sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Teoria: Jogando no easy



Olá! Eu sou o Asa e hoje é dia de mais um texto de teoria, depois de um bom tempo, aliás. O assunto, no caso, veio à tona quando eu estava fazendo uma breve busca sobre alguns youtubers para o meu último vídeo de indicações e, pesquisando o Zangado, eu acabei achando uma polêmica sobre ele jogar ou não no modo fácil ou muito fácil.

Porém, a questão para mim não é falar do Zangado, claro, e sim de como esse assunto vira uma questão ou polêmica. Afinal, por que jogar no fácil desperta debates e, no caso, desconfianças e estigmas?

Bom, a polêmica de jogar no modo fácil é muito vasta e remonta desde o início dos jogos e de como a nossa sensibilidade foi moldada por essas primeiras experiências. Como se sabe, grande parte dos jogos clássicos, que formaram as primeiras gerações de jogadores e até muitos dos desenvolvedores atuais, são versões de jogos de arcade – ou fliperama, como a gente conheceu por aqui.

A característica de jogos de arcade, como a gente sabe, é ser extremamente desafiadora, de forma que o jogador perca vidas e gaste mais. É claro que o jogo não pode ser intransponível, porque, se for, ninguém vai querer jogar, mas ele também não pode ser muito fácil, por que, se for, ele não arrecada praticamente nada. É um meio termo difícil de alcançar, mas que geralmente pendeu para o lado de ser mais difícil do que acessível.

O resultado disso é que o público de jogos dessa época acabou tendo a sensação de que jogos têm um componente desafiador na sua origem, o que inclusive reverbera até hoje, em discussões sobre jogos que não têm a possibilidade de um game over. Afinal, um jogo em que não se pode perder não faz nenhum sentido na cabeça de quem só conhece o paradigma do arcade.

Em última instância, um segmento específico e bem grande do público de jogos foi formado com essa ideia do desafio inerente ao jogo, e isso acabou se desdobrando em mil critérios a que as pessoas são submetidas para poderem ser levadas a sério numa discussão, por assim dizer. Eu já vi gente falando que só discute sobre um jogo com alguém que já tenha platinado o jogo em questão, ou gente que só aceita opinião de quem passou de uma fase específica de um determinado jogo; a opinião de quem não conseguiu não interessa.

É claro que, quando as pessoas reclamam do caso específico do Zangado, isso se refere ao fato de ele ter feito comentários sobre elementos que seriam alterados por jogar no easy, como a dificuldade dos combates. Entretanto, ninguém costuma questionar a plataforma ou as opções gráficas que ele usa quando fala que um jogo está com gráficos de excelência ou não. Há uma fixação quando o assunto é dificuldade, e isso é porque é um assunto delicado na comunidade.

Eu jogo desde a geração do Super Nintendo e, olhando em retrospecto, é impossível, para mim, negar que jogos foram ficando mais fáceis de finalizar conforme o tempo passou, principalmente por conta do afastamento da estética do arcade: a mecânica de vidas e continues foi praticamente abandonada; pontos de salvamento do jogo são abundantes e, dependendo do jogo, até livres para acontecer em qualquer momento; a história foi ganhando mais destaque, e mortes prejudicariam o ritmo dela, etc. O lado do desafio, das regras feitas para o jogador ter que treinar para superar algo realmente complicado, foi ficando relegado a determinados gêneros e séries.

Meu primeiro jogo de Super Nintendo foi Mortal Kombat II, e até hoje eu nunca consegui finalizar, mesmo no muito fácil; mas eu já consegui vencer o modo arcade de Mortal Kombat IX no modo muito difícil. O primeiro jogo que eu finalizei foi Donkey Kong Country. Na geração seguinte, eu consegui zerar muitos mais. E hoje em dia eu finalizo 98% dos jogos que eu jogo. Há sempre um Binding of Isaac no meu caminho, mas, como eu falei, jogos desse tipo são a exceção e, em grande medida, o fato de eles serem difíceis acaba até entrando no marketing deles como um diferencial, como ficou bem claro no caso de Dark Souls.

É claro que isso inevitavelmente acabou dando espaço para pessoas da minha geração se ressentirem com essa mudança, e criticarem a forma como os jogos são feitos hoje, e até os jogadores atuais; então, os jogos de hoje são fracos, ruins, medíocres; os jogadores mais novos são uma “geração leite com pera”, chorões e casuais. São coisas que a gente ouve e lê todos os dias em espaços que discutem jogos.

Toda mudança deixa um público ressentido, um público abandonado, em torno de quem a indústria costumava girar e da qual ela agora se afasta. Mas, a verdade é que hoje, embora esse público não seja o centro das atenções, ainda há diversos títulos dedicados a ele, como o próprio Binding of Isaac de que eu falei agora há pouco. É só uma questão de ter uma posição meio de escanteio, e que certamente machuca quando tantos e tantos jogos costumavam ser feitos só para você. E, se você somar isso à frequente rejeição dos jogos indies, o sentimento de abandono pode ficar ainda maior.

