sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Castlevania: Harmony of Dissonance - Pensando sobre o jogo




Olá! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Castlevania: Harmony of Dissonance, jogo desenvolvido pelo estúdio de Tóquio da Konami e lançado em 2002 para Gameboy Advance, sendo o segundo jogo da série para essa plataforma, um ano depois de Circle of the Moon, que, aliás, foi desenvolvido por outro estúdio. Então, sim, hoje é finalmente dia de continuar nossa longa e famosa aventura pela série Castlevania.

Para entender mais claramente o lugar de Harmony of Dissonance na série, eu recomendo fortemente que quem tiver interesse leia meu texto sobre Circle of the Moon, porque eu acredito que ele é o jogo que define os parâmetros e as expectativas para os jogos da série no Gameboy Advance e, já que o jeito como eu tenho abordado a série é olhar para como ela vai se transformando com os desafios dos novos tempos, essa perspectiva acaba sendo meio importante.

Harmony of Dissonance é, como seus antecessores, um metroidvania, que se passa no castelo de Drácula e no qual o objetivo é explorar o castelo em seus detalhes, tentando coletar novas habilidades de modo a acessar trechos antes inalcançáveis ou bloqueados, até finalmente vencer o último inimigo. O jogo, porém, conta com um pedigree diferente: se Circle of the Moon foi criado pelo estúdio responsável pelos Castlevania em 3D do Nintendo 64, Harmony of Dissonance vem do estúdio responsável pelo jogo que revolucionou a série, Symphony of the Night.

Isso, por si só, já carrega imensas expectativas de qualidade e escala – até porque Circle of the Moon já tinha provado que um mapa imenso era possível no Gameboy Advance. Porém, quanto mais eu jogo e analiso Harmony of Dissonance, mais eu me convenço de que o jogo perde numa comparação com seus dois antecessores, e isso por uma série de razões.

A primeira está na maior estrela de um metroidvania: o cenário. Embora seja bem difícil mensurar corretamente, a impressão que eu tenho ao analisar minha experiência com os dois jogos é que Circle of the Moon, além de ter um mapa mais amplo, faz melhor uso dele em termos de design. No geral, os cenários são mais interessantes e exigem mais habilidade para atravessar, enquanto Harmony of Dissonance tem diversas salas simplesmente vazias, ou que começam e terminam numa linha reta.

Além disso, as habilidades conquistadas em Circle of the Moon geralmente envolvem mais habilidade da parte do jogador, o que cria um dinamismo no gameplay que raramente se aplica a Harmony of Dissonance, em que as habilidades são mais ou menos previsíveis e demandam pouco de quem está jogando.

O grande diferencial de Harmony of Dissonance é a duplicidade de seu cenário. No jogo, existem duas versões do castelo de Drácula, e é necessário ao jogador atravessar os dois e lidar com pequenas diferenças de cada versão. Esse design, por sua vez, tem também dois lados: por um lado, certamente a gente pode dizer que, ao multiplicar o cenário por dois, ele se torna maior que o castelo de Circle of the Moon, e é mais fácil esconder segredos nele, pelo fato de que tudo parece tão familiar que talvez você acabe deixando algo passar batido se não estiver atento.

Por outro lado, porém, ter que explorar algo que é, essencialmente, o mesmo cenário duas vezes, levando em consideração que já é parte de um metroidvania o ato de passar múltiplas vezes por um mesmo trecho do mapa, acaba se tornando desgastante e cansativo, e acaba ressaltando o quanto o design do castelo em si e as habilidades do protagonista não são excepcionalmente interessantes.

O design de Harmony of Dissonance parece revelar um esforço de repensar um dos clássicos momentos de Symphony of the Night, com dois castelos para explorar. Claramente houve uma intenção de fazer com que áreas semelhantes parecessem algo diferentes e fossem exploradas com diferentes níveis de perigo. Porém, uma das grandes vantagens do design de Symphony of the Night é que o segundo castelo aparecia num ponto em que o jogador tinha ferramentas para correr e explorar de um jeito muito mais dinâmico, enquanto o jeito paulatino como Harmony of Dissonance se revela acaba fazendo com que o jogador precise explorar duas vezes o mesmo cenário com o mesmo ritmo lento, o que se torna cansativo.

