quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

The last guardian - Pensando sobre o jogo



Olá! Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e, antes de tudo, eu tenho que pedir desculpas pela longa ausência. Eu sei que eu vivo prometendo um ritmo mais constante de análises, mas a verdade é que a correria de fim de ano me pegou e o resultado foi essa seca que vocês puderam perceber. Eu lamento que isso tenha acontecido, mas eu espero conseguir fazer melhor daqui por diante.

E, para recomeçar esse ciclo de uma forma mais positiva, hoje é dia de falar de The last guardian, jogo exclusivo desenvolvido pelo Studio Japan da Sony para PS4, e lançado em dezembro de 2016. Caso você queira fugir de 100% de spoilers, é melhor ficar longe deste texto. Eu não menciono nenhuma cena ou acontecimento, mas falo do tom do jogo, o que para alguns já é spoiler suficiente. Dito isso, vamos lá.

The last guardian já tinha passado para o status de lenda nos últimos anos, por conta dos constantes atrasos e silêncios com relação a ele, mas, segundo dizem os executivos da Sony, a obstinação dos fãs fez com que o projeto não fosse abandonado, apesar dos seguidos problemas.

Para entender esse impulso dos fãs, é preciso lembrar que o diretor do projeto é o desenvolvedor Fumito Ueda, responsável por ICO e Shadow of the Colossus, dois jogos de que já eu falei aqui no canal e considerados largamente como obras-primas e responsáveis por abrir uma série de caminhos para os desenvolvedores futuros. Por isso, as pessoas esperavam grandes coisas de The last guardian e não deixavam o jogo sumir na obscuridade.

A principal razão para o atraso do jogo era a incompatibilidade do PS3 com as funções que o jogo demandava para funcionar 100%. Com isso, o jogo foi finalmente adiado para o PS4, e mesmo nele o jogo ainda não roda às mil maravilhas, vale dizer. Eu não tenho um bom olho para essas coisas, mas é possível perceber um ritmo mais lento no processamento do jogo. E, sendo assim, a pergunta que cabe é: o que come tanto poder de processamento em The last guardian?

A resposta é a criatura Trico. The last guardian acompanha a história de um menino que acorda num lugar estranho e o único ser perto de si é uma criatura gigantesca, ferida e presa chamada Trico. É uma mistura bem única de gato, pássaro e cachorro, com direito a uns chifres também.

A ideia do jogo é, ao controlar o menino, o jogador acabar criando um laço forte com a figura do Trico, que é absolutamente fundamental para o progresso do jogo, que é uma mistura de jogo de plataforma com alguns puzzles bem simples e leves. Por isso, é fundamental que a criatura não crie raiva no jogador por não ser capaz de realizar certas tarefas ou por ficar travada em algum espaço do cenário.

The last guardian resolve isso de forma muito peculiar e, por isso mesmo, polêmica. Falando primeiro de execução, eu fiquei realmente abismado com como, apesar de Trico ser uma criatura gigantesca, ele não encontrar absolutamente problema nenhum com as geometrias do cenário. Em nenhum momento eu o vi entrando em alguma parede ou esbarrando em algo e não conseguindo sair de onde estava. Se ele não consegue dar a volta num corredor, ele dá a ré até conseguir mais espaço, ele pula nos lugares certos, ele não se mete a fazer um movimento que não vá conseguir realizar, etc.

Com isso, fica muito claro que a inteligência artificial e os cálculos de colisão devem comer muita memória do PS4, o que tem o seu preço, como eu disse. Mas, considerando todos os erros nesse sentido que todo mundo já viu em algum jogo, é incrível o resultado obtido em The last guardian. Quando a gente lembra, por exemplo, das maluquices dos NPCs de um jogo como The last of us, é bem nítido que o esforço não foi pouco.

Agora, se, por um lado, houve um esforço muito grande para dar inteligência e graciosidade ao Trico; por outro, também houve um esforço em fazer com que houvesse alguns problemas de comunicação entre o menino e a fera. Conforme o jogador avança, ele consegue fazer melhor uso das habilidades do Trico, mas, especialmente no começo, a comunicação é difícil e pode gerar alguma frustração. E a ideia é justamente essa.

Quem já teve algum animal de estimação sabe que ele não vai fazer exatamente o que o dono quer, especialmente se ele nunca passou por um processo de amestramento. Ele não vai entender os comandos, ou vai simplesmente ignorar e fazer o que quiser. É uma sensação frustrante na vida real, mas é também a marca de que o seu bicho tem uma personalidade, e você precisa lidar com ela. E, se esse bicho independente gosta de você, é uma sensação bem mais satisfatória do que se ele fosse só um boneco.

Eu raramente tive dificuldades para passar comandos para o Trico, mas não vou negar que houve uns dois momentos complicados para ele fazer o que eu estava pedindo, o que eu considero pouco num jogo de umas 10 horas. Mas, eu também sei que muita gente é ansiosa e, por acaso ou não, ficar ansioso e dar 10 comandos para o Trico em 30 segundos só vai deixá-lo mais confuso, e aí a chance de ele fazer exatamente o que você quer é ainda menor.

Essa é uma decisão de design extremamente polêmica, que certamente não vai agradar a todos, mas é descendente de uma prática já existente em Shadow of the colossus, em que o cavalo Agro se comportava de forma independente também, evitando penhascos e não sendo 100% complacente com o protagonista do jogo. Isso porque, segundo o Ueda, Agro é um animal, e não uma máquina para ser controlada 100%.

