segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Transistor - Pensando sobre o jogo



Olá! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Transistor, jogo da Supergiant Games lançado em 2014 para PC e PS4 e para iOS em 2015. Transistor foi o jogo feito pela Supergiant logo após Bastion, de que eu também já falei. Eu pretendo retomar algumas das coisas que eu falei lá, então, se você estiver disposto, eu recomendo checar esse outro texto, caso você não tenha visto ainda. O fato é que Transistor refina alguns detalhes de Bastion, mas apresenta inovações extremamente interessantes para criar, mais uma vez, uma experiência altamente customizável e unificada, o que resulta em algo muito poderoso.

Como Bastion, Transistor é um jogo de RPG de ação com câmera isométrica, mas, em termos de jogabilidade, as semelhanças acabam aí. Se Bastion era um jogo 100% em tempo real, Transistor propõe uma mecânica que mistura tempo real e turnos: o jogador pode ativar seu turno, o que efetivamente faz o tempo parar. Com isso, ele pode escolher uma série de ações, cada uma com um gasto específico de uma barra de turno.

Após o jogador escolher suas ações, elas são executadas de uma vez, e aí o jogador entra num período de recuperação que se dá em tempo real. Embora ele possa executar algumas ações nesse tempo de recuperação, ele é principalmente usado para escapar de ameaças enquanto o turno recarrega e para armar estratégias para executar no próximo turno – por exemplo, atrair o máximo de inimigos para um lugar só, para usar uma habilidade que causa muito dano de só uma vez num determinado espaço.

Teoricamente, eu acho que o jogador poderia jogar apenas com o tempo real, mas isso é muito difícil por conta da quantidade de inimigos que atacam. Na grande maioria das vezes, o jogador está cercado por inimigos com diversos padrões e é necessário utilizar o turno para conseguir uma chance de abatê-los numa ordem vantajosa ao jogador.

A escolha de misturar tempo real e turnos é algo absolutamente genial e que expande muito a proposta da Supergiant de criar um jogo extremamente customizável, que você pode tornar no que quiser. Agora tanto fãs de jogos em tempo real quanto os de jogos em turnos vão poder ter um pedaço da experiência dedicado a si, sem poder descuidar do outro extremo.

Por exemplo: é fundamental planejar o turno para vencer os inimigos, mas, quando um deles é executado, o jogador precisa coletar a sua forma primitiva rápido; do contrário, ele volta com vida total, e, muitas vezes, isso significa que isso terá que ser feito mais rápido do que o turno pode recarregar, então é necessário coletar em tempo real, desviando dos inimigos como possível.

Mas, não é só isso, claro. Há uma quantidade bem grande de habilidades para o jogador escolher, variando de opções de ataque de proximidade, até ataques a distância, ataques a uma área inteira, etc. Mas, no interesse de tornar as coisas ainda mais variadas do que a gente vê em Bastion, Transistor cria um sistema de combinações de habilidades que torna a experimentação ainda mais interessante. Toda habilidade tem três funções: ela pode ser usada como uma arma, ou como um buff para outra arma, conferindo alguma habilidade extra, ou como uma habilidade passiva para a protagonista.

Assim, dentro de um limite de habilidades que o jogador pode equipar ao mesmo tempo, o jogador pode combinar de inúmeras formas as mesmas habilidades e criar efeitos completamente distintos. Isso é especialmente importante porque a combinação de inimigos que o jogo coloca em cada combate pode exigir maior enfoque em certo tipo de habilidade do que em outro.

Além disso, ao passar de nível e ganhar uma nova habilidade, o jogador também ganha um novo limitador, que é o equivalente dos deuses do altar de Bastion, ou seja, algumas opções que o jogador pode habilitar para deixar os combates mais difíceis em troca de mais pontos de experiência. Com isso, caso o jogador esteja entediado com o nível de dificuldade básico, ele pode fazer inimigos virem em maior número, ou mais resistentes, ou com a capacidade de reaparecer mais rápido. Em troca, ele consegue habilidades mais rapidamente. É uma troca interessante e que torna o jogo muito mais flexível no tocante ao desafio, o que retoma um pouco a nossa conversa no último vídeo.

