segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Bioshock 2: Minerva's Den - Pensando sobre o jogo



Olá! Eu sou o Asa e hoje eu quero de fato encerrar um ciclo que eu achei que já tinha terminado quando eu falei do DLC Burial at Sea de Bioshock Infinite; mas, eu deixei para trás uma peça e é hora de fazer justiça a ela. Por isso o tema de hoje é o DLC de Bioshock 2, chamado Minerva’s Den, e lançado para Xbox 360 e PS3 em 2010, para PC em 2011, e depois incluído na remasterização para PS4 e Xbox One em 2016.

Uma observação interessante sobre os desenvolvedores de Minerva’s Den: ele é creditado à 2k Marin, mesmo estúdio que realizou Bioshock 2, mas as figuras centrais do seu desenvolvimento depois saíram de lá e formaram um outro estúdio, menor, chamado Fullbright Company, responsável por Gone Home, de que eu já falei aqui também, e que é um jogo com elementos que subvertem alguns dos paradigmas fundamentais da nossa indústria. Portanto, é um DLC com alto pedigree, por assim dizer.

Antes de eu começar a falar do jogo em si, eu recomendo a todos verem o meu vídeo sobre Bioshock 2, já que algumas informações mais ou menos fundamentais sobre as mecânicas estão lá, e eu vou falar de algumas coisas meio por cima, justamente para não me repetir. Eu sei que é praticamente uma viagem no tempo, para o início deste canal, com todos os problemas técnicos que isso implica, mas é melhor do que ficar repetindo algo que muitos inscritos já ouviram e sabem.

Minerva’s Den se passa no mesmo ano que Bioshock 2, provavelmente um pouco depois dos eventos do jogo principal, e, em grande medida, pode ser considerado o último evento importante em Rapture e, portanto, é o último adeus à cidade no fundo do oceano. Ele se passa também numa área relativamente isolada da cidade, com questões, dinâmicas e personagens específicos, totalmente separada dos temas que o pessoal da 2k tentou trabalhar no jogo principal.

Isso oferece vantagens e desvantagens. A principal vantagem é que, desligando-se do jogo principal, Minerva’s Den não precisa assumir os problemas que a temática de Bioshock 2 tinha, como o tratamento da ideologia coletivista, que era um tanto raso e problemático, ainda assumindo uma figura como porta-voz e sem um desenvolvimento convincente dos outros moradores de Rapture como uma comunidade. O jogador ouvia muito a antagonista do jogo falar de família, mas não via ninguém do jogo agindo como se fizesse parte de uma.

Quando a gente pensa no primeiro jogo da série e na ideologia que ele retratava, o ambiente fazia muito sentido: num mundo em que cada um deve lutar por aquilo que acha que merece, é normal que as coisas acabem numa guerra de todos contra todos e que batalhas sejam constantes. Manter o ambiente, mas inverter a ideologia, acaba deixando a trama de Bioshock 2 um pouco desconjuntada.

Já a principal desvantagem de Minerva’s Den se passar num lugar isolado é que isso coloca o desafio aos desenvolvedores de pensar numa temática nova, mas que ao mesmo tempo faça sentido com o todo que o jogo principal e a série propõem, tanto em termos de mecânicas quanto de temática. E isto é uma das coisas mais interessantes desse DLC: em termos de mecânicas, isso acaba resultando em algumas partes meio fora de lugar, com mecânicas do jogo principal que não têm tanto propósito no mundo de Minerva’s Den.

Nesse sentido, o que mais me chama a atenção é a presença de little sisters para o jogador usar para conseguir Adam e depois escolher se quer salvá-las ou matá-las, visando obter mais upgrades para os poderes do jogo, chamados de plasmids. Como em Bioshock 2, o jogador também controla um big daddy, um protetor de little sisters, torturado e programado para servir a elas incondicionalmente.

Porém, se essa relação era o centro absoluto do jogo principal, ela é só um acessório em Minerva’s Den e desvia tanto dos objetivos principais, que a sua inclusão acaba parecendo só um esforço de trazer os personagens mais icônicos da série, em vez de dar um sentido para eles estarem lá. Depois que você decide o destino das little sisters de uma área, até uma big sister aparece para te enfrentar, o que, considerando que Minerva’s Den se passa depois dos eventos finais de Bioshock 2, acaba sendo até um pouco sem sentido.

Já em termos de temática, a coisa curiosa é que Minerva’s Den assume um tom muito mais intimista do que seria de se esperar de um Bioshock, especialmente olhando depois da inclusão de Infinite, que, claro, ainda não tinha saído na época em que o DLC foi desenvolvido. Os jogos principais da série têm essa pretensão de discutir ideologias e grandes temas, contendo até um potencial polêmico e que provoca discussões que estão presentes na nossa sociedade, mesmo que a história se passe num lugar extremamente afastado e fictício.

Em grande medida, eu passei muito do meu tempo com Minerva’s Den pensando que esse DLC poderia perfeitamente existir fora do universo de Bioshock e, com pequenos ajustes, ninguém tomaria como uma influência forte da série ou algo assim – o que, obviamente, não quer dizer que ele seja pior por isso; é só que o seu lugar é extremamente desconjuntado na série. Se a gente pensa que Burial at Sea tem o defeito de querer ligar tanto os jogos da série, que acaba até reescrevendo eventos e os tornando inferiores ao que eram antes, Minerva’s Den tem a característica oposta: um certo desinteresse em fazer parte de Bioshock.