Mais de dez anos depois do lançamento de Shadow of the Colossus, ainda há pessoas que abandonaram o jogo por conta desse aspecto, de como a movimentação com o cavalo não é confiável. E isso num jogo tão aberto e amplo que a movimentação era raramente um problema. Algumas pessoas demandam controle total sempre.

Os jogos do Ueda pedem exatamente o oposto disso: a ideia é depender de outro, entregar-se às limitações dessa outra criatura e tentar conviver com ela. É um exercício de paciência, porque é um exercício de convivência. Em ICO, você aprendia a conviver com uma frágil moça; em Shadow of the colossus, é preciso aprender a trabalhar em conjunto com o cavalo, até para vencer alguns colossos em pontos avançados do jogo; em The last guardian, o fundamental é lidar com o Trico, que, aliás, sempre surpreende nas suas habilidades. Eu posso dizer que até o fim do jogo ele me surpreendeu com alguns movimentos, e isso criou algumas memórias bem legais, que eu certamente vou guardar.

Por isso, então, para mim, a experiência de The last guardian foi um sucesso, e certamente valeu o adiamento para o PS4, pois ele é, sim, um marco no avanço da inteligência artificial em jogos. E, falando em avanços, ele apresenta um progresso no trabalho do grupo do Ueda, chamado antigamente de Team ICO e agora apenas de Gen Design: o foco na resolução de puzzles através do companheirismo vem de ICO, mas há também avanços.

Em ICO, a jogabilidade é extremamente minimalista, com a resolução dos puzzles quase instantaneamente se entregando ao jogador assim que ele entra numa nova sala. Em The last guardian, tudo ficou um pouco mais complicado, com elementos que só vão poder ser usados numa revisita ao cenário, ou mesmo coisas que o jogador considera inacessíveis, e que de repente se tornam fundamentais com a ajuda do Trico – o que, na verdade, provavelmente é intencional, visando fazer com que o jogador se impressione com as capacidades da fera.

De Shadow of the colossus vem a mecânica de escalar o Trico, além das animações únicas que fazem essa criatura parecer plausível de existir no nosso mundo. O mais interessante do Trico, entretanto, é que ele tem uma independência de movimentos: na maior parte do tempo, ele está seguindo o menino, mas há várias partes em que ele para e vai observar algo, rolar na água, gritar para algum prédio distante, dar uns pulinhos depois de o jogador alimentá-lo com uns barris espalhados pelo cenário, e muito mais. A verdade é que as criaturas de Shadow of the colossus parecem bem mais artificiais do que o Trico, e não que elas pareçam mecânicas em si; é só uma questão de reconhecer o avanço que foi possível em The last guardian.

Eu não estou dizendo tudo isso para a gente chegar à conclusão de que The last guardian é o topo de um processo evolutivo da carreira do Fumito Ueda; pelo contrário, cada jogo tem uma identidade muito peculiar, e é perfeitamente possível continuar gostando mais de um do que do outro, independente de qual vem primeiro. O importante é como as peças se unem para formar uma experiência.

Nesse sentido, The last guardian é capaz de criar uma experiência muito sólida para contar uma linda e doce história, mais no tom íntimo de ICO do que no tom bombástico e cosmológico de Shadow of the colossus. É uma história sobre dois seres que se aproximam apesar de muitas dificuldades e que aprendem a colaborar e gostar um do outro. Ao final, o jogador acaba gostando do Trico também, e não deixa de torcer para o sucesso da aventura e de se agoniar nos momentos mais tensos.

Vale dizer também que, em termos gráficos, o jogo é muito belo, retomando a estética dos jogos do grupo, mas evoluindo naquilo em que ele sempre esteve na vanguarda: a iluminação. São incríveis os efeitos de luz que The last guardian apresenta, e eu fiquei bastante impressionado, especialmente quando se observa como cada pena do Trico reage à luz. A música também é menos bombástica que Shadow of the colossus, mas ela tenta replicar justamente os momentos de sentimentos que o jogo busca despertar: ela vai aparecer nos momentos de grandeza, de medo, de agonia, de beleza; de resto, ficam os sons do menino e da fera.

E essa relação do som reflete o próprio sentido do jogo: no fundo, só existem o menino e a fera. Os obstáculos lá estão, mas, em termos de história, eles não parecem muito mais do que metáforas sobre como progredir na vida em convivência: no momento em que as pessoas parecem se entender, a vida se atravessa com algo novo, exige replanejamento, repensar a comunicação, ver o que cada um aprendeu de novo, e aí recomeçar a escalada até que o próximo obstáculo apareça. Numa hora, podemos ver a luz no topo da torre; o importante é não deixar o companheirismo de lado.

É uma mensagem bonita, porém desenhada com um tanto de sofrimento, mas esse é justamente o tom que o Ueda escolheu para todos os seus trabalhos enquanto diretor de jogos. The last guardian é só mais um capítulo nessa grande trajetória. E era isso que eu queria dizer sobre The last guardian. Até a próxima análise!

sábado, 10 de setembro de 2016

Série Senran Kagura (até Bon Appetit!) - Pensando sobre os jogos



Olá! Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de três jogos de uma série que não deve ser muito conhecida para além de fãs de jogos japoneses ou donos de portáteis. O nome dela é Senran Kagura, e eu vou comentar apenas os três primeiros jogos da série, conhecidos aqui como Burst, Shinovi Versus e Bon Appetit!.