Se o cenário de Harmony of Dissonance parece uma versão pálida dos jogos que vieram antes, o mesmo vale para sua história. Seguindo a trama de Circle of the Moon, o jogo ainda fala de dois amigos e rivais que correm para dentro do castelo, tentando salvar um ente amado. A dinâmica desses rivais não é exatamente a mesma, mas, com apenas pouco mais de um ano separando os dois jogos de Gameboy Advance, é difícil não discernir a similaridade dos dois.

Em termos do gameplay em si, talvez o maior destaque fique para o sistema de magia do jogo, que envolve combinar certos livros mágicos que são encontrados no castelo e as suas armas secundárias clássicas. Isso cria uma grande variedade de magias, que, aliada ao sistema de RPG que vem desde Symphony of the Night, permite uma customização considerável do protagonista Juste Belmont, embora eu acredite que haja menos opções do que em Circle of the Moon. Porém, o número de opções é grande o suficiente para essa diferença não me afetar.

No mais, em termos gráficos, os jogos de Gameboy Advance não me parecem tão distantes um do outro, com Harmony of Dissonance provavelmente sendo mais detalhado, e Circle of the Moon indo para um lado um pouco mais cartunesco e simples. Como a série costuma prezar por esse clima gótico, barroco e geralmente excessivo no seu design visual, eu acredito que Harmony of Dissonance tenha uma estética mais típica da série do que Circle of the Moon, mas no fundo é uma questão de gosto.

O que é difícil colocar na conta do gosto foi a queda na qualidade da trilha sonora. Circle of the Moon e Symphony of the Night têm grandes trilhas sonoras, porém Harmony of Dissonance deixa bastante a desejar, com produções que eu consideraria apenas de boa qualidade.

O resumo dessa ópera toda seria dizer que, embora Harmony of Dissonance seja um jogo competente, certamente ele empalidece diante dos jogos da série que o precederam e demonstra uma profunda falta de ambição. Uma das minhas grandes curiosidades em relação a esse jogo foi quando ele começou a ser desenvolvido, porque eu quero acreditar que o time de Tóquio trabalhou sem dialogar muito com o time de Kobe, responsável por Circle of the Moon. E, quando Circle of the Moon foi lançado, eles provavelmente já estavam num estágio em que as bases de Harmony of Dissonance já estavam estabelecidas demais para serem mudadas.

O resultado é que Harmony of Dissonance parece o primeiro jogo estagnado da série. Desde o segundo Castlevania, a gente vê, independentemente dos sucessos e erros, esforços genuínos para repensar a série, seja em termos de level design, mecânicas, estética, história ou tom. Harmony of Dissonance parece repousar muito confortavelmente na sombra de seus antepassados, especialmente de Symphony of the Night.

Até o personagem principal do jogo, Juste Belmont, não se parece em nada com nenhum dos membros da família de caça-vampiros, sendo, na verdade, muito mais parecido com Alucard, herói de Symphony of the Night. Aliás, se alguém trocasse o nome de Juste por Alucard, ninguém ia sentir a diferença. Talvez só estranhasse o chicote.

E, quando a gente olha em retrospecto, essa crise faz algum sentido: a série já tinha 16 anos com o lançamento de Harmony of Dissonance, e tinha, mais ou menos, sobrevivido sempre inovando, mesmo já se encaminhando para completar 20 títulos lançados. E aí resta apenas à especulação tentar explicar os motivos das limitações de Harmony of Dissonance. Meu palpite tem a ver com o próprio jeito como eu jogo os títulos da série: talvez, ao longo dos anos 80 e 90, com os jogos sendo mais curtos, houvesse a possibilidade de inovar lançando um jogo da série por ano. Porém, com os jogos quadruplicando de tamanho, fica difícil criar algo novo num prazo curto e aí a chance de jogos com designs dentro da zona de conforto se torna maior.