De fato, o tratamento da dificuldade é uma das coisas mais interessantes em Transistor, porque mesmo ela é voltada para a ideia de fazer o jogador experimentar as diferentes habilidades e possibilidades de customização. Quando a protagonista fica sem HP, o jogador perde uma habilidade aleatória, e precisa se virar sem ela para vencer os inimigos daquela rodada. Se ela ficar sem HP de novo, lá se vai outra habilidade, até que não reste nenhuma, e aí o jogador tem que refazer o encontro do zero.

Caso o jogador vença após perder habilidades, elas ficam bloqueadas por um tempo, até o jogador passar por, pelo menos, mais um combate, o que significa que ele vai precisar bolar outra estratégia, o que muitas vezes demanda criar combinações completamente novas. É claro que, em situações normais, o jogador sempre vai usar as habilidades em que ele confia mais e, quando ele perde alguma delas, ele vai precisar repensar as opções, o que é exatamente a ideia num jogo como Transistor.

Certamente o pessoal da Supergiant tinha muito orgulho das suas combinações de habilidades e acreditava que o sistema era uma das melhores coisas que o jogo pode oferecer. Porém, falando da minha própria experiência, é bem normal um jogador se acomodar a um estilo que seja agradável e familiar. Eu tendo a jogar como mago ou arqueiro em RPGs, e gosto de snipers em shooters, e eu raramente saio desse padrão se eu tenho a opção de mantê-lo. Se eu jogo um game baseado em múltiplas opções, talvez eu só veja uma parte limitada do jogo.

Transistor evita isso através do uso da dificuldade e da mecânica de derrota. Assim, a derrota permite ao desenvolvedor moldar a experiência do jogador exatamente da forma como ele quer. Se o jogador, ainda, ativar alguns limitadores que bloqueiam por ainda mais tempo as habilidades perdidas, isso só deixa ainda mais clara a intenção dos desenvolvedores, e é seguindo esse fluxo que o jogo se mostra mais genial e interessante.

Um exemplo semelhante desse procedimento é Demon’s Souls, com a dinâmica de world tendency: a cada vez que o jogador perde enquanto está na forma humana, que lhe dá mais HP, a fase vai se encaminhando para black tendency. Ao chegar no máximo, inimigos mais fortes aparecem na fase, o que torna tudo ainda mais difícil.

Pode parecer completa loucura, e eu seriamente pensei em abandonar o jogo quando eu me defrontei com esses inimigos mais fortes, mas é algo que funciona para o jogador proceder exatamente como o desenvolvedor quer, sem que isso pareça guiado. No caso, Demon’s Souls quer que o jogador, por conta disso, abandone um estilo pouco cauteloso, faça apenas escolhas seguras e se concentre em entender melhor os meandros do combate. E, no caso de mesmo isso falhar, ele sempre pode ir para outra fase, em que a world tendency é mais favorável, e ganhar mais níveis e habilidades para enfrentar o desafio mais tarde.

Graças a mecânicas desse tipo, eu experimentei em Transistor muito mais do que em Bastion e, somando isso ao sistema de combate que, para mim, é extremamente prazeroso, o jogo acabou sendo algo muito mais interessante e rico, e eu comecei outra playthrough imediatamente após terminar a primeira.

Mas, não contente com usar as mecânicas da dificuldade e da derrota para guiar o jogador a experimentar a multiplicidade de habilidades possíveis, o jogo ainda atrela a própria história a essa experimentação. Cada habilidade é uma representação de um personagem do mundo do jogo e cada pedaço da história desse personagem é desbloqueado conforme o jogador usa a habilidade em diferentes funções: como arma principal, ou como buff e como habilidade passiva. Mesmo os inimigos são ligados aos limitadores, que expandem a dificuldade, e ativá-los desbloqueia alguns detalhes sobre os inimigos.

Assim, o jogo une o máximo de suas partes para criar uma experiência altamente dinâmica e interessante, que vicia o jogador muito mais rápido do que se imagina e se mantém nova por toda a trajetória. Em grande medida, Transistor é um prodígio de consciência dos desenvolvedores sobre as funções possíveis de cada parte que compõe um jogo e, do mesmo jeito que o jogador, eles escolheram combinar as possibilidades da melhor forma para criar algo com resultados poderosos.