Eu particularmente tenho uma série de problemas com alguns aspectos técnicos dos jogos dessa série, mas eu acho que eles permitem comentar algumas coisas bem interessantes que acontecem no lado japonês da nossa indústria.

O fato é que, no Japão, há uma tendência crescente de adicionar elementos eróticos aos jogos, fazendo com que eles tenham uma larga parcela de si dedicada apenas ao desejo de ficar observando insinuações de sexo ou quase nudez por boa parte da experiência. Eu acredito que essa tendência é mais fortemente representada pela série Senran Kagura, que já tem cinco jogos, todos bem-sucedidos comercialmente, tanto no Japão, quanto no Ocidente, embora em menor escala por aqui.

O melhor jeito de mostrar como essa série está vinculada a essa tendência é contar a história da criação da sua estética. No começo da vida do 3DS, o produtor Kenichiro Takaki queria desenvolver um jogo para o portátil e, pensando em que tipo de jogo fazer, ele se perguntou o que ele queria ver em 3D. Em trinta segundos, ele encontrou uma resposta: seios.

Ou seja, nesse caso, o design dos personagens e o apelo sexual vieram antes mesmo de um esquema de jogabilidade ou de uma história. É importante entender isso, porque explica como Senran Kagura pode pular de um gênero para outro sem tanto problema, porque o que ele entrega, antes de tudo, é uma estética, e depois vem a experiência de jogabilidade.

O primeiro jogo da série de que eu vou falar é Senran Kagura: Burst, jogo de 3DS desenvolvido pela Tamsoft e lançado em 2012 no Japão e em 2013 no Ocidente. Essa versão ocidental tardia contém, essencialmente, dois jogos: a campanha do primeiro jogo e mais uma campanha extra, focando no outro lado da história, o que essencialmente dobra o tamanho do jogo, embora essencialmente seja a mesma jogabilidade, os mesmos ambientes, a mesma proposta, etc.

Basicamente, Burst se passa num mundo em que os ninjas são treinados às escondidas em escolas secretas, e são divididos entre ninjas do bem e do mal. A história foca na rixa entre uma escola do bem, chamada Hanzo, e uma do mal, chamada Hebijo, cada uma representada por cinco garotas, que são as alunas mais capazes.

Em termos de história principal, não há nada de muito interessante para falar; na verdade, a imensa maioria do tempo é dedicada a desenvolver os dramas dos personagens individualmente, em vez de andar com a trama principal. Aliás, a história central é tão simples que usa um dos artifícios de que eu menos gosto, que é ter lutas que não resultam em nada e, na verdade, não têm nenhuma correspondência com o que de fato a história retrata.

Por exemplo: digamos que o jogador controle uma ninja enfrentando outra. Mesmo que ele vença sem ser tocado e em questão de poucos segundos, aparece uma cena com a ninja que ele controla toda cansada e a adversária, que foi vencida facilmente, falando que ela não sofreu nem um arranhão. Isso acontece tantas e tantas vezes nessa série como um todo que se torna algo cansativo, e fica difícil jogar focando em qualquer história principal que haja.

As personagens, por sua vez, são mais ou menos estereótipos, de quem o jogador pode acabar gostando e se apegando, porque eles são trabalhados sem muitos deslizes. Além disso, geralmente há um toque de humor nos momentos dedicados aos personagens, o que traz uma certa leveza a essas partes, e as tornam mais simpáticas.

Em termos de jogabilidade, Burst é um beat’em up em perspectiva 2D, embora os personagens sejam modelados em 3D. O jogador pode escolher uma das ninjas e fazer uma série de missões. No geral, elas se resumem a derrotar certo número de inimigos num determinado tempo, ou então matar todos e derrotar um chefe final. Cada personagem tem seus ataques especiais e seu estilo de luta, que pode variar bastante: há personagens que priorizam força em oposição a longo alcance, ou ataques que são realizados rapidamente, mas com pouco alcance, ou ataques que demoram mais a serem executados, mas atingem mais inimigos de uma só vez, etc.

Para além dos estilos estabelecidos das personagens, a mecânica mais interessante que Senran Kagura propõe é a escolha de determinar o seu estilo. Durante o jogo, existe a opção de lutar com as roupas da escola, as roupas de ninja e só de lingerie. Cada uma delas dá vantagens únicas ao jogador em termos de estilo de luta. Lutar com roupas de ninja, por exemplo, permite que a personagem tenha mais resistência, mas também diminui o dano causado. Lutar só com lingeries faz a personagem ter imensa força, mas pouquíssima resistência.

O detalhe é que, quanto mais se adota um estilo, mais eficiente e mais perigoso ele fica. Eu joguei quase todo o jogo no modo de lingerie, porque eu acredito que o jogo fica meio cansativo se demorar muito, e, nos últimos capítulos, meu dano era imenso, mas minha resistência era tão baixa que eu poderia levar só um ataque antes de morrer – o que, aliás, acontecia de forma um pouco injusta, porque havia inimigos fora do meu ângulo de visão, que atacavam sem eu ver e me matavam. Isso porque o jogo mantém carregado um trecho que é maior do que o que aparece na tela, e é normal inimigos ficarem fora de destaque, o que é problemático quando há aqueles que atiram projéteis.