E esta é uma grande tendência da década de 2000, com os custos de desenvolvimento aumentando e desenvolvedores fazendo o possível para otimizar seu tempo e seus gastos, aproveitando designs, engines e mecânicas que deram certo num jogo anterior e estabelecendo sequências num ritmo mais acelerado. Porém, como eu disse, tudo isso é especulação. O que é fato é que Harmony of Dissonance, embora competente, fica abaixo de seus pares e é um estranho membro na estelar série da Konami.

E era isso que eu queria dizer sobre Castlevania: Harmony of Dissonance. Até a próxima análise!

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Monster rancher 2 - Pensando sobre o jogo



Olá! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Monster Rancher 2, jogo desenvolvido pela Tecmo e lançado para PS1 em 1999. Ele é um jogo muito querido da minha infância, e que, embora bastante obscuro, tem algumas coisas interessantes a ensinar ainda hoje.

Monster Rancher é uma franquia que eu acredito ser mais famosa por conta da animação de mesmo nome, também produzida na virada dos anos 90 para os 2000, e que está condenada a viver à sombra de Pokemon ou mesmo de outro fenômeno cultural um pouco menos desenvolvido tecnologicamente, os tamagochis, aqui conhecidos como “bichinhos virtuais”.

Como essas duas grandes franquias, Monster Rancher 2 é um jogo dedicado a criar e/ou domesticar monstros, porém ele funciona como uma espécie de mistura de bichinhos virtuais e Pokemon, integrando o dia a dia da criação de um monstro, que descende dos tamagochis, e o foco em batalhas, que vem de Pokemon.

O grande diferencial de marketing de Monster Rancher, para quem não sabe, era o fato de que o meio mais popular de obter uma raça nova de monstros não se dava pelo mundo do jogo, e sim por uma curiosa integração com o mundo real: no mundo de Monster Rancher, monstros são criaturas armazenadas em discos de pedra e cabe ao protagonista do jogo liberá-las num altar, num ritual em que o disco gira freneticamente até o monstro surgir.

Essa descrição mimetiza em tudo uma das grandes marcas dessa era de consoles, que era a ampla adesão do CD. E, na verdade, tudo isso é uma contextualização para o procedimento real para desbloquear monstros virtuais: o jogador tinha que retirar o CD de Monster Rancher 2 do seu console e colocar outro qualquer e, com isso, um monstro totalmente novo aparecia. Isso funcionava com outros jogos de PS1, e também com CDs de música.

O objetivo é, claro, criar um ar de mistério e empolgação com esse processo de obter um monstro novo e incentivar a troca de CDs e a visita de amigos para presenciar o desbloqueio desses novos monstros. Era uma experiência social muito interessante e que permitia que toda e qualquer pessoa com um CD pudesse contribuir com o processo, o que tornava tudo muito democrático e divertido.

Para além do seu apelo social, eu acredito que a coisa mais interessante nessa mecânica é o seu fator de aleatoriedade: você nunca sabia o que ia encontrar ao colocar um CD novo e, bem ou mal, você estava mais ou menos limitado aos monstros que os seus CDs permitiam desbloquear, já que nem todo monstro poderia ser desbloqueado jogando. Essa aleatoriedade é o primeiro indicador de como será a experiência de Monster Rancher 2: um balanceamento constante entre elementos fora do controle do jogador e o seu desejo de fazer as coisas se adequarem.

No jogo, você controla um jovem treinador que acaba de começar no ofício. Para se dar bem, você recebe a ajuda de uma auxiliar, Colt, e o seu objetivo final é treinar um monstro que seja capaz de competir e vencer os quatro maiores campeonatos de luta daquele mundo.

Qualquer fã de Pokemon que ouviu essa descrição já deve estar pensando que isso é muito parecido com a sua série favorita, mas, na prática, as coisas são muito diferentes. Pokemon foca em três elementos: uma jornada épica pelo continente, a captura do máximo de pokemons possíveis e a construção de um time balanceado para vencer as competições. Monster Rancher 2 não conta com nenhum desses elementos, ou apresenta apenas uma versão muito diferente de alguns deles.

Para começar, não há jornada épica. Praticamente 100% do seu tempo enquanto treinador vai se passar dentro do seu rancho, em que você cuida do seu monstro em muitos detalhes: você escolhe que ração ele vai comer, quando ele vai treinar, que tipo de treinamento vai fazer, quando vai descansar, quando vai participar de competições, etc. A cada semana do mês, você pode escolher as atividades do seu monstro e depois você confere os resultados.