Incrivelmente, os desenvolvedores ainda colocaram a própria discussão sobre essas mecânicas na própria história. Sem dar muitos spoilers, a história de Transistor tem alguma semelhança com a de Bastion, em que um evento específico desencadeou consequências apocalípticas. No caso, uma forma de vida chamada “processo” está se apoderando da realidade e dos seres da cidade de Cloudbank, seguindo os desígnios de um grupo da elite chamado Camerata.

A cantora e protagonista Red é atacada pelos Camerata, mas o seu namorado acaba entrando na frente do ataque, que é desferido com uma estranha espada, chamada Transistor, capaz de absorver de alguma forma a alma das pessoas e, com isso, ela acaba absorvendo a alma do namorado da Red que, de alguma forma, acaba assumindo o papel de dialogar com ela, que se tornou muda após o ataque. Esse namorado funciona quase como o narrador de Bastion, mas ele é um pouco mais discreto, porém ainda deixa a sua marca.

Conforme o jogador avança na história e desbloqueia os detalhes do mundo escondidos nas habilidades, ele percebe que a grande temática do jogo é a luta da Red contra o esforço limitador dos Camerata, que cansaram das pessoas sempre querendo variar tudo, mudando a cidade, com diferentes opiniões e escolhas estéticas. Em grande medida, é uma reencenação da própria luta dos desenvolvedores, criando sistemas para lutar contra o princípio limitador do jogador de se ater a poucas opções.

É um dos comentários mais interessantes sobre o próprio desenvolvimento de um jogo dentro dele mesmo, o que tradicionalmente se chama de metacomentário. Nesse sentido, embora de uma forma extremamente velada, Transistor é uma espécie de comentário sobre o desenvolvimento de jogos, sobre o esforço de criar múltiplos padrões e se esforçar para que eles sejam viáveis e interessantes e, para isso, é preciso lutar contra problemas de orçamento e, como o próprio jogo demonstra, até mesmo contra o impulso dos jogadores.

Tudo isso para que as pessoas possam apreciar o jogo. Afinal, não basta o jogo ser genial; em grande medida, é natural que os criadores queiram que o máximo possível de jogadores saibam valorizar o que a sua obra tem de melhor – especialmente numa indústria que depende tanto de um público amplo, como é o caso dos jogos.

Se você não perceber esse metacomentário, a história de Transistor ainda funciona muito bem, embora de uma forma mais simples, como um comentário da luta contra esforço normalizadores da sociedade contra uma chamada contracultura, num ciclo que existe toda vez que culturas diferentes brotam do próprio seio da sociedade. Assim, mesmo que você não perceba os elementos articulados com o design, a história ainda é interessante.

E, por fim, ainda é preciso falar do elemento audiovisual, que mais uma vez é incrível, e também funciona de uma forma articulada com o resto do jogo: a estética de Transistor é absolutamente exuberante, com cores muito impactantes, num ambiente urbano cheio de luzes e brilhos. Se Bastion era marcado por uma estética um tanto oriental, Transistor é a versão urbana ocidental, e ainda mais bela.

Conforme o processo avança, as cores vão sendo substituídas pelo branco e o cinza claro, que funciona como a representação da diversidade e das opções sendo apagadas. Entretanto, cabe ao jogador e à protagonista trazer tudo isso de volta, e você faz isso criando e aplicando as suas escolhas e combinações. Mais uma vez, a estética, a jogabilidade e a história se unem.

Já o som continua funcionando da mesma forma criativa que em Bastion. Se antes a música era reservada para a caracterização de uma personagem muito especial, em Transistor, ela é ligada à protagonista Red, que não pode falar nada, mas pode cantarolar diferentes canções ao longo do jogo. A voz dela é belíssima e as canções são tudo que o jogador ouve enquanto está planejando seus turnos, o que deixa uma marca de simpatia muito grande, mesmo que ela praticamente nunca diga nada.

Assim, os comentários do namorado dentro do Transistor e as canções da Red marcam o jogo e criam uma experiência sonora extremamente agradável, que faz você simpatizar e torcer por esse casal tão interessante.