Essa multiplicidade de estilos ainda é complementada pela diversidade de movimentos nos combos e mesmo as técnicas de cada personagem, com pontos fortes e fracos bem distintos. Há missões que devem ser passadas por uma personagem específica na primeira vez, mas, depois disso, é possível usar outra, o que permite um vínculo maior com determinada personagem, conforme o gosto do jogador.

Para mim, o grande problema do combate de Burst é que, quando o 3D está totalmente ativado e há espaços abertos e muitos inimigos, a taxa de frames do jogo cai vertiginosamente. Eu acho que nunca falei de taxa de frames aqui no canal, e isso é porque eu geralmente não me importo, mas nesse jogo é chocante. E eu até me acostumei, achei que esse era o ritmo do jogo, até chegar às últimas missões, que são confrontos um contra um em espaços fechados e, de repente, a fluidez do jogo virou totalmente outra, e eu percebi a imensa diferença que isso fazia.

Isso é uma coisa triste, porque Burst foi um jogo concebido com o 3D em mente, como eu contei. E, aliás, é nos combates que o efeito 3D desejado mais aparece, porque o dano de um personagem se reflete nas suas roupas. Conforme um personagem importante recebe dano, suas roupas vão se rasgando e, usando as técnicas certas, principalmente especiais, é possível deixar a personagem quase nua, o que efetivamente marca o fim da luta.

Esse detalhe da perda das roupas, e dos estilos se refletirem nas vestimentas das personagens é algo bem importante, porque o jogo permite personalizar a vestimenta das meninas, e as opções só vão se multiplicando conforme o jogador avança. No geral, a maior parte das opções fica reservada, é claro, à seção das lingeries, para o jogador poder escolher que roupa ele vai poder tirar quando enfrentar determinada personagem.

Burst é, então, o primeiro capítulo da série Senran Kagura que já deixa muito claros alguns elementos que só se desenvolverão conforme a série vai crescendo: um desapego bem grande pela história, uma jogabilidade que oferece opções e estilos interessantes, embora a execução nem sempre seja a melhor, e um foco bem grande em humor, estereótipos e uma estética voltada a agradar quem procura nudez feminina.

A questão realmente interessante, e que alguns de vocês podem estar se perguntando é: por que a Tamsoft não fez de Senran Kagura uma série 100% erótica? Por que, no momento em que todas as roupas são rasgadas, resta uma luz ou uma caricatura do rosto da personagem, cobrindo partes da imagem?

Este é o x da questão do mercado desses jogos que eu vou chamar de semieróticos no Japão. Os desenvolvedores precisam se adequar a duas forças distintas e quase opostas: por um lado, eles querem investir no erotismo para atrair um público; por outro, a imensa maioria do público japonês joga em portáteis, e as empresas fabricantes não permitem a existência de jogos abertamente eróticos nessas plataformas. Por isso, os que acabam se dedicando a erotismo e sexo ficam relegados ao PC, que é uma plataforma que, historicamente, não faz sucesso no Japão. Para ter sucesso financeiro e expressão, os desenvolvedores acabam adotando um erotismo que é, ao mesmo tempo, explícito e envergonhado.

A proposta estética de Burst continua no segundo jogo da série, Shinovi Versus, lançado para PS Vita em 2013 no Japão e em 2014 no Ocidente, e para PC em 2016. Porém, se a estética permanece, o estilo de jogo muda bastante, pois a perspectiva da série pula de 2D para 3D, e a ambição aumenta muito.

Essa ambição vai se refletir no escopo de cada pequeno detalhe. Em alguns casos, isso é benéfico à série. Por exemplo, o combate em 3D é muito mais justo com o jogador do que o 2D, porque, tendo mais opções de movimentação pelo espaço, as ninjas podem escapar de projéteis de forma mais justa com o jogador que está jogando num estilo que diminui a resistência. Além disso, os problemas técnicos foram praticamente todos resolvidos, embora o efeito 3D do 3DS não esteja presente no Vita, então pode ser por isso.

Sendo assim, em termos de jogabilidade, Shinovi Versus é um grande salto na série Senran Kagura, embora eu gostasse da perspectiva 2D, porque ela permitia combos envolvendo quase uma dezena de inimigos de uma só vez, enquanto esse tipo de efeito é bem mais difícil de realizar num espaço 3D. Mas, de qualquer forma, o ganho no quesito facilidade de prever e evitar ataques é mais do que suficiente para deixar isso para trás.

Agora, se a ambição da jogabilidade deu bons frutos, o mesmo não se pode dizer da ambição na história. Essencialmente, Shinovi Versus tem o dobro de história de Burst, porque agora as escolas rivais são quatro, e não só duas. E talvez isso fosse interessante para criar conflitos complexos e com envolvimento emocional, mas o curioso é que Shinovi Versus cria uma história para cada uma das campanhas que focam as escolas. Embora o caráter das personagens se mantenha e haja temas comuns, a história contada nunca é a mesma.

Ou seja, a história no jogo perde toda a sua coesão e ninguém sabe mais que fio da meada a história deveria seguir. Ao mesmo tempo, as novas personagens são adequadas ao universo da série, confluindo todo um universo de personagens femininas que povoam o imaginário erótico japonês: da jovem determinada e sexy por acidente, passando pela garota com mentalidade e até aparência de criança, até chegarmos às moças que só pensam em erotismo, que abusam das colegas ou que pedem para apanhar por prazer.

