quinta-feira, 16 de abril de 2020

Pokemon Snap - Pensando sobre o jogo




Olá! Hoje vou falar de Pokemon Snap, jogo da HAL Laboratory para Nintendo 64, publicado pela Nintendo em 1999. Trata-se de um jogo que eu aprendi a valorizar com o tempo e que apresenta uma das raras oportunidades de a gente ver um universo ser expandido de forma totalmente nova e complexa.

A minha reação a Pokemon Snap na época em que ele foi lançado foi um típico produto da sua época, e também da minha mentalidade adolescente, mas que encontrou semelhança com muitos com quem eu conversei naquele tempo.

Eu vou dispensar falar do fenômeno Pokemon da virada do século, quando absolutamente todo mundo tinha ouvido falar ou do jogo, ou do anime, ou de uma das muitas ações promocionais com outros produtos por aí, porque eu acho que todo mundo conhece a história.

A questão é que no cerne do sucesso imenso da série Pokemon estava um par: o anime e o jogo de Gameboy. Porém, obviamente, havia uma diferença muito grande entre eles, já que o anime era inteiramente dirigido e planejado, como qualquer mídia audiovisual, enquanto o jogo era algo constrangido pelas mecânicas de Gameboy e pelas convenções de jogos da época, o que causava uma considerável dissonância entre as duas mídias.

O mais claro exemplo disso é que as batalhas entre pokemons, no anime, aconteciam em tempo real, e com contato físico evidente, enquanto o jogo funcionava por turnos, e o contato era apenas sugerido. Outro exemplo, no sentido oposto, é que o anime, por querer sempre ter novas temporadas, fazia o protagonista perder a liga pokemon, enquanto o jogo claramente tinha em mente fazer o jogador vencer ao final. A outra dissonância óbvia eram os gráficos, que eram tão distantes e vistos por cima no Gameboy, e tão próximos e pessoais no anime.

Eu digo tudo isso porque, quando surgiram notícias de jogos de Pokemon para o Nintendo 64, houve uma expectativa razoável de que algumas dessas dissonâncias seriam resolvidas pelo poder do console em relação ao Gameboy. Porém, curiosamente, quem geria os projetos relacionados à marca parecia pensar muito diferente dos fãs que eu conhecia.

Talvez aquele que passou mais perto de oferecer o que esses fãs gostariam fosse Pokemon Stadium, do mesmo ano de Snap, e que oferecia lutas em 3D, mas ainda em turnos. Além disso, o contato físico era ridiculamente representado, como se houvesse um muro no meio da arena, impedindo os monstros de se tocarem. Isso acabava criando efeitos cômicos, com um pokemon arranhando outro apenas com o vento provocado pelo movimento do arranhão em si.

Eu nunca entendi isso, e só posso imaginar que se devesse a limitações técnicas do jogo ou do estúdio, porque as lutas no anime exibiam contato, e o público-alvo era o mesmo. Além disso, um título como Monster Rancher 2 já possibilitava lutas com contato sem nenhum problema, e isso no mesmo ano em que Stadium saiu. Então, apesar de o jogo oferecer certas coisas inestimáveis aos fãs, como uma forma de lutar em 3D, Stadium ainda era cheio de limitações e estava muito longe daquilo que o anime prometia.

Agora, se esse jogo estava distante, Pokemon Snap estava em outra galáxia. Afinal, o jogo não era baseado em nenhuma das duas ações que pautavam a série até então: capturar pokemons e usá-los em batalha. O jogo era inteirinho em 3D, sim, mas era sob trilhos, com você encarnando o fotógrafo Snap, contatado pelo professor Carvalho para tirar fotos de pokemons num hábitat intocado por seres humanos.

No jogo, então, você escolhe uma certa rota, que compreende um trecho da ilha, e, com um carro que anda automaticamente, vai tirando fotos dos pokemons que aparecem por lá. E, por isso mesmo, eu e muitos outros não nos interessamos pelo jogo; afinal, não era nada do que se esperava da experiência de um Pokemon.

Porém, anos vão se passando e minha relação com Snap só foi ficando melhor. Hoje eu percebo que provavelmente é um dos títulos mais ambiciosos no que toca a expandir o mundo de uma série. Claro, perdeu-se a complexidade da combinação da sua equipe de pokemons e, com isso, a metáfora da necessidade de criar um time balanceado e planejado. Perdeu-se, também, a exploração livre e a tensão de certas batalhas.

Porém, o que se ganhou foi o ato de enxergar pokemons para além de um conjunto de atributos, habilidades, vantagens e desvantagens. Cada monstro em Snap está cuidando da sua vida, ou vivendo tranquilamente, ou interagindo com outros pokemons, ou chamando a sua atenção por algum motivo. E, conforme você avança no jogo, o que se dá por tirar fotos de um certo número de monstros e por conseguir fotografias de alta qualidade, você ainda ganha novas ferramentas que aumentam ainda mais as interações.

O jogador, por exemplo, ganha a habilidade de jogar maçãs, o que pode fazer um pokemon chegar mais perto para comer, resultando numa foto mais nítida, ou então, se jogada entre dois pokemons, pode gerar uma disputa que pode ter resultados imprevistos, já que o jogo nunca aponta esse tipo de possibilidade. E todos esses momentos interessantes do jogo sempre soam autênticos, como efetivamente representando comportamentos de pokemons específicos.

E, com isso, as perdas de mecânicas em relação à série principal acabam ressignificadas para mim: em grande medida, o que a gente percebe, ao olhar Pokemon Red e comparar com Snap, é que o jogo de Nintendo 64 deixou de ver os monstros como instrumentos, como objetos a serem coletados, como atributos a serem combinados, ou seja, ele deixou de ver pokemons como uma extensão do indivíduo jogador.

O resultado disso foi que Snap tratou os pokemons com o respeito que os demais animais, criaturas e sujeitos merecem. O objetivo de Snap é apenas capturar momentos dos pokemons, entendê-los, conhecê-los, e interagir com eles apenas para saber o que há de único no seu comportamento. Pokemons, em Snap, são tratados com respeito e veneração, e não com a submissão que é tão típica da série principal.

O termo “submissão” aí parece estranho, porque a gente não se dá conta de que é disso que se trata quando as criaturas nos jogos principais da série se comportam da forma utilitária, apenas como monstrinhos esperando ser capturados, domados e usados em batalha. Em Pokemon Red ou Gold você não ia ver um monstro que se recusava a evoluir, ou que não queria ser contido numa pokebola. Isso era território exclusivo do anime, e isso porque ele decidiu que pokemons deveriam ser tão personagens quanto os humanos que os capturavam. Os jogos não tinham essa preocupação.

Em Snap, os pokemons não são nada utilitários. Eles não oferecem nada ao jogador, além daquilo que eles já iriam fazer se o protagonista não estivesse lá. Ele é um mero expectador. E com isso as criaturas brilham, ganham força, individualidade, carisma e charme.

Por isso, Pokemon Snap prova que mudar radicalmente as mecânicas de uma série pode ressignificá-la completamente, adicionar um nível de complexidade novo ao mundo que ela retrata e, em última instância, até apontar os pontos cegos que ela apresentava até então. As mecânicas de um jogo são essenciais para o jogador entender quais são as regras daquele mundo, e o peso e a relevância dos personagens que o habitam. Snap oferece um exemplo de como certas mecânicas, embora completamente funcionais e interessantes, podem também apresentar limitações no tocante ao retrato do mundo e das criaturas que vivem nele.

E era isso que eu queria dizer sobre Pokemon Snap. Até a próxima análise!

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