domingo, 28 de junho de 2020

Teoria: Jogando em tempos de crise




Olá! Já faz tanto tempo que a gente não se fala, não é? Eu disse, no final do ano passado, que o ritmo de publicações do canal continuaria após a virada do ano, mas mil coisas aconteceram no nosso caminho e tudo ficou bastante complicado. No momento, a coisa que mais me atrapalha é o fato de a quarentena ter deixado a minha casa meio cheia, o que impede as gravações. Na verdade, eu já tenho até alguns roteiros prontos, só estou esperando o momento certo para finalizá-los.

Isso é só uma breve satisfação que eu gostaria de dar a vocês, e também queria dizer que espero que todos estejam passando por este momento tenso no nosso país da forma mais segura e saudável possível. Em termos econômicos e de saúde pública, é inegável que estamos vivendo em crise e devemos entender ainda como lidar com essas coisas da melhor forma.

É justamente esse contexto que me motiva escrever este texto, falando sobre alguns temas relacionados a jogos em tempos de crise. Na verdade, o que eu vou fazer é juntar alguns assuntos de que eu já pensava em tratar faz um tempo, mas atualizando um pouco conforme o contexto atual.

Na verdade, a crise brasileira não começou em 2020, nem tampouco em 2019, mas por volta de 2015, quando o crescimento do país foi se estagnando e múltiplos indicadores econômicos começaram a se alterar negativamente. É claro que eu não estou aqui para falar disso, ou para lembrar vocês de um passado que é muito próximo, mas apenas para apontar que a questão do alto preço dos jogos já tem, pelo menos, 5 anos de idade.

Na verdade, aquele tempo de jogos de console novos por 150 ou 170 reais já parece tão distante que hoje já não é absurdo ver alguns sendo lançados a 300. Mesmo o PC, que, por um tempo, foi um oásis nesse sentido, já foi afetado. Obviamente o dólar está por trás disso e os valores estratosféricos atuais só vêm piorando a questão. A alta demanda do Switch e dos seus jogos também tem causado uma inflação no preço, intensificada pelo fato de a Nintendo não ter mais presença oficial no país.

Para se somar a uma situação financeira como essa, nós temos agora também desemprego em massa, suspensões de contrato, auxílio de 600 reais etc. Tudo isso abalou drasticamente o poder de compra do brasileiro e leva à pergunta: como jogar video game hoje em dia?

A princípio, a pergunta parece tola; afinal, numa escala de prioridades num tempo de risco, um hobby estaria apenas em último lugar. Eu concordo plenamente com isso. Porém, a questão vai muito mais além dessa constatação. O consumo de arte em geral pode ser visto como essencial num momento de crise, pois ele se revela muito poderoso para aliviar as tensões, oferecendo experiências completas a um ser humano que vive em situação de indefinição, medo, tensão e mil outros problemas.

Num momento em que o convívio social é limitado, rotinas são drasticamente alteradas e dificuldades se acumulam, o contato com narrativas e o lúdico oferece ao ser humano a possibilidade de experimentar algo completo novamente, algo que faz sentido, que tem começo, meio e fim, e nos permite sair renovados para enfrentar o mundo mais uma vez.

Essa reflexão já é feita no tocante a inúmeras artes, mas eu argumentaria que ela é ainda mais relevante no mundo dos jogos. A interatividade típica dessa mídia permite ao indivíduo um poder de ação sobre a experiência que é fundamental no momento, em que tantos fatores parecem fora do nosso controle. Seja as tendências econômicas, seja o famigerado vírus, estamos rodeados de ameaças que não podemos sentir ou ver de imediato, mas que afetam nossas vidas de forma avassaladora, e contra as quais pouco podemos fazer.

Nesse contexto, finalizar um jogo em que o herói pode triunfar contra todas as ameaças; ou criar uma cidade plenamente funcional num simulador; ou vencer uma corrida ou uma partida de luta; ou colaborar com seus colegas num jogo cooperativo – tudo isso nos traz de volta o sentimento de controle, de esperança em nossas capacidades individuais e coletivas, de combate e cooperação.

Com a gente se colocando em experiências que nos dão o poder de agir, parte da nossa sanidade retorna e nos dá a sensação de poder agir novamente, permitindo alguma confiança para entender o que vivemos e como devemos prosseguir. Eu diria até mesmo que experiências ludoirônicas, que tematizam a impotência, podem ter sua utilidade, dando forma a elementos antes difusos no nosso dia a dia e permitindo um alvo para a nossa revolta.