Essa mistura de personagens da série, especialmente quando se chega na escala que Shinovi Versus introduz, acaba gerando um universo que é tão divertido quanto erótico e, com isso, se você não se atrai pelas imagens ou pelos clichês eróticos, talvez curta o bom humor que a série sempre teve, e que só aumenta em Shinovi Versus. Contudo, quanto mais a série foca nesse humor e erotismo, menos identidade ela tem em termos de história. Felizmente, ela tinha encontrado uma boa posição em termos de jogabilidade.

Isso nos traz ao ano de 2014, quando é lançado o spin-off Senran Kagura: Bon Appétit! para PS Vita. A história desse jogo é tão emblemática da série quanto a de Burst: pensando em novos rumos para a franquia, Kenichiro Takaki começou a pensar em quais eram as melhores coisas da vida. Ele chegou à conclusão de que eram sexo, comida e dormir. Como dormir era um sentimento difícil demais de reproduzir num jogo, ele resolveu unir os outros dois.

Bon Appétit! é um jogo de ritmo, ou seja, uma música toca enquanto algumas ações acontecem na tela, e o jogador precisa apertar os botões que estão aparecendo na tela na hora certa para manter uma certa pontuação. Caso ele consiga uma sequência boa o suficiente, ele vence.

Em termos de Senran Kagura, isso se reflete com as meninas de Shinovi Versus participando de um concurso culinário que premiaria a vencedora com o poder de realizar um desejo. É claro que, acompanhando a ideia de expansão dos outros jogos, cada personagem terá uma curta campanha, com histórias totalmente independentes, mesmo que elas estejam retratando supostamente o mesmo evento.

Nesse jogo, toda e qualquer semelhança com as mecânicas dos jogos anteriores é abandonada, o que é até esperável num spin-off, mas, ao mesmo tempo, me parece que, mais do que meramente um spin-off, Bon Appétit! funciona como mais um título da série, porque ele entrega uma experiência com as mesmas prioridades dos jogos anteriores, ou seja, erotismo e humor, embora o erotismo definitivamente seja agora mais prioridade do que jamais foi.

Cada história ainda tem sua carga de humor e interações entre as meninas, mas, como cada campanha é bem curta, isso acaba perdendo espaço. O erotismo, porém, se destaca extremamente pela forma como o jogo premia o bom desempenho do jogador. Cada partida do jogo contém três rounds, por assim dizer, já que as meninas fazem três pratos, que são julgados individualmente. Para o jogador vencer, ele só precisa alcançar uma determinada quantidade de pontos na terceira e última etapa.

Mas, a cada etapa vencida, o jogador consegue tirar um pouco da roupa da adversária. Se ele conseguir vencer as três etapas, a garota fica totalmente sem roupa, embora ainda com uma cobertura de luz em certas partes do corpo. E, quando a luta acaba, a garota se torna parte de um prato, sendo coberta só por algum elemento, como chantilly ou calda de chocolate.

O curioso é que, até Shinovi Versus, todos os momentos eróticos tinham uma justificativa em termos de contexto, mesmo que fosse um tanto absurdo. Esses pratos de Bon Appétit! não tem nenhuma justificativa, existindo apenas para a apreciação do jogador. E, além disso, em nenhum outro momento da série as meninas aparecem em poses tão eróticas e explícitas. É um nível de erotismo totalmente novo para a série.

Com isso, a série Senran Kagura demonstra um caminho que tem mimetizado um pouco da história da indústria japonesa dos últimos anos, que é um processo de erotização crescente das produções, embora seja uma erotização sempre tímida de se admitir como tal. Há sempre um contexto que procura justificar a existência do erotismo, mas esse contexto vai sendo deixado de lado a cada vez que o erotismo vai ganhando protagonismo.

E esse conflito constante entre contexto e erotismo só existe porque há a resistência dos fabricantes de plataforma a permitirem o lançamento de jogos decididamente eróticos. E, enquanto isso não acontecer, jogos desse tipo vão ter uma estrutura incompatível com o que querem representar, com inúmeras contradições, o que os impede de se elevarem. E, sim, jogos com erotismo podem ser grandes obras, como eu já tratei nesse canal.

Até lá, nós vamos ter que nos conformar com os seguintes argumentos:


essas três imagens de Monster Monpiece representam variações de uma mesma carta, com a primeira sendo a mais fraca e a última sendo a mais forte. Você as evolui aumentando seu vínculo com as monstras das cartas, tocando-as nas suas zonas erógenas; em Conception II, você só precisa tocar na mão de uma das suas colegas de sala para criar um novo membro da sua party, mas, enquanto os personagens falam de tocar na mão um do outro, essas são as imagens que aparecem:




 E, por fim, por conta de uma confusão num concurso de comida, é assim que uma das participantes termina:



E era isso que eu queria dizer sobre os três primeiros jogos da série Senran Kagura. Eles têm um bom senso de humor e uma jogabilidade razoável, mas se destacam por serem experiências eróticas num meio que não lhes favorece, e que precisaria mudar para que essas experiências pudessem se desenvolver da forma que quisessem. Até uma próxima análise!

sábado, 27 de agosto de 2016

Her Story - Pensando sobre o jogo



Olá! Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Her Story, jogo desenvolvido por Sam Barlow e lançado para PC em 2015 e para celulares em 2016.

Her Story é um experimento extremamente interessante, desses que só jogos indies conseguem produzir. Ele nos faz pensar sobre a estrutura dos jogos e sobre possibilidades que estavam esquecidas e que podem enriquecer muito a nossa indústria.

