Olá! Eu sou o Asa e hoje eu quero falar de Finding Paradise, jogo desenvolvido pela
Freebird Games, lançado no finalzinho do ano passado para PC. Finding
Paradise é o terceiro jogo da Freebird que se passa num
mesmo universo, sendo os dois primeiros To
the moon e A bird story, de que
eu já falei aqui no canal. Por isso, e para evitar me repetir, eu recomendo a
todos que se interessarem que vejam esses dois vídeos, principalmente aquele
dedicado a To the moon, que é o que
mais está ligado a Finding Paradise
em termos estruturais.
A
bird story, embora seja protagonizado por um dos personagens
absolutamente centrais a Finding Paradise,
é uma versão simplificada do universo e das mecânicas dos jogos da Freebird;
por isso, a ligação dele se dá muito mais em termos de enredo. To the moon consegue se conectar a Finding Paradise tanto em termos de
enredo, quanto de mecânicas, embora, em grande medida, essa comparação seja um
pouco cruel a Finding Paradise, mas
disso eu vou falar em mais detalhe depois.
Como To the moon, Finding Paradise é um jogo de aventura bem simples, em que o
jogador controla os doutores Neil Watts e Eva Rosalene, que trabalham numa
empresa que permite alterar memórias de pacientes à beira da morte, fazendo com
que, em suas cabeças, eles consigam realizar algum sonho que deixaram para trás
ao longo da vida.
O procedimento para
isso ainda é viajar pelas memórias do paciente, criando um flashback dentro do outro, partindo da memória mais recente, até a
mais antiga. Para isso, eles se valem de objetos que foram importantes em
múltiplos momentos da vida do paciente, usando-os como âncoras para pular de
uma memória para outra. Quando os doutores entendem o que é preciso mudar para
fazer o sonho escolhido se realizar, eles vão alterando a memória do paciente.
Com isso, o trabalho
básico do jogador continua sendo explorar as memórias e assistir às cenas da
vida do paciente, tentando entender sua vida e o que precisa ser mudado. Ou
seja, são basicamente a mesma estrutura e proposta de To the moon. O que Finding
Paradise vai mudar são alguns elementos da história e, principalmente, o
tom. E essas duas coisas estão intrinsecamente ligadas, então eu vou ter que
pular de uma para outra para conseguir explicar um pouco as peculiaridades do
jogo.
Eu acredito que a
melhor coisa em Finding Paradise é a
premissa inicial dessa sequência. Em To
the moon, o perfil do paciente era, provavelmente, aquilo que a maioria das
pessoas esperaria considerando o tema da história: uma pessoa um tanto sozinha,
com alguns arrependimentos e incompreensões marcantes em sua vida, e que, por
um motivo ou outro, não conseguia fazer as pazes com o que viveu até aquele
momento.
Finding
Paradise coloca uma questão mais instigante e arriscada: o
novo paciente, Colin Reeds, não é alguém com arrependimentos, solidão ou
sofrimentos marcantes. Pelo contrário: ele é alguém cuja família está presente,
ele parece feliz ao longo da sua história e, no geral, tem uma vida muito bem
realizada. Entretanto, no fim da vida, ele resolve contratar os doutores
porque, apesar de tudo, algo ainda parecia estar faltando, um algo que ele
mesmo não entende.
A questão pega todos de
surpresa, a ponto de a própria família ficar magoada e não entender o que pode
motivar uma pessoa como Colin a desejar esse tipo de serviço. A premissa do
jogo é, então, excelente, porque vai discutir uma coisa muito pouco tratada,
que é a ideia de que algumas pessoas podem sentir inquietação e angústia mesmo
quando tudo parece ótimo. Aliás, muitas pessoas deprimidas recebem aquele bom e
velho discurso de que existe muita gente sofrendo no mundo, e que não é justo
alguém que tem saúde, família e dinheiro se sentir mal consigo mesmo. É uma
proposta que provavelmente só existe em jogos como Actual Sunlight, de que eu já falei aqui no canal, e que se dedicam
a problemas muito modernos e que têm raízes psicológicas genuínas e importantes
para o mundo de hoje.
Porém, apesar dessa
premissa nova, Finding Paradise ainda
prefere um caminho mais tradicional para resolver as angústias da vida de
Colin, e as respostas às perguntas inquietantes do começo acabam sendo muito
menos ambiciosas do que seria de se esperar. Em grande medida, eu acredito que
isso tenha se dado porque uma angústia como a proposta no início não
necessariamente seria causada por um ou outro evento na vida do personagem e
por isso simplesmente não seria alterável, considerando justamente que as
habilidades dos doutores é mudar eventos de vida. Por isso mesmo, a experiência
de Finding Paradise acaba sendo um
tanto decepcionante, mas só porque a promessa era muito grande.