E era isso que eu queria dizer sobre Transistor. É um jogo absolutamente genial, que consegue juntar mecânicas criativas e complexas e alta customização, e ainda consegue passar uma mensagem sobre o mundo em geral, bem como sobre a realidade muito concreta e específica da criação de jogos. Tudo isso marcado por uma estética belíssima, uma das mais belas que eu já vi num jogo. É algo que precisa ser experimentado para acreditar. Até uma próxima análise!

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Teoria: Jogando no easy



Olá! Eu sou o Asa e hoje é dia de mais um texto de teoria, depois de um bom tempo, aliás. O assunto, no caso, veio à tona quando eu estava fazendo uma breve busca sobre alguns youtubers para o meu último vídeo de indicações e, pesquisando o Zangado, eu acabei achando uma polêmica sobre ele jogar ou não no modo fácil ou muito fácil.

Porém, a questão para mim não é falar do Zangado, claro, e sim de como esse assunto vira uma questão ou polêmica. Afinal, por que jogar no fácil desperta debates e, no caso, desconfianças e estigmas?

Bom, a polêmica de jogar no modo fácil é muito vasta e remonta desde o início dos jogos e de como a nossa sensibilidade foi moldada por essas primeiras experiências. Como se sabe, grande parte dos jogos clássicos, que formaram as primeiras gerações de jogadores e até muitos dos desenvolvedores atuais, são versões de jogos de arcade – ou fliperama, como a gente conheceu por aqui.

A característica de jogos de arcade, como a gente sabe, é ser extremamente desafiadora, de forma que o jogador perca vidas e gaste mais. É claro que o jogo não pode ser intransponível, porque, se for, ninguém vai querer jogar, mas ele também não pode ser muito fácil, por que, se for, ele não arrecada praticamente nada. É um meio termo difícil de alcançar, mas que geralmente pendeu para o lado de ser mais difícil do que acessível.

O resultado disso é que o público de jogos dessa época acabou tendo a sensação de que jogos têm um componente desafiador na sua origem, o que inclusive reverbera até hoje, em discussões sobre jogos que não têm a possibilidade de um game over. Afinal, um jogo em que não se pode perder não faz nenhum sentido na cabeça de quem só conhece o paradigma do arcade.

Em última instância, um segmento específico e bem grande do público de jogos foi formado com essa ideia do desafio inerente ao jogo, e isso acabou se desdobrando em mil critérios a que as pessoas são submetidas para poderem ser levadas a sério numa discussão, por assim dizer. Eu já vi gente falando que só discute sobre um jogo com alguém que já tenha platinado o jogo em questão, ou gente que só aceita opinião de quem passou de uma fase específica de um determinado jogo; a opinião de quem não conseguiu não interessa.

É claro que, quando as pessoas reclamam do caso específico do Zangado, isso se refere ao fato de ele ter feito comentários sobre elementos que seriam alterados por jogar no easy, como a dificuldade dos combates. Entretanto, ninguém costuma questionar a plataforma ou as opções gráficas que ele usa quando fala que um jogo está com gráficos de excelência ou não. Há uma fixação quando o assunto é dificuldade, e isso é porque é um assunto delicado na comunidade.

Eu jogo desde a geração do Super Nintendo e, olhando em retrospecto, é impossível, para mim, negar que jogos foram ficando mais fáceis de finalizar conforme o tempo passou, principalmente por conta do afastamento da estética do arcade: a mecânica de vidas e continues foi praticamente abandonada; pontos de salvamento do jogo são abundantes e, dependendo do jogo, até livres para acontecer em qualquer momento; a história foi ganhando mais destaque, e mortes prejudicariam o ritmo dela, etc. O lado do desafio, das regras feitas para o jogador ter que treinar para superar algo realmente complicado, foi ficando relegado a determinados gêneros e séries.

