segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Finding Paradise - Pensando sobre o jogo



Olá! Eu sou o Asa e hoje eu quero falar de Finding Paradise, jogo desenvolvido pela Freebird Games, lançado no finalzinho do ano passado para PC. Finding Paradise é o terceiro jogo da Freebird que se passa num mesmo universo, sendo os dois primeiros To the moon e A bird story, de que eu já falei aqui no canal. Por isso, e para evitar me repetir, eu recomendo a todos que se interessarem que vejam esses dois vídeos, principalmente aquele dedicado a To the moon, que é o que mais está ligado a Finding Paradise em termos estruturais.

A bird story, embora seja protagonizado por um dos personagens absolutamente centrais a Finding Paradise, é uma versão simplificada do universo e das mecânicas dos jogos da Freebird; por isso, a ligação dele se dá muito mais em termos de enredo. To the moon consegue se conectar a Finding Paradise tanto em termos de enredo, quanto de mecânicas, embora, em grande medida, essa comparação seja um pouco cruel a Finding Paradise, mas disso eu vou falar em mais detalhe depois.

Como To the moon, Finding Paradise é um jogo de aventura bem simples, em que o jogador controla os doutores Neil Watts e Eva Rosalene, que trabalham numa empresa que permite alterar memórias de pacientes à beira da morte, fazendo com que, em suas cabeças, eles consigam realizar algum sonho que deixaram para trás ao longo da vida.

O procedimento para isso ainda é viajar pelas memórias do paciente, criando um flashback dentro do outro, partindo da memória mais recente, até a mais antiga. Para isso, eles se valem de objetos que foram importantes em múltiplos momentos da vida do paciente, usando-os como âncoras para pular de uma memória para outra. Quando os doutores entendem o que é preciso mudar para fazer o sonho escolhido se realizar, eles vão alterando a memória do paciente.

Com isso, o trabalho básico do jogador continua sendo explorar as memórias e assistir às cenas da vida do paciente, tentando entender sua vida e o que precisa ser mudado. Ou seja, são basicamente a mesma estrutura e proposta de To the moon. O que Finding Paradise vai mudar são alguns elementos da história e, principalmente, o tom. E essas duas coisas estão intrinsecamente ligadas, então eu vou ter que pular de uma para outra para conseguir explicar um pouco as peculiaridades do jogo.

Eu acredito que a melhor coisa em Finding Paradise é a premissa inicial dessa sequência. Em To the moon, o perfil do paciente era, provavelmente, aquilo que a maioria das pessoas esperaria considerando o tema da história: uma pessoa um tanto sozinha, com alguns arrependimentos e incompreensões marcantes em sua vida, e que, por um motivo ou outro, não conseguia fazer as pazes com o que viveu até aquele momento.

Finding Paradise coloca uma questão mais instigante e arriscada: o novo paciente, Colin Reeds, não é alguém com arrependimentos, solidão ou sofrimentos marcantes. Pelo contrário: ele é alguém cuja família está presente, ele parece feliz ao longo da sua história e, no geral, tem uma vida muito bem realizada. Entretanto, no fim da vida, ele resolve contratar os doutores porque, apesar de tudo, algo ainda parecia estar faltando, um algo que ele mesmo não entende.

A questão pega todos de surpresa, a ponto de a própria família ficar magoada e não entender o que pode motivar uma pessoa como Colin a desejar esse tipo de serviço. A premissa do jogo é, então, excelente, porque vai discutir uma coisa muito pouco tratada, que é a ideia de que algumas pessoas podem sentir inquietação e angústia mesmo quando tudo parece ótimo. Aliás, muitas pessoas deprimidas recebem aquele bom e velho discurso de que existe muita gente sofrendo no mundo, e que não é justo alguém que tem saúde, família e dinheiro se sentir mal consigo mesmo. É uma proposta que provavelmente só existe em jogos como Actual Sunlight, de que eu já falei aqui no canal, e que se dedicam a problemas muito modernos e que têm raízes psicológicas genuínas e importantes para o mundo de hoje.

Porém, apesar dessa premissa nova, Finding Paradise ainda prefere um caminho mais tradicional para resolver as angústias da vida de Colin, e as respostas às perguntas inquietantes do começo acabam sendo muito menos ambiciosas do que seria de se esperar. Em grande medida, eu acredito que isso tenha se dado porque uma angústia como a proposta no início não necessariamente seria causada por um ou outro evento na vida do personagem e por isso simplesmente não seria alterável, considerando justamente que as habilidades dos doutores é mudar eventos de vida. Por isso mesmo, a experiência de Finding Paradise acaba sendo um tanto decepcionante, mas só porque a promessa era muito grande.

