quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Virginia - Pensando sobre o jogo



Olá! Eu sou o Asa e hoje eu vou falar de Virginia, jogo desenvolvido pelo estúdio Variable State e lançado para PC, PS4 e Xbox One em 2016. Virginia é um jogo bastante interessante, que procura trabalhar profundamente estratégias típicas de montagem e do cinema para criar uma estética nova no mundo dos jogos, embora esse propósito nem sempre seja alcançado. A verdade é que talvez Virginia seja um dos casos de jogos um pouco ambiciosos demais, se é que isso é possível. Vamos tratar disso por partes.

A trama de Virginia é centrada na jovem agente do FBI Anne Tarver, que recebe a missão de se tornar parceira da agente Maria Halperin na busca pelo menino desaparecido Lucas Fairfax. Porém, achar o rapaz está em segundo plano, já que a missão verdadeira de Tarver é investigar o comportamento da sua nova parceira. Eu imagino que quem assistiu ao começo de Arquivo X já reconheceu bastante a premissa.

Em termos de gameplay, Virginia se apresenta como um jogo de aventura com muito pouca interação, em que o jogador pode apenas explorar os cenários e interagir com um ou outro objeto. Uma coisa interessante em termos de mecânicas é que o jogo dá sinais de que é possível interagir com um objeto mesmo que ele esteja distante, mudando o sinal do cursor que fica no centro da tela. Se você aponta para objetos que não têm interação possível, ele permanece como um ponto; se você aponta para algo com que é possível interagir, o cursor vira uma circunferência. Assim, evita-se uma exploração longa que não gera fruto algum.

Porém, a simplicidade de Virginia acaba quando tratamos de gameplay e premissa, porque daí em diante as coisas começam a ficar muito mais complicadas do que se espera. Quando o jogador finaliza Virginia, há uma mensagem reconhecendo a influência do jogo Thirty flights of loving, de que eu já falei aqui faz tempo. E, realmente, há uma série de semelhanças estéticas entre os dois jogos, mas algumas lições de Thirty flights parecem escapar a Virginia.

Como Thirty flights, Virginia também se baseia na estética de montagem e outras técnicas de cinema. É normal que as cenas não possuam transições que permitam ao jogador criar uma narrativa simples em sua mente; é necessário que o jogador interprete o lugar de cada cena no todo da experiência, inclusive fazendo a distinção entre o que é sonho ou alucinação e o que se passa realmente naquele mundo.

Porém, apesar de sua estrutura inovadora, Thirty flights é um jogo muito contido, com uma experiência que dura apenas de 10 a 15 minutos, o que permite ao jogador repetir diversas vezes até entender onde cada elemento se encaixa, e até possibilitando que saltos lógicos aconteçam com um certo nível de segurança, já que não é preciso ir tão longe, pois a história é muito contida, apesar de vaga.

Virginia multiplica a duração de Thirty flights pelo menos umas 6 ou 7 vezes, e isso tem seu componente de riscos e problemas. O principal, é claro, é que, aumentando o escopo da história, aumentam os elementos que o jogador deve interpretar e ligar de forma lógica. Além disso, aumentam os frequentes cortes entre uma cena e outra, o que, numa obra mais longa, acaba se tornando muito mais agressivo do que a experiência de Thirty flights conseguiu implementar.

Ao mesmo tempo, Virginia também estende momentos em que nada muito importante acontece, como alguns trechos de caminhada, ou almoços no restaurante da cidade. Isso dá ao jogo uma sensação estranhamente desbalanceada, como se ele cortasse momentos de uma forma muito brusca, ao mesmo tempo em que estendesse outros momentos de uma forma desnecessária.

Thirty flights of loving é uma experiência que surgiu do esforço máximo de cortar absolutamente tudo que era desnecessário para contar a história. Cada pequena cena tem um significado que permite ao jogador construir uma narrativa em sua cabeça, o que acaba dando o efeito esperado ao final, que é uma obra potente por si mesma, mas também que ganha muito com o trabalho interpretativo do jogador. Virginia, em contrapartida, pareceu um pouco preocupado demais com criar algo com a mesma duração de um filme, e que por isso sofre com uma construção desbalanceada, com algumas cenas como que faltando, enquanto outras são quase vazias.

Esse efeito se complica ainda mais quando a gente pensa no caráter altamente alegórico que Virginia procura implementar, e que se une fortemente com os cortes abruptos para deixar o jogador no limite da incompreensão. Só para encerrar as comparações, Thirty flights of loving propõe uma história bem simples e direta, embora não seja implementada da forma mais direta. Assim, o jogador tem uma fundação sólida nos seus palpites, e acaba sendo mais fácil criar uma interpretação segura.

Virginia busca a alegoria e o sonho muito mais do que seria de se esperar. Certas imagens no jogo acabam funcionando como temas recorrentes, como um pássaro vermelho ou um búfalo, que mais ou menos representam a fragilidade e beleza de certos personagens frente ao mundo. Mas, essas imagens pertencem ao mundo dos sonhos, embora frequentemente apareçam em momentos em que, até este ponto, pareciam fundados na realidade, o que torna a experiência frequentemente confusa.

Se Thirty flights of loving é a influência direta de Virginia no mundo dos jogos, a obra do diretor David Lynch é a influência no mundo do cinema. Filmes como Veludo Azul, Cidade dos sonhos e até uma série como Twin Peaks revelam o esforço para criar um mundo em que alegorias ingressam no mundo real, e em que a diferença entre alucinação e sonho pode ser muito pequena. Porém, enquanto os filmes de Lynch são muito mais coesos num sentido narrativo, geralmente seguindo numa linha reta e num ritmo que parece realista, apesar dos personagens e figuras não realistas, Virginia soma essa estética aos cortes constantes, o que torna a experiência mais confusa e menos confortável para o jogador apreciar.

Foi por isso que eu disse, no começo, que Virginia é provavelmente um jogo que sofre por sua grande ambição. O principal esforço do jogo era transportar, de um jeito inteligente, a estética dos filmes para um jogo, porém há um esforço para transportar o máximo de técnicas fílmicas não convencionais, o que torna Virginia um jogo que, muitas vezes, faz o jogador ficar mais confuso do que deveria.

E, na verdade, a mensagem do jogo sequer é muito complexa, embora seja interessante. O tema principal de Virginia é o da luta de personagens oprimidos por um mundo que os vê com desconfiança e desprezo. Não é à toa que as duas protagonistas são mulheres negras, atuando numa área em que essas duas características não são tão comuns. Muitas das alegorias do jogo simbolizam justamente os sacrifícios necessários a esses personagens para conseguir o que outros já conseguiram mais facilmente.

Além disso, o jogo procura estabelecer uma simpatia pelas personagens femininas daquele mundo, que são silenciosas e sutis, enquanto a maioria dos homens representa figuras de poder que forçam a opressão e o sacrifício de outros personagens. Sendo assim, é um jogo sobre dinâmicas raciais e de gênero, mas que enterra muito uma discussão interessante num aglomerado de técnicas que dificultam sua compreensão e acabam fazendo com que o jogador passe muito mais tempo tentando entender qual o seu tema, do que tentando entender a complexidade do seu tema.

E era isso que eu queria dizer sobre Virginia. É um jogo bem interessante, muito bem intencionado, seja na sua mensagem social, seja nos seus esforços estéticos, com uma trilha sonora muito boa e com um visual simples, porém belo, e que contém cenas isoladas poderosas, mas que é uma vítima de uma ambição tão grande, que coloca muitos dos seus esforços a perder. Bom fim de ano e até uma próxima análise!

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