Sobre isso, eu não sei como reverter, e até gostaria da opinião de vocês. Como lidar com um público ressentido pela falta de jogos dedicados à sua sensibilidade? Logo esse público que, até outro dia, era considerado o mais dedicado, o mais especializado, o mais gamer de todos. Como lidar com a hostilidade que muitas vezes ele acaba dedicando aos jogadores que só querem aproveitar os jogos atuais?

Na minha opinião, não há nada a fazer a não ser esse público mais habituado ao desafio entender que hoje ele realmente não é mais a prioridade, mas que isso não é culpa de ninguém, e que o público maior de jogos hoje é bem outro; nem melhor, nem pior, só outro. E, sabendo procurar, ele vai encontrar jogos indies extremamente desafiadores, às vezes um ou outro de uma grande empresa, e até os multiplayer, cuja dificuldade é inteiramente dependente de outro jogador. Afinal, um dos grandes gêneros vindos do arcade é o de luta e ele persiste tão desafiador quanto era antes, pelo menos no multiplayer.

Agora, esse primeiro lado de que eu falei é uma questão sociológica, digamos assim, da relação entre os membros de uma mesma comunidade. Mas, há também uma questão estética igualmente interessante. Afinal, o design de combates e do desafio são aspectos centrais na hora de desenvolver a imensa maioria dos jogos. Há um balanceamento delicado na hora de criar o jogo e ele desempenha um papel central na construção de uma experiência específica.

Morrer e matar com facilidade é um aspecto central em Hotline Miami, porque cria a sensação frenética de olhar por todos os lados e reagir rápido, numa mistura de fúria e medo. A desolação e o terror característicos de Bloodborne e Dark Souls não seriam os mesmos se fosse muito fácil passar pelo jogo. Ao mesmo tempo, um jogo como ABZÛ pode ficar truncado demais com muitos fracassos ou muito tempo parado pensando numa solução para um puzzle, e isso atrapalharia a experiência.

Portanto, a questão principal sobre dificuldade em termos de estética é: escolher dificuldades diferentes poderia acabar fazendo da experiência algo pior? Em alguns casos, como eu acabei de comentar, poderia, sim. Certos jogos não seriam os mesmos, e perderiam na construção da sua experiência. Mas, nesse caso, isso valeria tanto para modos mais fáceis, quanto para mais difíceis.

Essa questão, infelizmente, é muito complicada, porque os próprios desenvolvedores podem errar a mão na hora de criar os desafios, e o peso homogeneizador da indústria pode pesar a mão e levar a mudanças que se afastam do propósito da experiência. Será que, quando um desafio é diminuído por conta de um patch, isso se deu porque os desenvolvedores não queriam que fosse tão difícil, ou eles só estão respondendo às críticas?

Em certos casos, ainda, a dificuldade padrão não é a tida como ideal pelo desenvolvedor. Quando você finaliza o modo mais difícil de Furi, uma mensagem te agradece por ter jogado da forma como o jogo deveria ser jogado. Mas, até então, nada apontava isso. O instinto do jogador é passar pelo modo normal, considerando-o a experiência pretendida pelo desenvolvedor, e não vê-lo como um tutorial gigante para os modos mais difíceis.

Isso nos leva, finalmente, a um ponto de vista meio fatalista. A não ser que o desenvolvedor especifique, nunca é absolutamente certo qual é a dificuldade pretendida pelo jogo. E, mesmo que esteja especificado, isso não quer dizer que ela esteja balanceada corretamente, ou, ainda, que as suas habilidades estejam no mesmo nível do pretendido pelo desenvolvedor. Em alguns casos, estão acima; em outros, abaixo. Eu sou uma negação em jogos de luta, então para mim é sempre meio complicado; em jogos da série Souls, foi ficando cada vez mais fácil, porque eu já tinha experiência com as mecânicas. Bloodborne não é um jogo muito difícil para mim, mas é para alguém que começou a jogar os games da série com ele.

Portanto, eu ainda dou prioridade para o modo que o desenvolvedor considera o padrão, mas é perfeitamente aceitável para mim que outro jogador escolha um modo mais rigoroso e outro, um mais tranquilo. Provavelmente o resultado serão três experiências diferentes, mas o fato é que nós somos três jogadores diferentes e, sendo os jogos uma mídia que depende de interação, nada mais natural que, com três jogadores, surjam três experiências distintas.

E era isso que eu queria dizer sobre a dificuldade em jogos. E você, o que acha sobre o aspecto sociológico e o estético? Dê sua opinião e vamos discutir. E até uma próxima análise!

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