Para falar a verdade, é difícil para mim apontar erros em Finding Paradise, especialmente no tocante à história, porque a capacidade do diretor e roteirista Kan Gao em criar histórias e diálogos sinceros é provavelmente uma das maiores da nossa indústria. Eu acredito que, quando se trata de criar narrativas dedicadas a falar da beleza dos pequenos momentos da vida e da importância do companheirismo e das relações humanas, provavelmente não há ninguém melhor trabalhando em jogos hoje.

E, por isso mesmo, Finding Paradise, como To the moon e A bird story, é repleto desses momentos belos e tristes, que funcionam como espelho um para o outro, e que fazem das coisas boas um alívio para o sofrimento, e do sofrimento um contraste para as alegrias. Isso faz com que a história de Colin ainda mantenha aquele tom melancólico e triste, mas sem nunca cair no melodrama, o que provavelmente é a maior e melhor marca dos jogos desse estúdio.

O tom e os temas que os jogos da Freebird escolhem tratar ressoam especialmente comigo, e é por isso que eu disse que é difícil apontar os problemas do jogo, mas, ao mesmo tempo, eu não consigo fingir que eles não estão lá. E, enquanto a questão do tratamento decepcionante da premissa pode ser vista como eu apenas esperando algo que o jogo nunca pretendeu fazer, há dois elementos que ainda prejudicam a execução de Finding Paradise, mesmo considerando apenas o que está presente na experiência.

O primeiro é que, em Finding Paradise, a delicadíssima harmonia de tons presente em To the moon é quebrada em favor do humor. Como eu falei na minha análise anterior, To the moon conseguia o incrível feito de balancear o tom melancólico das memórias dos pacientes com a interação divertida dos dois doutores. Era um risco enorme criar esse tom misturado, mas as brincadeiras eram usadas com moderação e sabiam o seu lugar, e o resultado acabou dando uma leveza muito especial ao jogo.

Finding Paradise apresenta muitos momentos divertidos durante a experiência, e muitas vezes a história do jogo acaba quase parando só para oferecer referências à cultura moderna e a outros jogos, ou então apenas para oferecer algum alívio cômico. Como eu disse, fazer isso em moderação foi muito saudável para To the moon, e certamente esse tipo de coisa acaba dependendo de cada um, mas eu acabei achando que houve um exagero no destaque dessas situações, a ponto de tirar o foco jogador da sinceridade dos momentos íntimos que Finding Paradise tenta apresentar.

Além disso, o jogo ainda apresenta um minigame toda vez que os doutores vão usar um objeto e passar para a próxima memória, que infelizmente distrai o jogador da tensão da história, tirando o foco do mundo e das situações que o jogo sabe criar tão bem. É algo que já estava existia em To the moon, mas que acabou ganhando ainda mais destaque, porque o novo minigame, que imita um jogo de match three a la Candy Crush, acaba oferecendo mecânicas novas e mais complexas ao longo da experiência, o que, se num jogo mais tradicional seria algo bem-vindo, num jogo tão focado na história acaba fora de lugar, e quase um empecilho.

Como eu disse no meu outro vídeo, o gameplay de exploração e investigação de To the moon já era mais do que suficiente para envolver o jogador e ser coerente com a proposta do jogo, e o mesmo vale para Finding Paradise.

Enfim, apesar disso tudo, o jogo continua sendo exemplar em criar situações emotivas que soam absolutamente sinceras e que conseguem comover o jogador. O script, de que um jogo desse tipo tanto depende, ainda mantém uma qualidade altíssima, especialmente quando estamos falando das memórias do Colin. A trilha sonora continua excepcional, o que é importante mencionar depois de A bird story não conseguir se destacar tanto quanto To the moon nessa área.

Por tudo isso, Finding Paradise certamente é um ótimo jogo. Há muito a apreciar nele, mas, ao mesmo tempo, eu sinto que a Freebird está abandonando alguns dos pequenos detalhes e acertos que ela conseguiu executar em To the moon, que continua sendo o melhor exemplo em contar uma história com simplicidade, mas com muita emoção e que ressoa profundamente com os jogadores. Entretanto, com indicações de que novos jogos naquele universo já estão a caminho, eu temo que as coisas continuem indo para longe da excelência inicial, em vez de o estúdio investir para aprimorar o modelo que eles mesmos criaram.