Meu primeiro jogo de Super Nintendo foi Mortal Kombat II, e até hoje eu nunca consegui finalizar, mesmo no muito fácil; mas eu já consegui vencer o modo arcade de Mortal Kombat IX no modo muito difícil. O primeiro jogo que eu finalizei foi Donkey Kong Country. Na geração seguinte, eu consegui zerar muitos mais. E hoje em dia eu finalizo 98% dos jogos que eu jogo. Há sempre um Binding of Isaac no meu caminho, mas, como eu falei, jogos desse tipo são a exceção e, em grande medida, o fato de eles serem difíceis acaba até entrando no marketing deles como um diferencial, como ficou bem claro no caso de Dark Souls.

É claro que isso inevitavelmente acabou dando espaço para pessoas da minha geração se ressentirem com essa mudança, e criticarem a forma como os jogos são feitos hoje, e até os jogadores atuais; então, os jogos de hoje são fracos, ruins, medíocres; os jogadores mais novos são uma “geração leite com pera”, chorões e casuais. São coisas que a gente ouve e lê todos os dias em espaços que discutem jogos.

Toda mudança deixa um público ressentido, um público abandonado, em torno de quem a indústria costumava girar e da qual ela agora se afasta. Mas, a verdade é que hoje, embora esse público não seja o centro das atenções, ainda há diversos títulos dedicados a ele, como o próprio Binding of Isaac de que eu falei agora há pouco. É só uma questão de ter uma posição meio de escanteio, e que certamente machuca quando tantos e tantos jogos costumavam ser feitos só para você. E, se você somar isso à frequente rejeição dos jogos indies, o sentimento de abandono pode ficar ainda maior.

Sobre isso, eu não sei como reverter, e até gostaria da opinião de vocês. Como lidar com um público ressentido pela falta de jogos dedicados à sua sensibilidade? Logo esse público que, até outro dia, era considerado o mais dedicado, o mais especializado, o mais gamer de todos. Como lidar com a hostilidade que muitas vezes ele acaba dedicando aos jogadores que só querem aproveitar os jogos atuais?

Na minha opinião, não há nada a fazer a não ser esse público mais habituado ao desafio entender que hoje ele realmente não é mais a prioridade, mas que isso não é culpa de ninguém, e que o público maior de jogos hoje é bem outro; nem melhor, nem pior, só outro. E, sabendo procurar, ele vai encontrar jogos indies extremamente desafiadores, às vezes um ou outro de uma grande empresa, e até os multiplayer, cuja dificuldade é inteiramente dependente de outro jogador. Afinal, um dos grandes gêneros vindos do arcade é o de luta e ele persiste tão desafiador quanto era antes, pelo menos no multiplayer.

Agora, esse primeiro lado de que eu falei é uma questão sociológica, digamos assim, da relação entre os membros de uma mesma comunidade. Mas, há também uma questão estética igualmente interessante. Afinal, o design de combates e do desafio são aspectos centrais na hora de desenvolver a imensa maioria dos jogos. Há um balanceamento delicado na hora de criar o jogo e ele desempenha um papel central na construção de uma experiência específica.

Morrer e matar com facilidade é um aspecto central em Hotline Miami, porque cria a sensação frenética de olhar por todos os lados e reagir rápido, numa mistura de fúria e medo. A desolação e o terror característicos de Bloodborne e Dark Souls não seriam os mesmos se fosse muito fácil passar pelo jogo. Ao mesmo tempo, um jogo como ABZÛ pode ficar truncado demais com muitos fracassos ou muito tempo parado pensando numa solução para um puzzle, e isso atrapalharia a experiência.

Portanto, a questão principal sobre dificuldade em termos de estética é: escolher dificuldades diferentes poderia acabar fazendo da experiência algo pior? Em alguns casos, como eu acabei de comentar, poderia, sim. Certos jogos não seriam os mesmos, e perderiam na construção da sua experiência. Mas, nesse caso, isso valeria tanto para modos mais fáceis, quanto para mais difíceis.

Essa questão, infelizmente, é muito complicada, porque os próprios desenvolvedores podem errar a mão na hora de criar os desafios, e o peso homogeneizador da indústria pode pesar a mão e levar a mudanças que se afastam do propósito da experiência. Será que, quando um desafio é diminuído por conta de um patch, isso se deu porque os desenvolvedores não queriam que fosse tão difícil, ou eles só estão respondendo às críticas?