Note que eu estou falando sempre de monstro no singular, e isso é porque você só pode cuidar de um monstro por vez. Você pode congelar seu monstro atual e começar a treinar outro, ou mesmo realizar fusões entre monstros para criar um monstro diferente, mas a estrutura fundamental do jogo requer atenção a um monstro por vez. E, com isso, não existe ideia de time balanceado, e alguém até poderia dizer que não existe sequer ideia de monstro balanceado. E isso porque Monster Rancher 2 é um jogo de constantes escolhas, frustrações e sacrifícios.

Seu monstro tem um tempo de vida limitado, como qualquer animal real, e seu treinamento determina muito a duração dessa vida. De qualquer forma, é muito provável que seu monstro nunca vá conseguir ser bom em tudo, porque realmente não há tempo suficiente na vida dele para ele ser o monstro ideal, por mais que ele se esforce e treine. E, na verdade, se você perseguir isso, provavelmente só vai conseguir fazer com que ele morra antes da hora, com ainda menos atributos do que ele poderia obter.

E, se a limitação dos CDs era a primeira limitação que Monster Rancher colocava no jogador, o tempo de vida e as limitações físicas do monstro são a segunda limitação e deixam o jogador sempre um pouco preocupado com essa criatura que ele quer fazer progredir, mas com a qual ele não pode ser rígido demais.

O jeito óbvio de o monstro progredir é, claro, com os treinos. Esses são os momentos de que eu me lembro mais quando paro para pensar em Monster Rancher 2, por causa da agonia sem fim que eles me causam: como treinador, a única coisa que você pode fazer é escolher o tipo de treinamento que você quer que seu monstro faça. Cada um deles trabalha algum atributo, com alguns trabalhando mais de um, em troca de reduzir outro e deixar o monstro mais cansado.

Uma vez escolhido o treinamento, o serviço pesado fica a cargo do monstro, que pode realizar o treinamento, trapacear para completá-lo de um jeito mais fácil, ganhando menos atributos, ou simplesmente falhar. E, até onde me consta, há fatores que aumentam suas chances de sucesso, mas sempre há uma porcentagem de chance de seu monstro falhar ou trapacear. Ou seja, você não tem controle total sobre o processo de treinar seu monstro, e é preciso lidar com esse caráter imprevisível da experiência. As falhas do seu monstro são, portanto, a terceira limitação que o jogo impõe ao jogador.

Se você conseguir superar todos esses empecilhos de forma satisfatória, ainda resta uma parte: os combates. As batalhas de Monster Rancher 2 são exercícios de tensão muito divertidos. Você coloca seu monstro para batalhar com outros e a única coisa que você pode fazer com certeza é controlar a movimentação do seu monstro pela arena. Sendo uma arena em 2D, isso significa que você pode determinar com segurança se seu monstro está mais perto ou longe do adversário.

Isso é importante porque a distância determina quais ataques podem ser usados. Há quatro níveis de distância e o jogador pode escolher em tempo real que ataque sugerir ao monstro, conforme a distância. Note que eu acabei de usar o verbo “sugerir”; isso porque existe uma chance de seu monstro não te obedecer, o que é determinado por quão leal ele é a você, algo que demora um certo tempo até você conseguir. Até lá, você precisa cruzar os dedos toda vez que indica um ataque.

Além disso, as batalhas ainda deixam bem claras as porcentagens de acerto de cada ataque, sendo necessário administrar um elemento chamado guts, que vai crescendo ao longo da luta e que é, digamos, o combustível de cada ataque. Porém, quanto maior for seu guts, maiores são as chances de acertar. Com isso, o jogador precisa controlar a distância, gerir guts e torcer para seu monstro ou o adversário não fazerem nada prejudicial nesse meio tempo. Ah, e, caso você não se saia bem na batalha e acabe levando seu monstro a nocaute, existe uma chance significativa de ele morrer, ou ficar em recuperação no hospital por semanas.