Por isso, se possível, não deixe de continuar com o seu hobby, principalmente se ele envolver um nível de ação. Mas, como podemos fazer isso com os preços atuais? A minha sugestão é aproveitarmos ao máximo promoções, descontos e demais possibilidades que pudermos – inclusive voltar à ilegalidade.

Como eu já disse em outra ocasião, a pirataria continua sendo uma opção segura, embora não ideal, para a gente manter a possibilidade de experimentar jogos. E, num momento como este, faz todo o sentido: o nosso contexto atual exemplifica muito bem o argumento de que uma pessoa que pirateia um jogo não necessariamente o compraria se não tivesse como jogá-lo ilegalmente. Se jogos estão no fim das listas de prioridades num momento de crise, e não se pode pagar por eles, eles simplesmente não seriam comprados e experimentados.

A pirataria, nesse caso, resolve um problema insolúvel. Com isso, não precisamos abdicar de uma parte importante de nossas vidas e, na prática, os desenvolvedores nada perdem, pois simplesmente não poderíamos comprar os jogos de forma oficial com o preço em que se encontram e com a situação que vivemos.

É claro que isso é um exemplo extremo, e o ideal seria nos valermos de opções como os planos de jogos da PS Plus ou Game pass, ou simplesmente apelar para os nossos backlogs, que é o que eu tenho feito. Mas, eu tenho muito claro em minha mente que, caso essas opções não estivessem disponíveis, eu já teria me resignado a piratear. Felizmente eu estou aproveitando um dinheiro que eu gastei quando as coisas estavam mais fáceis, mas eu não teria pudor em agir diferente se não houvesse outro jeito. E é o que eu recomendo fazer.

Vale destacar, também, que, na prática, a grande tendência que estamos vivendo com as crises dos últimos 5 anos é uma retração do público brasileiro capaz de comprar jogos no lançamento, o que sempre é triste para quem gosta de acompanhar as grandes tendências e os títulos mais esperados.

Isso não é um fenômeno novo. Eu já tive a oportunidade de dividir com vocês que eu já ouvi representantes de publishers dizendo que a estratégia de vendas no Brasil conta muito com vendas com descontos e em períodos bem posteriores ao lançamento. Ou seja, as empresas sabem muito bem o que estão fazendo ao precificar os jogos novos em 220, 250, 300 reais. A parte mais rica do público vai comprar nesse preço, e as demais vão adquirindo conforme ele chega num ponto considerado adequado, sendo 200, 180, 150, 100 reais, o que for. O gameplay de Mortal Kombat X que vocês estão vendo só foi possível porque comprei o jogo numa promoção por uns 20 reais.

Enfim, essa estratégia de precificar lá em cima é algo que as indústrias de eletrônicos conhecem muito bem, e é normal elas se aproveitarem do status proporcionado por comprar um equipamento ou jogo caro. Poucas são aquelas que buscam expandir o mercado de forma mais ampla, embora haja exemplos de sucesso, como a precificação da Steam em reais, os free to play nos celulares, ou mesmo a estratégia local da Microsoft.

De qualquer forma, a tendência dessas indústrias é segmentar o público com produtos bem caros. Os consumidores podem fazer pressão para que estratégias diferentes sejam criadas, mas, a princípio, é preciso lidar com um pouco de pé no chão e saber que, além das crises que ultrapassam o contexto dos jogos, há também fatores bem próprios da nossa indústria que são responsáveis pela situação em que nos encontramos, e na qual vamos viver por possivelmente um bom tempo.

Tudo isso, porém, não é motivo para abandonarmos o hobby, especialmente porque ele parece especialmente produtivo em tempos de crise. Minha recomendação é que estejamos sempre engajados em arte, e jogos fazem parte disso. Talvez seja complicado manter esse hábito agora, mas eu acredito que se deve estudar todas as possibilidades para que possamos nos manter ativos nessa comunidade.

E era isso que eu queria dizer sobre o ato de jogar na atual crise mundial. Eu ficaria contente de ler também como vocês têm passado esses tempos difíceis e o que acham dessa discussão. Até a próxima análise!

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