E era isso que eu queria dizer sobre Finding Paradise. Até a próxima análise!

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Teoria: Consequências do centralismo das franquias



Olá! Eu sou o Asa e hoje eu quero discutir uma questão sobre a qual eu venho me questionando há muito tempo, e que gera muita discussão dentro da indústria de entretenimento contemporâneo. Como você já sabe por ler o nome do post, o tema é a centralização da indústria em franquias.

Quem acompanha a indústria de entretenimento contemporânea sabe que, especialmente nas artes que envolvem maior investimento de capital, há uma predominância crescente do uso de franquias, ou propriedades intelectuais, em oposição a criações novas. O cinema tradicional hoje gira muito em torno de super-heróis, que vêm dos quadrinhos e são muito antigos; os últimos dez anos têm sido marcados pela elaboração de sequências de diversos filmes dos anos 80; e mesmo seriados têm começado a reproduzir esse tipo de fenômeno.

Quem está familiarizado com a indústria de jogos, por sua vez, conhece esse fenômeno ainda mais intimamente, já que, quase que desde o início da indústria moderna de jogos, é comum ver empresas retomarem fórmulas e séries de sucesso muitas vezes, mesmo ao longo de várias décadas. É claro que os exemplos mais clássicos são os da Nintendo, com séries que remontam ao começo dos anos 80. O primeiro jogo com Mario no título, por exemplo, vai completar 35 anos agora em 2018. Desde então, já são dezenas de jogos que levam o nome do encanador no título.

Há, claro, inúmeros outros, como Zelda, Sonic, Final Fantasy, Tetris, Dragon Quest, Fallout, Street Fighter, Civilization, Gran Turismo, e esses eu estou citando só de cabeça, tentando pegar um ou dois de cada gênero. Há, também, aquelas franquias novas que, pela quantidade de lançamentos, se tornaram tradicionais muito mais rapidamente, como Call of Duty, Assassin’s Creed, ou os jogos de esporte da EA, que são uma espécie de tradição anual com a qual todos na indústria já estão mais ou menos familiarizados.

Como eu disse, embora esse fenômeno seja geral no mundo do entretenimento, ele é excepcionalmente familiar aos jogos, e cabe entender por quê. O motivo mais frequentemente apontado é que, por ser uma mídia interativa, jogos são marcados mais por sistemas do que por narrativas, embora isso fosse mais marcante no tempo de formação da indústria do que é hoje.

Assim, por exemplo, um jogo como Super Mario Bros. pode receber uma sequência sem problemas, porque a história nunca foi o foco e, por ser bem simples, ela até pode ser repetida sem estranhamento. A proposta acaba sendo menos a expansão do mundo do jogo, e mais uma extensão do playground para certas mecânicas.

Eu digo isso pensando apenas numa sequência direta, mas, ainda no caso de Mario, a gente pode ver o prolongamento do conceito de franquia para algo mais geral, um certo padrão de qualidade, um certo tom. Jogos dessa série já assumiram diversos gêneros, mas eles são marcados por diversos personagens, por um tom mais ou menos geral, sempre buscando algo mais ou menos consistente. A gente sabe que um jogo do Mario vai ter mecânicas fáceis de aprender, que vai ser focado num sentimento de satisfação quase instantânea, advindo de mecânicas que se comportam bem e oferecem resultados a todos os tipos de jogadores.

Porém, quanto mais uma franquia se expande, mais é difícil mantê-la coesa e, neste ponto, começam a surgir as questões mais interessantes do ponto de vista de um debate crítico. Toda vez que um novo jogo de uma série é lançado, quem está familiarizado com essa franquia acaba mais ou menos discutindo a questão de o quanto esse novo título está próximo ou distante dos jogos anteriores e do que seria, supostamente, a essência dessa propriedade intelectual.

Como todo debate crítico, é preciso assumir um ponto de vista bem definido, e isso vai gerar problemas com pessoas que preferem abraçar a novidade ou a tradição, especialmente quando a gente fala de obras de arte nas quais nós temos algum investimento emocional. Considerando isso, eu gostaria de fazer alguns apontamentos gerais importantes, mas que são mais pressupostos para futuros debates do que algo que mereça muita atenção em si. De qualquer forma, eu gostaria também de ouvir a opinião de vocês sobre eles.

