Olá! Eu sou o Asa e hoje eu vou falar de Virginia, jogo desenvolvido pelo estúdio
Variable State e lançado para PC, PS4 e Xbox One em 2016. Virginia é um jogo bastante
interessante, que procura trabalhar profundamente estratégias típicas de
montagem e do cinema para criar uma estética nova no mundo dos jogos, embora
esse propósito nem sempre seja alcançado. A verdade é que talvez Virginia seja um dos casos de jogos um
pouco ambiciosos demais, se é que isso é possível. Vamos tratar disso por
partes.
A
trama de Virginia é centrada na jovem
agente do FBI Anne Tarver, que recebe a missão de se tornar parceira da agente
Maria Halperin na busca pelo menino desaparecido Lucas Fairfax. Porém, achar o
rapaz está em segundo plano, já que a missão verdadeira de Tarver é investigar
o comportamento da sua nova parceira. Eu imagino que quem assistiu ao começo de
Arquivo X já reconheceu bastante a
premissa.
Em
termos de gameplay, Virginia se apresenta como um jogo de
aventura com muito pouca interação, em que o jogador pode apenas explorar os
cenários e interagir com um ou outro objeto. Uma coisa interessante em termos
de mecânicas é que o jogo dá sinais de que é possível interagir com um objeto
mesmo que ele esteja distante, mudando o sinal do cursor que fica no centro da
tela. Se você aponta para objetos que não têm interação possível, ele permanece
como um ponto; se você aponta para algo com que é possível interagir, o cursor
vira uma circunferência. Assim, evita-se uma exploração longa que não gera
fruto algum.
Porém,
a simplicidade de Virginia acaba quando
tratamos de gameplay e premissa,
porque daí em diante as coisas começam a ficar muito mais complicadas do que se
espera. Quando o jogador finaliza Virginia,
há uma mensagem reconhecendo a influência do jogo Thirty flights of loving, de que eu já falei aqui faz
tempo. E, realmente, há uma série de semelhanças estéticas entre os dois jogos,
mas algumas lições de Thirty flights
parecem escapar a Virginia.
Como
Thirty flights, Virginia também se baseia na estética de montagem e outras técnicas
de cinema. É normal que as cenas não possuam transições que permitam ao jogador
criar uma narrativa simples em sua mente; é necessário que o jogador interprete
o lugar de cada cena no todo da experiência, inclusive fazendo a distinção
entre o que é sonho ou alucinação e o que se passa realmente naquele mundo.
Porém,
apesar de sua estrutura inovadora, Thirty
flights é um jogo muito contido, com uma experiência que dura apenas de 10
a 15 minutos, o que permite ao jogador repetir diversas vezes até entender onde
cada elemento se encaixa, e até possibilitando que saltos lógicos aconteçam com
um certo nível de segurança, já que não é preciso ir tão longe, pois a história
é muito contida, apesar de vaga.
Virginia multiplica a duração de Thirty flights pelo menos umas 6 ou 7
vezes, e isso tem seu componente de riscos e problemas. O principal, é claro, é
que, aumentando o escopo da história, aumentam os elementos que o jogador deve
interpretar e ligar de forma lógica. Além disso, aumentam os frequentes cortes
entre uma cena e outra, o que, numa obra mais longa, acaba se tornando muito
mais agressivo do que a experiência de Thirty
flights conseguiu implementar.
Ao
mesmo tempo, Virginia também estende
momentos em que nada muito importante acontece, como alguns trechos de
caminhada, ou almoços no restaurante da cidade. Isso dá ao jogo uma sensação
estranhamente desbalanceada, como se ele cortasse momentos de uma forma muito
brusca, ao mesmo tempo em que estendesse outros momentos de uma forma
desnecessária.