Mas isso não quer dizer que tudo que esse conteúdo fez para se ligar à série foi malsucedido; em várias partes houve sucesso em introduzir aspectos novos ao universo, fazendo com que ele ainda fosse familiar a jogadores da série. Minerva’s Den se passa na parte de Rapture em que funciona o computador responsável por grande parte das funções básicas da cidade, ou seja, é a parte mais tecnologicamente avançada.

Com isso, há uma série de itens e habilidades novas que oferecem tecnologia futurística ao universo do jogo: o jogador agora tem acesso a uma arma laser, os robôs sentinelas agora podem usar laser e eletricidade para atacar, há um novo plasmid que cria um miniburaco negro, sugando objetos e inimigos, e alguns splicers inimigos têm alguns tipos de habilidades que os tornam resistentes a certos elementos.

Em termos de temática, a presença de Minerva’s Den e do supercomputador The Thinker finalmente explica uma das questões mais óbvias da série, que é como uma cidade no fundo do mar, em guerra civil por quase 10 anos, ainda funciona. Afinal, até onde se sabe, não há ninguém em Rapture trabalhando para reciclar água, oxigênio ou comida. Eu acredito que a imensa maioria dos jogadores acaba deixando essas questões de lado conforme aproveita a experiência, mas Minerva’s Den oferece uma explicação para elas e isso só torna o mundo mais bem realizado.

Passando à trama do DLC propriamente dita, o jogador controla o big daddy Sigma, que é um dos primeiros modelos, como era o protagonista de Bioshock 2. Ele é enviado pela Brigid Tenenbaum para ajudar o cientista Charles Porter a obter uma cópia da programação do Thinker e levá-la à superfície, para realizar cálculos importantes na desintoxicação dos viciados em Adam que ainda permanecem. Porém, para isso, Sigma precisa passar por mais splicers malucos e pelo antigo parceiro de trabalho de Porter, Reed Wahl.

A grande questão de Minerva’s Den é a relação desses dois cientistas com o computador que criaram. Como tudo mais em Rapture, o Thinker é uma versão muito superior do que a tecnologia da época possibilitava no mundo real e, por isso, ele deixa os seus criadores fascinados. Para Reed, a máquina é capaz de prever o futuro e oferecer informações que ele, como ser humano, jamais conseguiria obter. Para ele, o Thinker é como se fosse uma divindade, que oferece revelações inacessíveis ao homem.

Já para o Porter, a capacidade de raciocínio e adaptação do Thinker pode fazer com que ele imite livremente a personalidade de um ser humano, como a da sua esposa, falecida durante a Segunda Guerra. Assim, ele poderia trazê-la de volta de alguma forma, e apaziguar a sua consciência, por ter trabalhado tanto durante a guerra, em vez de passar com ela os últimos momentos antes de ela morrer.

Assim, como eu disse, Minerva’s Den abandona as grandes ideologias típicas de Bioshock, e procura um tratamento intimista do homem e da sua relação com a tecnologia. No caso, o quanto o potencial da ciência pode torná-la também uma espécie de religião, no momento em que deixamos de ver a tecnologia como um instrumento e passamos a vê-la como um objeto livre do nosso controle. Se você estender os paralelos corretos, a gente pode até ver isso como um comentário sobre a ideologia de livre mercado, ou a idolatria que muitas pessoas têm com grandes corporações. São figuras abstratas, formadas pela ação do homem, mas que muitos hoje veem como entidades maiores do que o ser humano em si.

Já ligada ao Porter nós temos a questão de procurar na tecnologia, no trabalho e numa figura quase humana um substituto para as interações humanas perdidas. Em grande medida, é um comentário que encontra ressonância com questões como a forma como dependemos crescentemente de relações virtuais, de dezenas de milhares de seguidores para substituir algumas poucas, mas significativas relações pessoais com pessoas de carne e osso.

Como eu disse, muitas dessas questões são muito mais pessoais e psicológicas do que as ideologias típicas da série Bioshock, que geralmente são aquelas que acabam regendo sociedades inteiras, e com as quais nós interagimos na nossa vida pública, mas não tanto na vida pessoal. Minerva’s Den é muito mais uma história sobre a mente humana e sobre processos psíquicos contemporâneos do que sobre a sociedade em que vivemos.

Isso, obviamente, não é um defeito, mas é algo fundamentalmente distinto do resto da série. Em grande medida, Minerva’s Den parece um cyberpunk disfarçado de outra série, talvez feito por desenvolvedores que preferiam estar fazendo outra coisa. E, considerando quão rápido a equipe abandonou a 2k e foi fundar um estúdio próprio, eu não duvido que este seja o caso.

Com isso, Minerva’s Den é um jogo com excelentes questões. Alguém até poderia dizer que ele é o que mais se esforça para dizer algo para o jogador enquanto ser humano vivendo no século XXI. É claro que, olhando nos dias de hoje, eu diria que o primeiro Bioshock diz ainda muito sobre o nosso mundo de hoje e sobre as questões sociais que estamos enfrentando, e que talvez fossem até menos claras em 2007. Mas, enquanto as batalhas do primeiro Bioshock são travadas hoje na política e nas ruas, as batalhas de Minerva’s Den devem ser tratadas na sua intimidade, na sua consciência, com o isolamento que só uma cidade no fundo do oceano, circundada por peixes e baleias, poderia oferecer.

E era isso que eu queria dizer sobre Minerva’s Den. Para mim, é o adeus que Rapture realmente merecia. Até uma próxima análise!

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