Olá! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Transistor, jogo da Supergiant Games
lançado em 2014 para PC e PS4 e para iOS em 2015. Transistor foi o jogo feito pela
Supergiant logo após Bastion, de que
eu também já falei. Eu pretendo retomar algumas das coisas que eu
falei lá, então, se você estiver disposto, eu recomendo checar esse outro texto, caso você não tenha visto ainda. O fato é que Transistor refina alguns detalhes de Bastion, mas apresenta inovações extremamente interessantes para
criar, mais uma vez, uma experiência altamente customizável e unificada, o que
resulta em algo muito poderoso.
Como
Bastion, Transistor é um jogo de RPG de ação com câmera isométrica, mas, em
termos de jogabilidade, as semelhanças acabam aí. Se Bastion era um jogo 100% em tempo real, Transistor propõe uma mecânica que mistura tempo real e turnos: o
jogador pode ativar seu turno, o que efetivamente faz o tempo parar. Com isso,
ele pode escolher uma série de ações, cada uma com um gasto específico de uma
barra de turno.
Após o jogador escolher
suas ações, elas são executadas de uma vez, e aí o jogador entra num período de
recuperação que se dá em tempo real. Embora ele possa executar algumas ações
nesse tempo de recuperação, ele é principalmente usado para escapar de ameaças
enquanto o turno recarrega e para armar estratégias para executar no próximo
turno – por exemplo, atrair o máximo de inimigos para um lugar só, para usar
uma habilidade que causa muito dano de só uma vez num determinado espaço.
Teoricamente, eu acho
que o jogador poderia jogar apenas com o tempo real, mas isso é muito difícil
por conta da quantidade de inimigos que atacam. Na grande maioria das vezes, o
jogador está cercado por inimigos com diversos padrões e é necessário utilizar
o turno para conseguir uma chance de abatê-los numa ordem vantajosa ao jogador.
A escolha de misturar
tempo real e turnos é algo absolutamente genial e que expande muito a proposta
da Supergiant de criar um jogo extremamente customizável, que você pode tornar
no que quiser. Agora tanto fãs de jogos em tempo real quanto os de jogos em
turnos vão poder ter um pedaço da experiência dedicado a si, sem poder descuidar
do outro extremo.
Por exemplo: é
fundamental planejar o turno para vencer os inimigos, mas, quando um deles é
executado, o jogador precisa coletar a sua forma primitiva rápido; do
contrário, ele volta com vida total, e, muitas vezes, isso significa que isso
terá que ser feito mais rápido do que o turno pode recarregar, então é
necessário coletar em tempo real, desviando dos inimigos como possível.
Mas, não é só isso,
claro. Há uma quantidade bem grande de habilidades para o jogador escolher,
variando de opções de ataque de proximidade, até ataques a distância, ataques a
uma área inteira, etc. Mas, no interesse de tornar as coisas ainda mais
variadas do que a gente vê em Bastion,
Transistor cria um sistema de
combinações de habilidades que torna a experimentação ainda mais interessante.
Toda habilidade tem três funções: ela pode ser usada como uma arma, ou como um buff para outra arma, conferindo alguma
habilidade extra, ou como uma habilidade passiva para a protagonista.
Assim, dentro de um
limite de habilidades que o jogador pode equipar ao mesmo tempo, o jogador pode
combinar de inúmeras formas as mesmas habilidades e criar efeitos completamente
distintos. Isso é especialmente importante porque a combinação de inimigos que
o jogo coloca em cada combate pode exigir maior enfoque em certo tipo de
habilidade do que em outro.
Além disso, ao passar
de nível e ganhar uma nova habilidade, o jogador também ganha um novo
limitador, que é o equivalente dos deuses do altar de Bastion, ou seja, algumas opções que o jogador pode habilitar para
deixar os combates mais difíceis em troca de mais pontos de experiência. Com
isso, caso o jogador esteja entediado com o nível de dificuldade básico, ele
pode fazer inimigos virem em maior número, ou mais resistentes, ou com a
capacidade de reaparecer mais rápido. Em troca, ele consegue habilidades mais rapidamente.
É uma troca interessante e que torna o jogo muito mais flexível no tocante ao
desafio, o que retoma um pouco a nossa conversa no último vídeo.
De fato, o tratamento
da dificuldade é uma das coisas mais interessantes em Transistor, porque mesmo ela é voltada para a ideia de fazer o
jogador experimentar as diferentes habilidades e possibilidades de
customização. Quando a protagonista fica sem HP, o jogador perde uma habilidade
aleatória, e precisa se virar sem ela para vencer os inimigos daquela rodada.