Todos esses elementos tensos e aleatórios das batalhas acabam representando o quarto impedimento ao controle do jogador: existem ações do jogador que certamente podem influenciar o resultado, porém elas muitas vezes soam como atitudes para gerenciar o caos típico desse combate, em que o controle é mais ou menos uma ilusão.

Por todos esses motivos, Monster Rancher 2 é quase um pesadelo em comparação com a experiência que muitas vezes a gente vê considerada como a ideal na nossa indústria. Eu tento acompanhar muitas reflexões sobre jogos, e é impressionante a quantidade de vezes em que eu ouço os termos “opções”, “não linearidade”, “controle”, “previsibilidade”, e “liberdade” como sendo sinônimos do que faz um jogo bom e interessante.

Monster Rancher 2 é um jogo em que o controle é precário: você não pode escolher seu monstro livremente; você não pode treiná-lo o quanto quiser; você não pode ajudá-lo no treino em si; e você não pode fazer ele te obedecer o tempo todo. Por conta disso, você faz o melhor que pode nas condições que se apresentam. E, com isso, ele provavelmente figura, junto com The last guardian, como uma representação interessante e significativa do que é lidar com uma criatura diferente de você, com alguém que, apesar de todo seu esforço, nem sempre é ou age da forma que você quer.

A quantidade de controle que é retirada do jogador serve o importante propósito de tornar a experiência toda imperfeita, não adequada aos desejos do jogador, como é da natureza das relações com o outro, seja ele um animal, uma pessoa ou o próprio mundo. Com um olhar algo cético, eu diria que essas estruturas foram criadas apenas como formas simples de tornar a experiência difícil e longa; sem elas, Monster Rancher 2 seria um jogo algo tedioso, porque, sem o componente aleatório, a rotina seria repetitiva e as batalhas seriam simples demais.

Após vivenciar o jogo, entretanto, eu acredito que os desenvolvedores conseguiram algo mais: construíram um dos grandes casos de ludoironia da sua era, uma experiência que, embora pareça tão simples e direta, é, na verdade, um exercício de lidar com condições sempre tensas e instáveis, em que problemas ocorrerão, mas com os quais você se acostuma e que fazem você respeitar e gostar do seu monstro um pouco como uma criatura viva. A falta de controle sobre o outro é o que dá identidade ao outro, nos coloca em xeque e nos ensina respeito.

Era isso que eu queria dizer sobre Monster Rancher 2. Até a próxima análise!

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

DOOM (1993) - Pensando sobre o jogo




Olá! Eu sou o Asa e hoje vou falar de DOOM, jogo desenvolvido pela id Software em 1993 para PC, e depois para uma infinidade de plataformas que atravessam gerações, com mais de 20 anos de ports, o que faz desse jogo um dos maiores e mais perenes clássicos da nossa arte, provavelmente rivalizando só com títulos como Super Mario Bros. e Tetris.

Como os outros dois jogos que eu citei, DOOM representou um fenômeno cultural cujas marcas são sentidas até hoje, e que eram quase onipresentes na comunidade de jogadores no meio dos anos 90, e mesmo fora dela. De vez em quando a gente tem esses momentos na história da indústria: Mario e Tetris nos anos 80 e começo dos 90, DOOM nos anos 90, GTA nos anos 2000 e por aí vai.

A popularidade de DOOM, aliás, junto com a de Mortal Kombat, foi instrumental na criação daquela corrente exterior à comunidade que critica jogos como incentivadores de violência e que levou à criação de agências que acompanham e classificam jogos conforme a idade do público.

E, claro, além disso tudo, muito já se disse e analisou sobre DOOM em termos de design, visual, música etc. É um jogo muito simples que, curiosamente, já gerou muitos discursos críticos, e mesmo produções criadas a partir dele, já que DOOM é uma das maiores bases para mods ao longo da história da cena.

Mas, eu não gosto de ficar repisando assuntos já tratados por gente mais embasada do que eu e, por isso, eu indico a análise do Errant Signal sobre DOOM, que tenta fazer uma retomada dos discursos sobre o jogo, e ainda acrescenta uma interpretação bem interessante e pessoal à fortuna crítica do jogo. Aliás, esse mesmo canal, talvez o melhor dedicado a jogos no YouTube hoje, tem também vídeos sobre Quake e sobre DOOM de 2016 que ainda oferecem uma visão complementar sobre o jogo original e que eu também recomendo a quem tiver interesse.