A melhor forma de começar é tratando da relação entre o uso de franquias e a tradição. Existe uma razão muito específica para as franquias estarem dominando a indústria do entretenimento hoje: elas atraem a atenção dos fãs fiéis e até daqueles que conhecem a série apenas por nome. Ou seja, criar uma obra numa franquia é já começar com pessoas que vão ativamente divulgar sua obra sem precisar ser convencidas, vão discutir, conversar, expandir o espaço que a sua obra ocupa no debate público.

Quando se cria um filme de ficção científica a partir do zero, por exemplo, é preciso criar um trailer que pareça muito interessante, para assim as pessoas discutirem e se interessarem. Agora, basta uma menção de que se está fazendo um novo Blade Runner para fóruns no mundo todo se inundarem com questões, desapontamentos e esperanças.

Ou seja, retomar um nome tradicional é uma estratégia fundamental para tornar o investimento na nova obra algo mais seguro, porque já há divulgação e investimento emocional garantidos. Além disso, é comum que uma empresa dê preferência a fortalecer suas marcas, aumentar sua divulgação e o renome de suas propriedades. Ou seja, se uma empresa faz um FPS, por exemplo, e ele é bem recebido, ela pode partir para uma sequência; se essa sequência for bem recebida também, essa série se tornou um sinônimo de excelência e, com isso, um terceiro FPS vai fazer ainda mais sucesso, pelo simples renome estabelecido pelos dois primeiros jogos.

Com tudo isso, eu quero dizer que a adoção e o investimento em franquias é fato constante hoje e advém, sobretudo, do lado econômico do mercado de jogos, filmes e séries. Porém, há um problema inerente a esse processo: fãs possuem um investimento emocional numa franquia e, por isso, além de terem energia para divulgar e gastar, eles também têm expectativas com as quais as empresas precisam lidar.

E a verdade é que não há um jeito correto de lidar com elas, porque fãs de uma franquia têm ideias diferentes do que ela representa, do que é essencial para ela, e de para onde ela deve ir em seguida. Nesse sentido, geralmente, uma obra bem-sucedida acaba sendo aquela que apresenta uma chamada curva-padrão, ou seja: a maioria dos fãs e demais pessoas que tiveram contato com a obra ficaram felizes satisfeitas, embora haja tanto uma minoria que detestou as mudanças implementadas, quanto uma minoria que achou que as mudanças foram insuficientes.

E talvez o mais importante é que nenhum desses três grupos está necessariamente errado. Conforme uma franquia se expande, ela deixa de ser uma coisa só, e vai se tornando várias, adquirindo diferentes significados para pessoas diferentes. Uma coisa que sempre me incomodou em seriados, por exemplo, foi o fato de que, quando eles fazem sucesso, eles acabam perdendo a oportunidade de se encerrar dentro do seu plano original, e acabam se estendendo por várias temporadas extras, o que muitas vezes acaba descaracterizando os seriados em si.

Isso é uma das grandes questões do mundo do entretenimento hoje, porque nós estamos acostumados a ver a arte como fruto do trabalho de indivíduos com uma determinada visão, mas as franquias hoje contam com roteiristas diferentes, diretores diferentes, dedicando-se a gêneros e públicos diferentes.

Muitas das discussões tradicionais sobre a possibilidade de interpretar obras realizadas por uma equipe grande giram em torno da ideia de que a responsabilidade pelas decisões acaba recaindo sobre poucas pessoas, como o diretor do projeto. Porém, uma franquia que passa por diversas equipes acaba deixando cada título sob responsabilidade de uma equipe diferente, o que inviabiliza uma interpretação geral para a franquia. E mesmo quando há a possibilidade de enxergar traços gerais, eles são mais voltados para um tom e para algumas propostas mais amplas, como acontece com o exemplo que eu dei sobre a Nintendo e o Mario no começo.

Nesse processo, quem fica na pior posição são os próprios artistas, que precisam o tempo todo identificar quais são os valores essenciais para o público dentro de uma determinada série, e a partir disso tentar criar algo que seja, simultaneamente, diferente do original, mas ainda detentor de suas características mais importantes. E certamente esta não é uma posição que oferece muita liberdade.