Em certos casos, ainda, a dificuldade padrão não é a tida como ideal pelo desenvolvedor. Quando você finaliza o modo mais difícil de Furi, uma mensagem te agradece por ter jogado da forma como o jogo deveria ser jogado. Mas, até então, nada apontava isso. O instinto do jogador é passar pelo modo normal, considerando-o a experiência pretendida pelo desenvolvedor, e não vê-lo como um tutorial gigante para os modos mais difíceis.

Isso nos leva, finalmente, a um ponto de vista meio fatalista. A não ser que o desenvolvedor especifique, nunca é absolutamente certo qual é a dificuldade pretendida pelo jogo. E, mesmo que esteja especificado, isso não quer dizer que ela esteja balanceada corretamente, ou, ainda, que as suas habilidades estejam no mesmo nível do pretendido pelo desenvolvedor. Em alguns casos, estão acima; em outros, abaixo. Eu sou uma negação em jogos de luta, então para mim é sempre meio complicado; em jogos da série Souls, foi ficando cada vez mais fácil, porque eu já tinha experiência com as mecânicas. Bloodborne não é um jogo muito difícil para mim, mas é para alguém que começou a jogar os games da série com ele.

Portanto, eu ainda dou prioridade para o modo que o desenvolvedor considera o padrão, mas é perfeitamente aceitável para mim que outro jogador escolha um modo mais rigoroso e outro, um mais tranquilo. Provavelmente o resultado serão três experiências diferentes, mas o fato é que nós somos três jogadores diferentes e, sendo os jogos uma mídia que depende de interação, nada mais natural que, com três jogadores, surjam três experiências distintas.

E era isso que eu queria dizer sobre a dificuldade em jogos. E você, o que acha sobre o aspecto sociológico e o estético? Dê sua opinião e vamos discutir. E até uma próxima análise!

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Indicando youtubers estrangeiros



Olá! Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje eu quero fazer algo meio diferente do conteúdo que eu geralmente produzo aqui no canal, mas é algo de que eu sinto falta, e talvez vocês também sintam. No caso, eu gostaria de falar um pouco sobre alguns outros canais que eu sigo quando eu quero discutir e entender melhor os jogos e as questões da indústria.

Primeiro, a pergunta principal que eu fiz a mim mesmo é por que falar de um assunto desses. E essa vontade surgiu num momento em que eu percebi que grande parte das pessoas que eu acompanhava quando eu comecei a assistir vídeos sobre jogos não está mais produzindo coisas, ou então mudou o seu conteúdo radicalmente.

Acho que os brasileiros foram os que mais sofreram com isso. Meus colegas dos canais Gameempauta, NewChallengeSeries, Romain e outros já não publicam nada. Aliás, eu voltei ao canal deles só para conferir quanto tempo havia desde o último vídeo e o resultado foi que eu acabei me sentindo muito velho.

Outros canais mudaram um pouco o seu foco, se diversificaram, cresceram e mudaram. Eu conheci o canal do Zangado, por exemplo, naquele tempo das sagas, e hoje o tipo de vídeo que ele mais faz é algo que não me atrai e acabou me afastando. O Ludobardo deve estar muito ocupado com a Fableware, o que é ótimo, mas eu sinto falta dos vídeos que ele produzia e pelos quais eu o conheci.

Vale dizer que eu não estou criticando ninguém por esse movimento de mudar ou de largar a produção para o YouTube. Eu mesmo postava vídeos toda semana e hoje luto para fazer um por mês e, na verdade, acabo fracassando com frequência nessa meta. A vida muda, novos interesses e obrigações surgem e a gente precisa estabelecer prioridades. A verdade é que o YouTube não é a profissão de nenhuma das pessoas que eu mencionei, é difícil viver disso no Brasil e eu não me sinto traído ou injustiçado por isso. A gente escolhe o conteúdo que faz e aproveita as oportunidades que a vida oferece.

Enfim, fora daqui as coisas não são tão diferentes. Ou melhor: as coisas são diferentes, mas os efeitos são mais ou menos parecidos. Os youtubers de língua inglesa que eu acompanhava quando eu comecei hoje fazem algo bem diferente. Se você me perguntasse, há uns 3 anos, quais canais eu recomendaria seguir, eu indicaria principalmente o Angry Joe, TotalBiscuit e Projared, mas a realidade é que esses canais foram lentamente se encaminhando para outros formatos, principalmente o streaming.