Enfim, considerando o tamanho da fortuna crítica sobre esse jogo, eu vou adotar o mesmo approach de quando eu falei sobre Mega Man, ou seja, eu vou passar um pouco voando pelos elementos já tidos como conhecimento comum e depois só falar um pouquinho da minha interpretação específica do jogo. De qualquer forma, acho que o vídeo do Errant Signal já ajuda muito nos conceitos básicos. Enfim, vamos lá.

DOOM pode não ser o inventor do FPS, nem sequer é o primeiro título do gênero desenvolvido pela id Software. Porém, ele é provavelmente o mais influente e que definiu por muito tempo o que um FPS deveria ser, embora muito da sua influência tenha se esvaído, conforme a estética realista foi dominando a indústria. Em termos de mecânicas, DOOM é a definição da fantasia de poder: você controla um soldado trabalhando numa lua de Marte que é tomada por uma invasão demoníaca e cabe a você, e você somente, a tarefa de executar o máximo possível de inimigos e arruinar os planos dos demônios.

Em termos de gameplay, existem três elementos que trabalham juntos para criar essa experiência: o primeiro é a eficácia e o poder das armas do jogo, que geralmente devastam os inimigos, sempre com a ajuda de um som muito potente que dá uma sensação de usar armas muito poderosas. O próprio visual ajuda também com isso, com os inimigos praticamente se desmanchando numa poça de sangue depois de mortos.

O segundo elemento é a movimentação, que é extremamente veloz e incentiva a quase deslizar pelas fases, indo de um lado para outro, destroçando os inimigos. Em grande medida, a movimentação e o poder de fogo dão a impressão que o protagonista do jogo é uma espécie de super-herói sanguinário. E o terceiro elemento é o fato de que, no geral, os inimigos atacarem com projéteis que podem ser evitados com certa facilidade, o que permite ao jogador continuar se movimentando e atirando, em vez de se escondendo.

Outro elemento central nessa experiência é, claro, a música. A trilha sonora de DOOM é pautada por rock pesado e que produz, em grande medida, um efeito semelhante àquele que eu descrevi no meu vídeo sobre Hotline Miami: a batida é poderosa e intoxicante e, somada à velocidade do gameplay e aos desafios que o jogo apresenta, faz com que seu cérebro praticamente desligue a tudo que não seja o combate e seja tomado pela adrenalina que, em última instância, talvez faça de DOOM um dos jogos de alta intensidade mais viciantes.

Eu acredito que esses sejam os elementos que compreendem o conhecimento comum sobre esse jogo. É provavelmente com essa imagem que ele entrou para a história e sua influência é mais sentida se nós rastrearmos esses elementos. A ideia do movimento rápido e de desviar de projéteis está viva até hoje num jogo como Hotline Miami, enquanto o impacto das armas como sensação de poder ainda é uma das marcas de Wolfenstein, como eu falei no meu outro vídeo há uns dias.

Porém, existe um outro lado de DOOM que não é tão discutido, ou pelo menos não é tão retomado pelos jogos que o sucederam: o seu lado de terror. Em grande medida, DOOM faz um trabalho incrível de equilibrar a sensação de poder com a de medo de um jeito que eu não vi jogo nenhum conseguir fazer, já que, a princípio, os dois sentimentos parecem opostos.

O primeiro elemento de terror é óbvio: toda a estética visual do jogo retoma imagens satânicas, incluindo também alguns elementos industriais e horror corporal que tornam o visual de DOOM uma mistura de terror satanista com Aliens e The thing. Além disso, a trilha sonora, embora intoxicante, também sabe incluir melodias algo sinistras que criam o sentimento de que, embora você seja muito poderoso, você está num lugar onde não deveria estar.