Na minha opinião, a indústria está chegando a um ponto em que franquias já não significam quase nada, e a melhor forma de abordá-las é considerando cada título independentemente, a não ser que ele insista em contar uma história diretamente conectada a outro jogo. Uma comparação com os jogos anteriores acaba sendo inevitável, mas hoje me parece que essas comparações tendem a gerar apenas frustração, seja por notar uma repetição excessiva dos mesmos princípios, seja por fugir aos elementos básicos dos originais. A possibilidade de um sentido geral e autoral no mundo de hoje parece comprometida no geral e, esse processo coloca em risco a nossa recepção das obras individuais.

Talvez a melhor forma de abordar a questão seja como acontece com as HQs: existem ciclos que são marcados por determinadas abordagens, sejam estéticas, sejam em termos de enredo. Um personagem como o Batman, por exemplo, protagoniza histórias com todo tipo de tom, sejam as mais leves dos primeiros tempos, sejam as mais pesadas, como as escritas pelo Frank Miller, Allan Moore ou Grant Morrison.

No geral, escrever uma HQ do Batman significa apenas um conjunto de personagens mais ou menos fixo, mas o tom e o mundo construídos acabam variando drasticamente. Se passarmos aos jogos, a gente também tem que pensar nas mudanças possíveis em termos de gameplay, e aí a variação possível acaba sendo gigantesca, a ponto de a gente se perguntar qual o propósito de tentar enxergar um todo na trajetória de uma franquia.

Na verdade, eu acredito que é preciso confrontar o fato de que a indústria do entretenimento continua crescendo e obras amadas acabam se tornando muito menos um patrimônio intelectual de quem teve contato com ela e mais uma propriedade intelectual de uma empresa. Com isso, cria-se um confronto entre o esforço humanizador do público, que procura identificar sentidos e mensagens nas obras que consomem, e um esforço mercantilizador da empresa, que vê essas mesmas obras como tijolos na construção de uma grande marca, e não necessariamente de uma obra.

Eu me lembro, lá no começo do canal, que, quando eu discuti se jogos deveriam ser considerados arte, eu comentei um pouco o argumento de que a arte sempre esteve envolvida com o dinheiro, e por isso a faceta dos negócios não seria impedimento para um jogo ser arte. Mas, conforme propriedades artísticas vão sendo detidas mais e mais por grandes corporações, talvez seja o caso de, não necessariamente deixar de tratar as grandes franquias como arte, mas de entender que uma parcela preciosa da integridade artística delas é sacrificada conforme a indústria cultural se expande. Pelo menos os projetos menores continuam sendo mais livres, e vez por outra a gente encontra uma série que ainda tem uma assinatura marcante.

E você? O que acha? É ainda produtivo tentar enxergar e interpretar um jogo à luz dos seus antecessores? A indústria liga para uma coesão nas suas franquias? Ela deveria ligar? Por favor, me diga a sua opinião nos comentários e até uma próxima análise!

domingo, 7 de janeiro de 2018

Star fox 64 - Pensando sobre o jogo



Olá! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Star fox 64, jogo desenvolvido pela Nintendo e lançado em 1997 para o Nintendo 64. Eu planejo falar desse jogo quase desde a época em que eu comecei o canal, mas às vezes o raciocínio demora a se formar satisfatoriamente. Hoje chegou a hora.

A princípio, Star fox 64 parece um jogo simples, de uma época já passada. Em grande medida, parece fazer muito mais sentido falar do seu antecessor. O primeiro jogo da série, lançado em 1993, era um jogo que deixou muitos jogadores de queixo caído. Era um dos exemplos mais impressionantes de implementação do 3D num console conhecido quase que apenas pelos jogos em 2D.

É claro que havia um preço para aquilo. No geral, Star fox sofria muito com quedas de frames e a movimentação era significativamente lenta, estranha, com a percepção de profundidade meio falha e uma mira que parecia obedecer com um certo atraso. Mas, como na época o 3D era santo graal dos consoles, nós aceitávamos com admiração.

E também não era só isso. Os gráficos simples do primeiro Star fox dava uma aparência extremamente alienígena e quase psicodélica às fases do jogo, a trilha sonora foca muito em tons sombrios e intensos, o que tornava a passagem por cada fase uma espécie de viagem ao desconhecido. Mesmo a grande maioria dos designs dos personagens era mais crua e dava um tom um tanto sério ao jogo. Os chefes das fases, então, sempre souberam passar uma certa tensão, especialmente depois da primeira fase.