E, apesar de todo esse potencial, Her Story é um jogo extremamente simples em termos de proposta e mecânicas: o jogador controla alguém mexendo num arquivo da polícia com vídeos relacionados a um assassinato que ocorreu há mais de 20 anos. Esses vídeos contêm múltiplas sessões de interrogatório de uma moça, e são repartidos em pequenos trechos (no geral com menos de um minuto cada).

A ideia é clara desde o início: o jogador precisa analisar os vídeos para entender o que está acontecendo, e tudo que ele tem para isso é o próprio senso de lógica e a interpretação excelente da artista Viva Seifert. Vamos discutir isso por partes.

O uso da lógica envolvido no jogo está todo baseado nas limitações que o sistema de busca de vídeos impõem: o jogador pode buscar uma palavra ou uma expressão e aparecerão listados todos os vídeos que contêm essas palavras; mas, o buscador só vai apontar as cinco primeiras ocorrências, o que te deixa sem a maior parte dos vídeos, especialmente quando se trata de uma palavra ou tema recorrente nas entrevistas.

Com isso, o jogador precisa afunilar os temas ao máximo e aprender a deixar o máximo de informações na sua cabeça para retomar depois, já que cada um dos cinco vídeos que aparecem por vez pode levar a pistas completamente diferentes. E aí também entra o fator tempo. Os interrogatórios se passam em dias diferentes, e em momentos distintos da investigação; com isso, é preciso saber encaixar cada fala dentro da linha temporal, e isso pode ser bastante confuso, o que sempre dá um clima de mistério à narrativa do jogo.

Resumindo, então, Her Story coloca ao jogador o papel de um detetive, mas não um detetive comum, e sim alguém que provavelmente já nada pode fazer quanto ao caso, que já se encerrou há muito tempo, mas que, estranhamente, está vasculhando arquivos antigos. É um interessante exercício de lógica e interpretação, que motiva o jogador do início ao fim, com uma incrível habilidade de deixar perguntas em suspenso e manter o jogador sempre procurando respostas e tentando novos termos na busca.

O importante é que a estrutura limitante do jogo permite que a experiência relativamente curta e simples do jogo tenha uma complexidade grande, mas que se passa na mente do jogador. É na cabeça do jogador que acontece o desafio, não na tela do computador. As ferramentas e possibilidades são sempre as mesmas e sempre as mais simples, mas o tempo todo, especialmente na reta final, existe um desafio que motiva o jogador e faz com que ele se sinta sempre avançando, e ao mesmo tempo sempre sendo provocado.

E grande parte do poder de provocação e desafio do jogo vem da sua história complexa e interessante e da forma como essa história é exibida, com a estrutura de fragmentos executada pelos vídeos com a interpretação excelente de Viva Seifert. É realmente muito curioso ver como a atriz consegue desempenhar um amplo leque de interpretações, com diferentes nuances, que deixam o jogador sempre com uma clareza grande de que as situações das gravações são bem distintas, mas ao mesmo tempo com uma confusão sobre como uma mesma pessoa atinge diferentes experiências emocionais.

Assim, o texto e a interpretação são a exata contraparte da mecânica: a rigor, cada vídeo é muito simples, com pouco texto, pouca movimentação e uma fala relativamente clara e simples. Entretanto, algo na atuação sempre coloca dúvidas no jogador, o deixa em suspenso, desconfiando do que ouve. Assim, mesmo com a informação mais clara possível, ainda resta uma dúvida, como se houvesse subentendidos demais, e que é mais importante decifrá-los do que a própria fala do vídeo.

Assim, do mesmo jeito que o mecanismo de busca é simples, mas tem uma limitação que exige que o jogador busque diversos ângulos para conseguir informações relevantes e sólidas, o texto é claro e simples, mas a interpretação coloca nuances que exigem que o jogador mantenha sua desconfiança, assista a vídeos novamente, procurando por ângulos distintos, e se pergunte o tempo todo quem é, afinal, essa pessoa que ele ouve por duas ou três horas durante toda a experiência.

Pensando no que faz de Her Story algo novo e poderoso, é inegável que o centro é justamente a interpretação. Na verdade, a estrutura de regras limitantes é bem comum: jogos de detetive, no geral, oferecem um número limitado de movimentos do jogador para que ele possa formar sua opinião sem ter 100% de clareza sobre as respostas.

Entretanto, a dependência extrema de vídeos com artistas de carne e osso desempenhando um papel é completamente nova. Claro, gravações com pessoas não são algo novo na indústria; na verdade, desde os anos 90 elas existem, mas os problemas com investimento e o estilo canastrão das atuações foi levando lentamente a indústria a abandonar a prática e adotar as animações em seu lugar, sejam as pré-renderizadas, sejam as feitas com as possibilidades do jogo mesmo.

Conforme o tempo foi passando e a tecnologia avançou, temos capturas de movimento que fazem atores reais aparecerem em jogos com visuais muito perto da realidade. Além disso, não são poucas as grandes atuações em termos de dublagem dos jogos atuais. Entretanto, sempre resta aquela dúvida de quando (e se) a captura de som e de movimentos vai chegar à perfeição de reproduzir 100% da atuação do artista, entregando uma experiência que soe genuína e natural. Coisas bem simples, como um beijo, por exemplo, são incrivelmente difíceis de executar e podem quebrar toda a imersão de uma experiência baseada na atuação dos personagens.