Para falar a verdade, é
difícil para mim apontar erros em Finding
Paradise, especialmente no tocante à história, porque a capacidade do
diretor e roteirista Kan Gao em criar histórias e diálogos sinceros é
provavelmente uma das maiores da nossa indústria. Eu acredito que, quando se
trata de criar narrativas dedicadas a falar da beleza dos pequenos momentos da
vida e da importância do companheirismo e das relações humanas, provavelmente
não há ninguém melhor trabalhando em jogos hoje.
E, por isso mesmo, Finding Paradise, como To the moon e A bird story, é repleto desses momentos belos e tristes, que
funcionam como espelho um para o outro, e que fazem das coisas boas um alívio
para o sofrimento, e do sofrimento um contraste para as alegrias. Isso faz com
que a história de Colin ainda mantenha aquele tom melancólico e triste, mas sem
nunca cair no melodrama, o que provavelmente é a maior e melhor marca dos jogos
desse estúdio.
O tom e os temas que os
jogos da Freebird escolhem tratar ressoam especialmente comigo, e é por isso
que eu disse que é difícil apontar os problemas do jogo, mas, ao mesmo tempo,
eu não consigo fingir que eles não estão lá. E, enquanto a questão do
tratamento decepcionante da premissa pode ser vista como eu apenas esperando
algo que o jogo nunca pretendeu fazer, há dois elementos que ainda prejudicam a
execução de Finding Paradise, mesmo
considerando apenas o que está presente na experiência.
O primeiro é que, em Finding Paradise, a delicadíssima
harmonia de tons presente em To the moon
é quebrada em favor do humor. Como eu falei na minha análise anterior, To the moon conseguia o incrível feito
de balancear o tom melancólico das memórias dos pacientes com a interação
divertida dos dois doutores. Era um risco enorme criar esse tom misturado, mas
as brincadeiras eram usadas com moderação e sabiam o seu lugar, e o resultado
acabou dando uma leveza muito especial ao jogo.
Finding
Paradise apresenta muitos momentos divertidos durante a
experiência, e muitas vezes a história do jogo acaba quase parando só para
oferecer referências à cultura moderna e a outros jogos, ou então apenas para
oferecer algum alívio cômico. Como eu disse, fazer isso em moderação foi muito
saudável para To the moon, e
certamente esse tipo de coisa acaba dependendo de cada um, mas eu acabei
achando que houve um exagero no destaque dessas situações, a ponto de tirar o
foco jogador da sinceridade dos momentos íntimos que Finding Paradise tenta apresentar.
Além disso, o jogo
ainda apresenta um minigame toda vez que os doutores vão usar um objeto e
passar para a próxima memória, que infelizmente distrai o jogador da tensão da
história, tirando o foco do mundo e das situações que o jogo sabe criar tão bem.
É algo que já estava existia em To the
moon, mas que acabou ganhando ainda mais destaque, porque o novo minigame,
que imita um jogo de match three a la
Candy Crush, acaba oferecendo
mecânicas novas e mais complexas ao longo da experiência, o que, se num jogo
mais tradicional seria algo bem-vindo, num jogo tão focado na história acaba
fora de lugar, e quase um empecilho.
Como eu disse no meu
outro vídeo, o gameplay de exploração
e investigação de To the moon já era
mais do que suficiente para envolver o jogador e ser coerente com a proposta do
jogo, e o mesmo vale para Finding
Paradise.
Enfim, apesar disso
tudo, o jogo continua sendo exemplar em criar situações emotivas que soam
absolutamente sinceras e que conseguem comover o jogador. O script, de que um jogo desse tipo tanto
depende, ainda mantém uma qualidade altíssima, especialmente quando estamos
falando das memórias do Colin. A trilha sonora continua excepcional, o que é
importante mencionar depois de A bird
story não conseguir se destacar tanto quanto To the moon nessa área.
Por tudo isso, Finding Paradise certamente é um ótimo
jogo. Há muito a apreciar nele, mas, ao mesmo tempo, eu sinto que a Freebird
está abandonando alguns dos pequenos detalhes e acertos que ela conseguiu
executar em To the moon, que continua
sendo o melhor exemplo em contar uma história com simplicidade, mas com muita
emoção e que ressoa profundamente com os jogadores. Entretanto, com indicações
de que novos jogos naquele universo já estão a caminho, eu temo que as coisas
continuem indo para longe da excelência inicial, em vez de o estúdio investir
para aprimorar o modelo que eles mesmos criaram.
E era isso que eu
queria dizer sobre Finding Paradise.
Até a próxima análise!