Até hoje, o primeiro Star fox é um jogo que me causa estranhamento, um certo receio enquanto jogo. Como um jogo bem arcade, é uma excelente introdução para uma espécie de ficção científica que vai além daquela fantasia positiva que mundos como Star wars fixaram quase como padrão do gênero. Eu provavelmente estou exagerando um pouco ao falar isso, mas eu acredito que o primeiro Star fox está mais próximo de um universo como o de Duna do que do de Star wars.

Enfim, por todos esses motivos, Star fox é um jogo que talvez seja até um pouco injustiçado na história dos jogos, porque as inovações e os fracassos técnicos acabam protagonizando a conversa sobre o jogo, quando na verdade há muitas coisas a serem discutidas em relação ao tom e ao universo do jogo, cujo único parente próximo no mundo da Nintendo me parece ser a série Metroid.

Mas, por incrível que pareça, Star fox não é o meu tema de hoje, e sim a sua sequência, Star fox 64. Eles possuem muitas similaridades, mas a grande diferença entre eles é justamente um afastamento daquilo que fazia o primeiro jogo da série ser interessante. Felizmente, a sequência conseguiu encontrar algo muito especial também.

Star fox 64 é um shooter espacial predominantemente sob trilhos, embora haja também momentos e fases em que se pode voar mais livremente. No jogo, você controla Fox McCloud, um jovem que chefia uma equipe de quatro pilotos, que se unem para proteger a galáxia contra Andross, um cientista que criou um exército gigante para atacar seu planeta natal. Na prática, o jogador controla a nave do Fox, contando com lasers, tiros teleguiados e bombas.

Além disso, há movimentos evasivos diversos, principalmente um giro rápido que protege a nave contra lasers inimigos. Nas fases com movimento mais livre, ainda é possível usar manobras mais complexas. E, além das naves, certas fases contam com o uso de tanques e até de um submarino.

A coisa mais importante a dizer em relação a gameplay é que Star fox 64 conserta absolutamente todos os problemas presentes no primeiro Star fox, e faz da experiência algo muito mais recompensador e confortável. A movimentação é rápida, a mira obedece com muito mais precisão, os tiros são velozes, a percepção de profundidade é bem mais clara e a taxa de frames não é mais incômoda. Com isso, em termos técnicos, Star fox 64 provavelmente se tornou aquilo que seu antecessor deveria ter sido.

Mas, ao mesmo tempo, os avanços possíveis, bem como novas direções para onde o jogo andou, transformaram a sequência em algo bem diferente. Para começo de conversa, os gráficos do jogo ficaram mais definidos, e as capacidades do Nintendo 64 permitiram criar um universo muito mais elaborados, com inimigos e construções que, embora ainda pareçam simples, não têm mais a estética alienígena e estranha do primeiro jogo, e ficou bem mais comparável com coisas que podemos imaginar facilmente.

Os personagens agora parecem menos sérios em seus designs, e adição de dubladores substituiu a fala esquisita do primeiro jogo por momentos que ficam entre o hilário, o irritante e o divertido, dependendo do momento e de quem fala. Com isso, o universo do jogo ficou muito bem definido e caminhou para longe do tom assustador e estranho do primeiro, e resolveu chegar mais perto do cartunesco.

Porém, embora isso possa parecer um erro enorme, o que aconteceu realmente foi que Star fox 64 abraçou a estética cartunesca e resolveu criar sua experiência a partir disso. E o resultado foi um jogo que abandonou o tom de mistério e perigo do antecessor, e adotou um tom de aventura épica que se tornou a marca dos jogos da Nintendo nessa época. Porém, eu acredito que Star fox 64 se destaca ainda de seus pares da Nintendo por oferecer uma estrutura cartunesca que envolve o jogador com espanto, dinamismo e empolgação por toda a experiência.

Cada fase de Star fox 64 é diferente e, apesar das mecânicas serem muito básicas e simples, o jogo sabe oferecer coisas novas e propostas diferentes a cada fase. Há alguns cenários de combate que acabam se repetindo, com apenas variações de dificuldade, mas há fases em que o jogador deve ir para a ofensiva; em outras, ele precisa se defender; em outras, ele precisa destruir um certo objeto; em outras, passar despercebido por alarmes; em outras, é preciso navegar pelo fundo do oceano, com inimigos orgânicos em vez de naves; em outras, a mobilidade limitada do tanque precisa ser levada em consideração; em outras, o calor do cenário é o maior inimigo.