Se ela ficar sem HP de novo, lá se vai outra habilidade, até que não reste
nenhuma, e aí o jogador tem que refazer o encontro do zero.
Caso o jogador vença
após perder habilidades, elas ficam bloqueadas por um tempo, até o jogador
passar por, pelo menos, mais um combate, o que significa que ele vai precisar
bolar outra estratégia, o que muitas vezes demanda criar combinações
completamente novas. É claro que, em situações normais, o jogador sempre vai
usar as habilidades em que ele confia mais e, quando ele perde alguma delas,
ele vai precisar repensar as opções, o que é exatamente a ideia num jogo como Transistor.
Certamente o pessoal da
Supergiant tinha muito orgulho das suas combinações de habilidades e acreditava
que o sistema era uma das melhores coisas que o jogo pode oferecer. Porém,
falando da minha própria experiência, é bem normal um jogador se acomodar a um
estilo que seja agradável e familiar. Eu tendo a jogar como mago ou arqueiro em
RPGs, e gosto de snipers em shooters, e eu raramente saio desse
padrão se eu tenho a opção de mantê-lo. Se eu jogo um game baseado em múltiplas opções, talvez eu só veja uma parte
limitada do jogo.
Transistor
evita isso através do uso da dificuldade e da mecânica de derrota. Assim, a
derrota permite ao desenvolvedor moldar a experiência do jogador exatamente da
forma como ele quer. Se o jogador, ainda, ativar alguns limitadores que
bloqueiam por ainda mais tempo as habilidades perdidas, isso só deixa ainda
mais clara a intenção dos desenvolvedores, e é seguindo esse fluxo que o jogo
se mostra mais genial e interessante.
Um exemplo semelhante desse
procedimento é Demon’s Souls, com a
dinâmica de world tendency: a cada
vez que o jogador perde enquanto está na forma humana, que lhe dá mais HP, a
fase vai se encaminhando para black
tendency. Ao chegar no máximo, inimigos mais fortes aparecem na fase, o que
torna tudo ainda mais difícil.
Pode parecer completa
loucura, e eu seriamente pensei em abandonar o jogo quando eu me defrontei com
esses inimigos mais fortes, mas é algo que funciona para o jogador proceder
exatamente como o desenvolvedor quer, sem que isso pareça guiado. No caso, Demon’s Souls quer que o jogador, por
conta disso, abandone um estilo pouco cauteloso, faça apenas escolhas seguras e
se concentre em entender melhor os meandros do combate. E, no caso de mesmo
isso falhar, ele sempre pode ir para outra fase, em que a world tendency é mais favorável, e ganhar mais níveis e habilidades
para enfrentar o desafio mais tarde.
Graças a mecânicas
desse tipo, eu experimentei em Transistor
muito mais do que em Bastion e,
somando isso ao sistema de combate que, para mim, é extremamente prazeroso, o
jogo acabou sendo algo muito mais interessante e rico, e eu comecei outra playthrough imediatamente após terminar
a primeira.
Mas, não contente com
usar as mecânicas da dificuldade e da derrota para guiar o jogador a
experimentar a multiplicidade de habilidades possíveis, o jogo ainda atrela a
própria história a essa experimentação. Cada habilidade é uma representação de
um personagem do mundo do jogo e cada pedaço da história desse personagem é
desbloqueado conforme o jogador usa a habilidade em diferentes funções: como arma
principal, ou como buff e como
habilidade passiva. Mesmo os inimigos são ligados aos limitadores, que expandem
a dificuldade, e ativá-los desbloqueia alguns detalhes sobre os inimigos.
Assim, o jogo une o
máximo de suas partes para criar uma experiência altamente dinâmica e
interessante, que vicia o jogador muito mais rápido do que se imagina e se
mantém nova por toda a trajetória. Em grande medida, Transistor é um prodígio de consciência dos desenvolvedores sobre
as funções possíveis de cada parte que compõe um jogo e, do mesmo jeito que o
jogador, eles escolheram combinar as possibilidades da melhor forma para criar
algo com resultados poderosos.
Incrivelmente, os
desenvolvedores ainda colocaram a própria discussão sobre essas mecânicas na
própria história. Sem dar muitos spoilers,
a história de Transistor tem alguma
semelhança com a de Bastion, em que
um evento específico desencadeou consequências apocalípticas. No caso, uma
forma de vida chamada “processo” está se apoderando da realidade e dos seres da
cidade de Cloudbank, seguindo os desígnios de um grupo da elite chamado
Camerata.