O Twitch certamente é uma plataforma mais rentável e segura do que o YouTube, e permite um conteúdo produzido muito mais rápido, em maior quantidade e tão ou mais monetizável que as análises clássicas que esses canais produziam e produzem, embora agora em menor quantidade.

Há muito a ser dito sobre esse novo formato, principalmente sobre o fato de que, aumentando a frequência e o tamanho das produções, o produtor consegue fazer o fã assistir a cada vez mais conteúdo de um único canal e, em última instância, isso o impede de diversificar seus gostos, já que há tanto conteúdo sendo produzido pelo youtuber favorito dele, que acaba sendo difícil dar atenção a outros. Afinal, o dia só tem 24 horas. Mas, isso não vem ao caso hoje.

O fato é que essas mudanças me afastaram dos youtubers que eu seguia quando eu ingressei na cena, em idos de 2012, há quase cinco anos, meu Deus. Felizmente, outros foram surgindo, graças, em grande parte, ao Patreon, que permite que um conjunto dedicado de fãs doe diretamente ao produtor de conteúdo, o qual, assim, consegue meios de se sustentar.

Eu vejo esse modelo mais bem-sucedido com pessoas que fazem vídeos em inglês, em grande parte porque eles têm um público muito maior do que os brasileiros conseguiriam. Afinal, aqui estou eu, no Brasil, pronto para falar de youtubers que falam de países como Irlanda, Inglaterra, Canadá e Estados Unidos.

Além do mar de pessoas que fala inglês como língua materna, eles também dispõem de uma multidão que sabe inglês como segunda língua, o que é quase uma necessidade para pessoas da minha geração que acompanham jogos, já que quase não havia traduções quando a gente começou a jogar.

O fato é que hoje eu praticamente só acompanho youtubers que produzem em inglês, e eu gostaria de indicá-los a vocês, para o caso de vocês saberem inglês e quererem conhecer alguns formatos e argumentos diferentes dos meus. Eu espero que interesse.

Mas, antes de eu chegar a isso, eu gostaria de pedir algo em troca. Não, não é um like ou algo assim. É que você, caso conheça algum youtuber, ou blogger ou um podcast em português que trate jogos de uma forma um pouco mais profunda do que o tradicional guia de jogos de que eu já falei em outros vídeos, por favor, indique para mim e para os outros inscritos nos comentários. Eu não acompanho as coisas em inglês porque eu sou esnobe, mas sim porque eu acabei trombando com eles meio sem querer e ultimamente tem faltado tempo para procurar no escuro. Por isso, eu ficaria agradecido com sugestões.

Dito isso, vamos lá. Eu gostaria de falar brevemente de cinco canais. Eu não pretendo dissecar o método de ninguém aqui, mas simplesmente fazer uma apresentação rápida sobre o tipo de conteúdo que cada um desses canais produz e por que eu o acompanho. Então é uma coisa muito pessoal e incompleta. Se você já conhece algum deles e achar que eu não estou fazendo justiça, fique à vontade para corrigir ou completar a minha fala nos comentários.

O primeiro canal que eu destaco é o irlandês Matthewmatosis. É um canal dedicado a comentários profundos sobre jogos. E, quando eu digo “profundos”, eu quero dizer que ele se dedica aos detalhes das produções, e procura discorrer sem pressa nenhuma sobre como cada uma das peças se integra para formar um jogo interessante.

Não à toa, ele é o responsável por popularizar (e talvez até criar) um formato que eu chamo de “guia”, em que ele passa por parte por parte de um jogo ou de uma série, discutindo a relação entre os diversos elementos que compõem essas obras. São vídeos geralmente muito longos e até um pouco cansativos, mas a quantidade de informação e interpretação obtida é muito enriquecedora, mesmo que você acabe discordando de vários aspectos.

