te permite isso. Não há como recuperar a vida durante uma batalha e aquele pequeno intervalo em que o chefe se recupera pode ser a sua única chance de atacar ou se posicionar de uma forma razoável para evitar seja lá qual for o ataque que provavelmente virá em seguida. Cada segundo de Cuphead é um momento útil e de absoluta importância, em que você pode vencer ou morrer.

Por isso, ele é um daqueles jogos que te coloca num estado de tensão extrema o tempo todo e, em todos os momentos de vitória, gera comemorações extremamente entusiasmadas. Eu não sou muito de ficar empolgado jogando, mas certas vitórias nesse jogo certamente me deixaram muito feliz.

E isso faz de Cuphead um jogo extremamente competente no que ele se propõe a fazer. Ele é empolgante e, mesmo nos momentos mais cruciais das batalhas, muito raramente eu coloquei a culpa de uma derrota no jogo. Infelizmente alguns chefes tendem a usar ataques na parte mais inferior da tela, na qual, algumas vezes, elementos de cenário tendem a ficar, especialmente nas fases em que você controla um avião e há uma ilusão de movimento. Mas, isso é bem raro.

Cuphead também é muito competente na arte de fazer o jogo parecer ter sido feito nos anos 30, com princípios de animação tirados diretamente das obras da época, e uma trilha sonora de jazz de altíssima qualidade. Eu não vou entrar muito nesse mérito, porque recentemente o canal Nautilus fez um ótimo vídeo falando disso e, como muitos de vocês acompanham o trabalho deles, eu vou só mencionar. Se você ainda não viu o vídeo deles, eu recomendo ver depois de ler, porque é bem instrutivo.

Enfim, isso tudo que eu falei faz de Cuphead um jogo competente, mas não um grande jogo, pelo menos não para mim. O que o diferencia, na verdade, é algo que eu não vejo as pessoas falando tanto, mas é como ele retoma muito mais do que os princípios técnicos da animação, e sim também os princípios estéticos e filosóficos da animação, e era principalmente disso que eu queria falar.

A animação é uma coisa bem antiga, datando lá do século XIX, mas que ganhou popularidade e força no século XX, especialmente na época em que Cuphead finge se passar. E, quando a gente olha para a história da animação, especialmente no tocante ao cinema e à TV, a gente percebe que ela encontrou uma função muito específica em relação à ficção produzida com a câmera e com os atores reais.

Em grande medida, a animação é o espaço do fantasioso, da imaginação, onde tudo pode acontecer e ser representado. Onde um personagem humanoide pode virar um animal ao ver comida, ou sair voando por conta de um cheiro. Onde um porco pode ser o maior aviador do mundo. Onde um bebê gigante pode virar um ratinho. Onde um leão pode falar e dançar. E muito, muito mais. Em grande medida, é um trabalho restringido unicamente pelo tempo e o dinheiro dos envolvidos.

Quando a gente pensa em jogos, a gente tem algo muito parecido, mas muitas vezes jogos foram limitados pela estética mais em voga numa época e, principalmente, por aquilo que a tecnologia permitia. É claro que a tecnologia gráfica também importa na animação, e é só você comparar Branca de neve e Moana para ver a diferença gritante, mas o potencial para fazer todo tipo de coisa estava na animação desde o início: é só pensar num projeto como Fantasia, da Disney, que tem quase 80 anos, e que tinha o propósito de transformar músicas e imagens de uma forma absolutamente sem precedentes.

Desde então, a gente vê cada vez mais animadores criando coisas absolutamente incríveis, demonstrando uma criatividade que parece não ter limites. Especialmente no Japão, as grandes animações fizeram coisas que nem sempre criam um mundo que faz sentido ou obedece a leis claras, mas que nos permitem viajar de forma única.

Recentemente, os efeitos especiais do cinema estão permitindo que os atores de carne e osso finalmente possam protagonizar histórias com o nível de imaginação que só as animações poderiam; não à toa, estamos vendo tantos remakes que fazem essa transição de animação para o cinema mais realista. Entretanto, até onde me consta, as animações ainda transitam num espaço muito mais livre do que o cinema pode fazer.

E o que isso tem a ver com Cuphead? O jogo encarnou esse poder criativo da animação, ainda mais do que sua técnica, e tratou de criar os chefes mais criativos possíveis. Eu não sou novato quando o assunto são jogos focados em chefes, mas, até onde me consta, nada bate a criatividade de Cuphead. O jogador não faz ideia do que vai enfrentar até o chefe aparecer e, quando a batalha se inicia, ele não faz a menor ideia de como o chefe estará numa próxima fase, ou na terceira, ou mesmo na quarta.

Qual jogador poderia imaginar que veria uma cenoura com poderes mentais? Ou uma criatura de forma humanoide se transformando na lua, e usando OVNIs para atacar? Ou um inimigo ser morto durante a batalha, e voltando para atacar como uma lápide? Ou um inseto virando um avião?

São muitos os momentos em que o jogador vai ter um frio na barriga quando houver uma transição de fase na batalha, porque ele simplesmente não sabe o que esperar. É muito comum você parar e pensar que simplesmente não existe um limite em Cuphead. Cada chefe é extremamente criativo, é o fruto da imaginação colocada num jogo de uma forma que parece sem nenhum filtro.

Para mim, pelo menos, é difícil achar um jogo que me faça pensar que o que eu estou vivendo ali é completamente novo, inesperado, quase incrível. Mesmo os jogos mais criativos que eu já joguei, como Shadow of the Colossus, Bioshock, Bloodborne, Undertale, Super Mario Galaxy ou No more heroes não conseguem manter a constância de surpresas que Cuphead propõe.

E o interessante é que tudo isso se transplanta para o gameplay, oferecendo variedade, incentivando diferentes táticas para cada chefe e cada forma específica. O fator surpresa e o pânico que as transformações despertam é importante para testar a calma do jogador e para deixá-lo sempre envolvido no jogo.

Não existe experiência como Cuphead, pelo menos não que eu já tenha visto. Não porque visualmente é a primeira vez que se faz um jogo assim, mas porque, mesmo numa indústria tão criativa quanto a nossa, ele consegue parecer o jogo capaz de voar mais livre na imaginação de seus criadores, e a experiência de jogá-lo acaba sendo uma viagem como nenhuma outra. E era isso que eu queria dizer. Até uma próxima análise!

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