A cantora e
protagonista Red é atacada pelos Camerata, mas o seu namorado acaba entrando na
frente do ataque, que é desferido com uma estranha espada, chamada Transistor,
capaz de absorver de alguma forma a alma das pessoas e, com isso, ela acaba
absorvendo a alma do namorado da Red que, de alguma forma, acaba assumindo o
papel de dialogar com ela, que se tornou muda após o ataque. Esse namorado
funciona quase como o narrador de Bastion,
mas ele é um pouco mais discreto, porém ainda deixa a sua marca.
Conforme o jogador
avança na história e desbloqueia os detalhes do mundo escondidos nas
habilidades, ele percebe que a grande temática do jogo é a luta da Red contra o
esforço limitador dos Camerata, que cansaram das pessoas sempre querendo variar
tudo, mudando a cidade, com diferentes opiniões e escolhas estéticas. Em grande
medida, é uma reencenação da própria luta dos desenvolvedores, criando sistemas
para lutar contra o princípio limitador do jogador de se ater a poucas opções.
É um dos comentários
mais interessantes sobre o próprio desenvolvimento de um jogo dentro dele
mesmo, o que tradicionalmente se chama de metacomentário. Nesse sentido, embora
de uma forma extremamente velada, Transistor
é uma espécie de comentário sobre o desenvolvimento de jogos, sobre o esforço
de criar múltiplos padrões e se esforçar para que eles sejam viáveis e
interessantes e, para isso, é preciso lutar contra problemas de orçamento e,
como o próprio jogo demonstra, até mesmo contra o impulso dos jogadores.
Tudo isso para que as
pessoas possam apreciar o jogo. Afinal, não basta o jogo ser genial; em grande
medida, é natural que os criadores queiram que o máximo possível de jogadores
saibam valorizar o que a sua obra tem de melhor – especialmente numa indústria
que depende tanto de um público amplo, como é o caso dos jogos.
Se você não perceber esse
metacomentário, a história de Transistor
ainda funciona muito bem, embora de uma forma mais simples, como um comentário
da luta contra esforço normalizadores da sociedade contra uma chamada
contracultura, num ciclo que existe toda vez que culturas diferentes brotam do
próprio seio da sociedade. Assim, mesmo que você não perceba os elementos
articulados com o design, a história
ainda é interessante.
E, por fim, ainda é
preciso falar do elemento audiovisual, que mais uma vez é incrível, e também
funciona de uma forma articulada com o resto do jogo: a estética de Transistor é absolutamente exuberante,
com cores muito impactantes, num ambiente urbano cheio de luzes e brilhos. Se Bastion era marcado por uma estética um
tanto oriental, Transistor é a versão
urbana ocidental, e ainda mais bela.
Conforme o processo
avança, as cores vão sendo substituídas pelo branco e o cinza claro, que
funciona como a representação da diversidade e das opções sendo apagadas.
Entretanto, cabe ao jogador e à protagonista trazer tudo isso de volta, e você
faz isso criando e aplicando as suas escolhas e combinações. Mais uma vez, a
estética, a jogabilidade e a história se unem.
Já o som continua
funcionando da mesma forma criativa que em Bastion.
Se antes a música era reservada para a caracterização de uma personagem muito
especial, em Transistor, ela é ligada
à protagonista Red, que não pode falar nada, mas pode cantarolar diferentes
canções ao longo do jogo. A voz dela é belíssima e as canções são tudo que o
jogador ouve enquanto está planejando seus turnos, o que deixa uma marca de
simpatia muito grande, mesmo que ela praticamente nunca diga nada.
Assim, os comentários
do namorado dentro do Transistor e as canções da Red marcam o jogo e criam uma
experiência sonora extremamente agradável, que faz você simpatizar e torcer por
esse casal tão interessante.
E era isso que eu
queria dizer sobre Transistor. É um
jogo absolutamente genial, que consegue juntar mecânicas criativas e complexas
e alta customização, e ainda consegue passar uma mensagem sobre o mundo em
geral, bem como sobre a realidade muito concreta e específica da criação de
jogos. Tudo isso marcado por uma estética belíssima, uma das mais belas que eu
já vi num jogo. É algo que precisa ser experimentado para acreditar. Até uma
próxima análise!
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