Por conta da extensão dos vídeos, é um canal que tem quase a mesma idade que o meu, mas só tem quase um quarto de vídeos postados. É normal esses vídeos serem muito longos, com alguns alcançando várias horas. No entanto, há informações de todo tipo, então muito pouco ali pode ser considerado filler.

O segundo canal que eu destaco é, para mim, quase um irmão mais novo do Matthewmatosis, e é o canadense Joseph Anderson. O Joseph procura fazer um trabalho muito parecido com o do Matthew, inclusive bem próximo do modelo de “guia”, mas eu o considero um pouco mais metódico, e com opiniões um pouco mais extremadas. Muitas vezes ele me dá uma impressão de que ele pesquisa tanto, junta tantas informações e elementos, que é difícil para ele ver a possibilidade de estar errado. Na lista de youtubers que eu vou mencionar, ele é certamente o que encara o canal de forma mais estritamente profissional.

Apesar de se dedicar muito às mecânicas, eu considero o canal do Joseph mais destacado no quesito história. Acho que ele realmente presta atenção, respeita e procura entender as tramas dos jogos, embora ele também deixe bem claro quando não gosta de algo, sem necessariamente tentar ver um outro lado da experiência. Mas, como eu disse, este é um daqueles casos em que, mesmo quando você não concorda com os argumentos dele, você acaba aprendendo alguma coisa no processo.

O terceiro que eu vou destacar é o canal americano Errant Signal, que para mim, junto com os outros dois que virão, tem um formato bem diferente do “guia”. Eles se destacam pelo formato do “ensaio”, ou seja, eles procuram um assunto específico e tratam dele o máximo que podem, em busca de uma discussão interessante. Em grande medida, eu me identifico muito mais com o trabalho deles do que com os dos dois primeiros.

O Errant Signal é muito mais dedicado a jogos indie do que aos blockbusters de que a maioria fala e, por isso, ele é excepcional quando o assunto é conhecer coisas novas e interessantes. O fato de escolher jogos menores e mais curtos casa perfeitamente com a ideia de fazer vídeos mais breves e com um assunto só, já que muitos indies estão em condições de serem analisados nesse formato, considerando que muitos deles procuram criar experiências altamente concentradas e objetivas, focadas em poucos aspectos. Mas, você também vai encontrar vídeos sobre jogos de publishers; a diferença é que eles serão tratados com um foco muito maior do que os vídeos de “guia”.

A quarta indicação é o canal inglês Mark Brown, que produz a série “Game Maker’s Toolkit”, ou “Caixa de Ferramentas do Desenvolvedor de Jogos”. Também no formato de ensaio, esse canal, além das análises de um jogo só, procura questões um pouco mais gerais, muitas vezes partindo de um jogo só para alcançar discussões sobre gêneros ou mesmo sobre level design ou inteligência artificial, ou seja, mesmo quando o tema do vídeo é sobre um jogo específico, muitas vezes a discussão se encaminha para assuntos muito mais amplos do que o esperado.

A quinta indicação é uma que eu conheci recentemente, o canal canadense Folding Ideas, que tem como foco maior a estrutura de filmes, mas que vez por outra fala também de jogos, e esses vídeos sobre jogos são do mesmo nível dos grandes canais dedicados só a jogos.

Se eu fosse trilhar um espectro desses três ensaístas, eu diria que o Errant Signal é o mais autoral, mais pessoal, e o Folding Ideas é o de tom mais acadêmico, que soa mais como as discussões que você encontraria se um dia houvesse uma discussão ampla sobre jogos na universidade. Já o Mark Brown seria um meio termo.

Os vídeos usam os jogos bem mais como trampolins para questões gerais, e isso é bem interessante para a compreensão de game design, mas talvez não tanto para jogos individualmente.

E essas são as cinco indicações que eu queria fazer. Para fechar, menções honrosas também aos canais Super BunnyHop, que, apesar de interessante, pesa ainda para o guia de compras um pouco mais do que eu gostaria, e também ao Extra Credits, que provavelmente não entrou aqui só porque eu não queria que o vídeo ficasse longo demais.

Por favor, não deixe de indicar as coisas interessantes que você conhece, especialmente se forem em português. E, caso vá conhecer os canais que eu indiquei, me diga depois o que achou. E até a próxima análise!