Her Story passa completamente alheio a esse problema e resolve colocar uma atriz para fazer o papel de uma atriz, deixando a animação para lá, e o resultado não poderia ter sido melhor, e faz o jogador desejar mais jogos desse tipo, que explorem mais as possibilidades de gravações com atores reais e que despertem emoções e dúvidas genuínas, como Her Story conseguiu.

Ao mesmo tempo, a situação que o jogo propõe é um dos raros casos em que usar gravações faz completo sentido e não cria nenhuma dúvida no jogador; então, seja lá o que se fizer daqui por diante com o modelo que Her Story criou, vai ser preciso muito raciocínio e criatividade para adotar essa poderosa ferramenta sem criar uma dissonância dentro do mundo do jogo.

Permanecendo ou não um caso único na nossa indústria, Her Story mostra que ferramentas há muito abandonadas pela indústria podem ser retomadas de forma poderosa, desde que haja cuidado com a escolha dos atores e a elaboração do texto. O jogo é uma experiência instigante e poderosíssima, que deixa o jogador imediatamente querendo voltar para obter alguma informação que escapou, ao mesmo tempo em que já quer outro jogo que lhe desperte a mesma curiosidade e estranhamento.

E era isso que eu queria dizer sobre Her Story. É um jogo sobre perseguir a verdade por trás das aparências, verdades que estão bem debaixo do nosso nariz, mas que podem ser escondidas se o mágico que as esconde for bom o suficiente e, no final, acabamos gostando de não saber tanto quanto de saber. Até a próxima análise!

sábado, 13 de agosto de 2016

Furi - Pensando sobre o jogo



Olá! Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Furi, jogo desenvolvido pela The Game Bakers e lançado para PS4 e PC neste ano.

Furi é um jogo muito interessante, que trabalha sua narrativa de forma criativa e cria momentos únicos de tensão e engajamento nos combates. Ele é estruturado como um jogo de ação em terceira pessoa, que mistura combate corpo a corpo com o estilo chamado de bullet hell, geralmente associado a shoot’em ups.

O jogador controla um personagem sem nome, que está preso e é torturado frequentemente. Num determinado momento, ele é libertado por uma pessoa com uma máscara de coelho enorme e que fala que, para ambos se libertarem, eles precisarão vencer os guardiões dessa prisão. O fato é que a prisão é dividida em vários mundos e, para chegar ao mundo livre, é preciso viajar por cada um dos outros e vencer seu guardião.

Na prática, então, o jogo se torna um ciclo: o jogador controla o protagonista andando pelo cenário por um tempo e depois enfrentando o chefe diretamente. Não há inimigos intermediários, ou coisas para explorar. Apenas uma introdução ao chefe e ao cenário, e depois a luta diretamente.

Essa introdução, que é basicamente um caminhar pelo mundo novo que o personagem acabou de invadir, é uma das partes mais polêmicas do jogo, simplesmente por causa dos problemas de jogabilidade. Enquanto o personagem caminha pelo cenário, o jogo faz questão de usar câmeras fixas, para criar alguns visuais realmente impressionantes, muito plásticos, e que poderiam perfeitamente ser usados como base para um quadro.

Porém, durante cada caminho para um chefe, o ponto onde se localiza a câmera muda diversas vezes, mas os referenciais do controle não. Assim, você pode colocar o analógico para a direita para fazer o personagem ir para frente e, numa questão de segundos, o ângulo se inverter, mas ir para frente continua sendo referenciado como colocando o analógico para a direita. É bem próximo daquilo que se conhece como sistema de movimentação de tanque, que se notabilizou nos primeiros jogos da série Resident Evil. Porém, como aqui a transição acontece a todo tempo, é bem mais desconfortável.

Além disso, o caminhar do protagonista é bem lento, o que ajuda na construção desses quadros que eu comentei, mas pode deixar alguém entediado. O ideal mesmo é ter a paciência para ouvir a trilha sonora do cenário, apreciar o visual e entender o que o coelho está dizendo enquanto você não chega ao chefe.

As falas do coelho são as principais formas de exposição que o jogo terá até praticamente o fim da história. Elas fornecem todo o pano de fundo para conhecer a história, mas isso não quer dizer que o jogador precise encarar tudo como verdade absoluta. Afinal, o coelho é um personagem daquele mundo e ele tem seus interesses próprios. Aliás, jogar novamente, depois de ter toda a história compreendida, dá uma perspectiva bem diferente a algumas das falas do coelho.

Essa é uma situação bem interessante, porque o jogador começa sem saber de praticamente nada, e ele sequer sabe se o protagonista sabe mais do que ele, então qualquer informação é bem-vinda e aí é necessário refrear o impulso de acreditar em tudo que os personagens da história dizem. Afinal, nunca se sabe quem está dizendo a verdade.

Com isso, esses momentos de caminhada são bem enriquecedores, e é possível eliminar os problemas com a movimentação apertando um botão, o que trava o personagem no rumo certo e faz com que ele se movimente automaticamente. Entretanto, no processo, você pode perder uma ou outra fala adicional do coelho. É como se fosse uma cut scene bem longa, que te prepara para o próximo combate, e ajuda o jogo a carregar o próximo cenário às escondidas.

E é nesses combates que Furi brilha e apresenta sua maior contribuição. Primeiro, é preciso falar que o design de cada um dos personagens é absolutamente primoroso. Eles apresentam muita personalidade e isso se reflete também na forma como eles atacam e se movimentam. Cada um dos designs foi feito Takashi Okazaki, o artista criador de Afro samurai, uma influência bem evidente se você conhece o mangá.