Thirty flights of loving é uma experiência
que surgiu do esforço máximo de cortar absolutamente tudo que era desnecessário
para contar a história. Cada pequena cena tem um significado que permite ao
jogador construir uma narrativa em sua cabeça, o que acaba dando o efeito
esperado ao final, que é uma obra potente por si mesma, mas também que ganha
muito com o trabalho interpretativo do jogador. Virginia, em contrapartida, pareceu um pouco preocupado demais com
criar algo com a mesma duração de um filme, e que por isso sofre com uma
construção desbalanceada, com algumas cenas como que faltando, enquanto outras
são quase vazias.
Esse
efeito se complica ainda mais quando a gente pensa no caráter altamente alegórico
que Virginia procura implementar, e
que se une fortemente com os cortes abruptos para deixar o jogador no limite da
incompreensão. Só para encerrar as comparações, Thirty flights of loving propõe uma história bem simples e direta,
embora não seja implementada da forma mais direta. Assim, o jogador tem uma
fundação sólida nos seus palpites, e acaba sendo mais fácil criar uma
interpretação segura.
Virginia busca a alegoria e o sonho
muito mais do que seria de se esperar. Certas imagens no jogo acabam
funcionando como temas recorrentes, como um pássaro vermelho ou um búfalo, que
mais ou menos representam a fragilidade e beleza de certos personagens frente
ao mundo. Mas, essas imagens pertencem ao mundo dos sonhos, embora
frequentemente apareçam em momentos em que, até este ponto, pareciam fundados
na realidade, o que torna a experiência frequentemente confusa.
Se
Thirty flights of loving é a
influência direta de Virginia no
mundo dos jogos, a obra do diretor David Lynch é a influência no mundo do cinema.
Filmes como Veludo Azul, Cidade dos sonhos e até uma série como Twin Peaks revelam o esforço para criar
um mundo em que alegorias ingressam no mundo real, e em que a diferença entre
alucinação e sonho pode ser muito pequena. Porém, enquanto os filmes de Lynch
são muito mais coesos num sentido narrativo, geralmente seguindo numa linha
reta e num ritmo que parece realista, apesar dos personagens e figuras não
realistas, Virginia soma essa
estética aos cortes constantes, o que torna a experiência mais confusa e menos
confortável para o jogador apreciar.
Foi
por isso que eu disse, no começo, que Virginia
é provavelmente um jogo que sofre por sua grande ambição. O principal esforço
do jogo era transportar, de um jeito inteligente, a estética dos filmes para um
jogo, porém há um esforço para transportar o máximo de técnicas fílmicas não
convencionais, o que torna Virginia
um jogo que, muitas vezes, faz o jogador ficar mais confuso do que deveria.
E,
na verdade, a mensagem do jogo sequer é muito complexa, embora seja
interessante. O tema principal de Virginia
é o da luta de personagens oprimidos por um mundo que os vê com desconfiança e
desprezo. Não é à toa que as duas protagonistas são mulheres negras, atuando
numa área em que essas duas características não são tão comuns. Muitas das
alegorias do jogo simbolizam justamente os sacrifícios necessários a esses
personagens para conseguir o que outros já conseguiram mais facilmente.
Além
disso, o jogo procura estabelecer uma simpatia pelas personagens femininas
daquele mundo, que são silenciosas e sutis, enquanto a maioria dos homens
representa figuras de poder que forçam a opressão e o sacrifício de outros
personagens. Sendo assim, é um jogo sobre dinâmicas raciais e de gênero, mas que
enterra muito uma discussão interessante num aglomerado de técnicas que
dificultam sua compreensão e acabam fazendo com que o jogador passe muito mais
tempo tentando entender qual o seu tema, do que tentando entender a
complexidade do seu tema.
E
era isso que eu queria dizer sobre Virginia.
É um jogo bem interessante, muito bem intencionado, seja na sua mensagem
social, seja nos seus esforços estéticos, com uma trilha sonora muito boa e com
um visual simples, porém belo, e que contém cenas isoladas poderosas, mas que é
uma vítima de uma ambição tão grande, que coloca muitos dos seus esforços a
perder. Bom fim de ano e até uma próxima análise!