E o incrível é que cada um desses cenários é interessante e envolvente para o jogador, até porque cada fase dura apenas poucos minutos, o que não dá a chance de o jogador cansar e permite um sentimento de aventura e de realmente cruzar múltiplos planetas numa galáxia. O fim de cada fase deixa o mistério sobre qual será o próximo capítulo da aventura de Fox, qual planeta maluco ou círculo de asteroides perigoso aparecerá em seguida, e isso é um sentimento que só os melhores seriados conseguem criar.

Contribui para isso também o fato de o jogo ser em trilhos, porque não há tempo para o jogador parar e apenas admirar o ambiente; assim que uma fase terminou, ele pode passar à próxima e o jogo já começa em velocidade máxima, o que deixa a mudança intensa e faz o jogador se empolgar com a nova fase, ao mesmo tempo em que mantém sua adrenalina alta, porque é preciso se adaptar rápido.

E, falando em saber se adaptar, uma das coisas mais interessantes do jogo para mim é como há múltiplas oportunidades para mudar sua rota até o planeta final. É bem sabido que o jogo possui algo como três rotas principais, fácil, média e difícil, representadas pelas cores azul, amarelo e vermelho. Porém, esses caminhos não são bem definidos e podem ser alterados pelo jogador, contanto que ele saiba o que está fazendo.

O melhor é que essas alterações não são exatamente claras, e ações que não parecem resultar em mudanças drásticas acabam sendo determinantes para fazer Fox mudar sua rota de repente: ajudar um companheiro, ser detectado por alarmes, vencer um chefe de uma forma alternativa, alcançar a velocidade da luz; tudo isso pode levar a mudanças drásticas, mas o jogo nunca conta isso ao jogador. Aliás, há caminhos que eu só descobri recentemente, quase 20 anos depois de conhecer o jogo.

Além disso, fracassos em missões, que normalmente resultariam em ter que repetir a fase, são tratados de forma orgânica e apenas resultam em mudanças de rota. Talvez, com a nave principal destruída, a equipe tenha que escolher uma rota de menor resistência, o que faz total sentido no mundo do jogo e faz com que as aventuras de Fox sejam um pouco o reflexo das suas próprias aventuras, como jogador.

E é esse sentimento de aventura que é o principal em Star fox 64: cada missão oferece uma pequena história, como um pequeno episódio de um seriado de ação espacial, os personagens se tornam divertidos, reagem a algumas decisões do jogador, que acaba influenciando os capítulos da jornada. A diversidade de fases e de situações para usar as mecânicas faz com que o jogo nunca dê a impressão de ser repetitivo, e a velocidade e os inimigos constantes do jogo previnem qualquer sentimento de monotonia.

E, com tudo isso, embora a experiência de embarcar numa grande aventura fosse uma marca fortíssima da Nintendo dessa época, e fosse clara em jogos como Super Mario 64 ou Ocarina of time, Star fox 64 sabe fazer um recorte perfeito, que não repete os colegas. A aventura de Star fox 64 é a que dá ao jogador a maior tensão, e por isso é a mais curta; é a mais bem amarrada, deixando pouquíssimo ou nenhum tempo para o jogador respirar, e ficando totalmente focado na missão de salvar a galáxia; e talvez seja até a que reage mais imediatamente às escolhas e aos feitos do jogador de uma forma orgânica, apesar de ser a experiência mais sobre trilhos da Nintendo da época.

Em grande medida, Star fox 64 é um dos jogos mais influenciados pela estrutura de outras mídias, especialmente a de seriados, com cada fase funcionando quase como um episódio, com o detalhe de que as batalhas, as vitórias e as derrotas são resultado do jogador, e por isso ele se torna especialmente investido. É uma experiência bastante marcante na história da Nintendo, embora não necessariamente receba esse crédito, o de provavelmente ser o jogo mais cinemático da empresa.

E, além disso, ainda é um dos mais claros exemplos de como construir uma história extremamente focada, mantendo o jogador investido no momento da batalha e na aventura em geral, e sentindo a pressão de poder influenciar sua trajetória, para melhor ou para pior. Com tudo isso, o jogo abandonou totalmente o mistério e o tom algo sombrio do primeiro jogo, mas se tornou mais uma fantasia positiva que conseguiu contar sua história muito bem e levar o jogador a uma viagem que ele provavelmente não vai esquecer.

E era isso que eu queria dizer sobre Star fox 64. Até a próxima análise!