Cada uma das batalhas se estende por várias fases, em que o chefe adota diferentes estratégias para vencer. Um chefe, por exemplo, pode começar atacando mais de longe na primeira fase, e na terceira ir totalmente para o combate corpo a corpo, e talvez na quinta ele mescle as duas coisas.

Isso faz com que cada batalha de Furi se estenda por um tempo considerável. Mesmo com o jogador sabendo exatamente o que fazer e não perdendo em nenhuma etapa intermediária, uma batalha pode durar quase 10 minutos. Assim, cada luta é um momento de concentração, em que o jogador precisa ser rápido na sua leitura dos movimentos e precisa saber se adaptar a cada fase.

Os chefes têm entre 4 e 6 fases diferentes cada um. O jogador pode perder até duas vezes em cada fase; o protagonista tem três vidas no máximo e, a cada fase vencida, ele recupera uma delas, caso tenha perdido. Assim, por exemplo, se eu perder duas vidas na segunda fase, caso eu passe para a terceira, eu volto a ter duas vidas, em vez da única que tinha me sobrado antes.

Isso dá ao jogador a chance de aprender a lutar contra o chefe, até porque seria muito frustrante chegar na sexta fase de um chefe com uma só vida, levar um golpe extremamente forte e ter que voltar para a primeira fase. Então, não importa quão mal você for, você sempre tem, no mínimo, duas chances em cada fase nova.

Falando do combate em si, quase todas as batalhas de Furi têm dois momentos. O primeiro, que eu gosto de chamar de batalha aberta, se dá num espaço bem amplo, em que o protagonista e o chefe podem trocar ataques de projéteis e golpes físicos, já que o seu personagem tem uma pistola e uma espada. Nesses momentos, os ataques são bem mais frenéticos, costumam vir de vários lados, e há uma ênfase considerável em conseguir escapar e usar uma manobra de parry ou contra-ataque para reverter algumas ameaças urgentes. São momentos de resistência mais do que de ataque direto.

O segundo momento das fases é quando o jogador consegue acabar com o HP do chefe na batalha aberta e aí surge uma batalha fechada. Nesse momento, o protagonista e o chefe ficam restritos a um espaço bem menor, e se enfrentam numa luta em que as reações precisam ser muito mais rápidas, e o foco é muito maior em ataque e contra-ataque do que em fuga.

Esses momentos de batalha fechada são os que mais me agradam em Furi, e eu acho que eles trazem uma coisa muito interessante à estrutura do jogo e até aos paradigmas dos nossos jogos de ação, que é um momento de concentração total, em que nada existe além do seu oponente e em que um segundo é suficiente para mudar tudo. E, como é um jogo fortemente baseado em ação-reação, é bastante comum ao jogo premiar o jogador que espera uma abertura, em vez de continuar atacando.

Assim, a estrutura desses momentos me lembra daquelas cenas de duelo em filmes de faroeste: um personagem olha para o outro e espera o movimento do inimigo. Quem reagir mais rápido vence. É uma descarga de adrenalina muito grande e que faz cada momento dessas batalhas fechadas parecer até mais longo e sufocante do que o combate contra dezenas de projéteis que os as batalhas abertas oferecem.

É claro que momentos de combate tão baseados em instantes dificilmente poderiam render um jogo bem feito, porque deixariam o jogador exausto, e é por isso que Furi tem essa escalada que eu descrevi: primeiro o jogador passa por uma caminhada totalmente relaxado; depois, passa a batalhas abertas em que, mesmo com inúmeras ameaças, ainda há espaço; e, por fim, vêm as batalhas fechadas, sem espaço para fugir e que exigem reação rápida. É uma montanha russa.

E tudo isso fica ainda mais insano na última fase de cada chefe, em que geralmente se unem uma quantidade insana de ameaças na batalha aberta e a necessidade de reagir rápido e constantemente na batalha fechada. O resultado disso é que o fim de cada luta desse jogo é uma descarga imensa de adrenalina e satisfação, o que torna cada batalha extremamente memorável.

Some a isso ainda o fato de que várias batalhas têm um significado importante na história, que acaba com uma influência significativa de um jogo como Bloodborne, questionando o jogador sobre o significado da violência que o jogo tão ativamente incentiva e premia.

Enquanto se joga a primeira vez, nenhum jogador sabe quem é o protagonista, por que ele foi preso ou exatamente por que tentam detê-lo. Com isso, ele pode responder a certas coisas da forma que quiser. Será que ele abdicará dos combates para tentar uma saída pacífica? Será que os adversários que enfrentou ensinaram algo durante a luta? São perguntas interessantes que o jogo faz e cabe ao jogador responder.

E, com isso, Furi acaba tendo uma trama realmente interessante, em que se investiga, simultaneamente, o jogador e o protagonista, ao mesmo tempo em que se instiga nele o vício pelo combate incessante. Cada batalha termina com o jogador esperando a próxima, e desejando aquele momento de tudo ou nada que pode durar só um segundo, mas no qual se passa uma eternidade.

E era isso que eu queria dizer sobre Furi. É um excelente jogo, que mescla estilos e traz uma contribuição aos combates que torna cada batalha algo infinitamente memorável. E, ao mesmo tempo, vicia o jogador num combate frenético, transformando-o numa máquina de destruição, só para depois questioná-lo por isso. Até a próxima análise!