Vale dizer também que cada inimigo emite uns grunhidos mesmo que não esteja visível, o que torna a exploração algo aterrorizante, porque sempre há o risco de armadilhas. O level design de DOOM é labiríntico e é normal gastar um certo tempo procurando segredos ou mesmo chaves para desbloquear partes fundamentais da fase. Porém, muitas vezes uma passagem trivial pode ser surpreendida por um enxame de inimigos que saíram de uma sala secreta, o que causou uma infinidade de sustos em mim, até porque você se move de forma tão rápida e frenética, que nem sempre está preparado para dar de cara com inimigos numa área pela qual já passou inúmeras vezes.

Eu acredito que essa mistura de poder e terror é a melhor parte de DOOM, o que faz dele algo realmente especial. Essa sensação está presente principalmente nos dois primeiros episódios do jogo, em que o level design parece mais voltado a criar labirintos e surpresas. Já o terceiro e último episódio da versão original do jogo parece mais voltado a arenas e combates, com alguma exploração aqui e ali. A experiência continua muito divertida, mas acho que ela perde um pouco da complexidade.

Como eu disse, eu acredito que muito do que faz de DOOM uma experiência tão especial e tão pouco replicada, apesar de muito imitada, é justamente essa mistura surreal de poder e medo. Porém, mesmo quando eu acompanho os fãs reagindo a um novo jogo da série, sempre vejo as clássicas palavras de ordem: “alta velocidade”, “sensação de poder”, “rock pesado”. Eu quase nunca vejo mencionados os elementos de terror do jogo, e alguém até poderia dizer que a estética realista que perpassa a indústria hoje até tornaria difícil recriar os designs ao mesmo tempo pouco detalhados e assustadores que marcaram o início da série.

Se for assim, então DOOM está condenado a reinar sozinho como uma experiência que perfeitamente encapsula algo que eu vou chamar aqui de rebeldia adolescente ou jovem adulta. Essa mistura de poder e terror que perpassa gameplay, som e visual cria um sentimento de angústia que eu associo muito a essa fase da vida, embora ela obviamente não se limite a ela.

Eu acredito que a experiência adolescente se trate, em grande medida, da busca entre suportar alterações hormonais que tanto mexem com nossas atitudes e mentes, ao mesmo tempo em que se tentar criar uma identidade que articule, ao mesmo tempo, o que se quer aproveitar e recusar do mundo à nossa volta. Isso não raramente envolve sentimentos de incompreensão e de raiva, uma raiva que, muitas vezes, envolve um medo do mundo à nossa volta.

A gente nota um pouco como essa ideia está contida de alguma forma em DOOM quando a gente analisa a história do jogo ou, mais exatamente, quando a gente analisa a história pregressa do jogo. Para quem não sabe, o protagonista de DOOM é um soldado enviado a Marte por se recusar a seguir uma ordem injusta, ou seja, por desafiar o status quo. Em Marte, ele não tem nada para fazer, num tédio imenso até a invasão, quando ele, finalmente, pode colocar toda a sua raiva para fora.

Em grande medida, o sentimento por trás dessa premissa me lembra muito questões discutidas em filmes como Clube da Luta: uma sociedade injusta e vazia, em que a escolha pessoal é punida, em que se espera que você suma na multidão e, se você não sumir, vão sumir com você, nem que você tenha que ir para outro planeta. E, considerando tudo isso, a revolta que o jogo todo representa é uma explosão violenta de frustração, sem um alvo específico.

Não há necessariamente um questionamento social, como há em Clube da Luta, que apresenta uma pessoa louca manipulando frustrações sociais difusas com a sociedade para instigar violência. A experiência de DOOM representa esse veículo de escape, uma violência em resposta à violência que o adolescente e o jovem adulto percebem ao observar o mundo à sua volta, ao perceber seu futuro ou seu presente como uma engrenagem social. Não é à toa que DOOM foi chamado de a causa número 1 de queda de produtividade no mundo; ele era incrivelmente popular em ambientes de trabalho corporativo, em que sua existência como indivíduo é sempre diminuída.

E essa mesma raiva vem com o sentimento de terror da falta de escapatória dessa mesma sociedade, do medo de não se adequar, de ser julgado e diminuído. É uma explosão de raiva advinda da frustração por uma luta que não se pode vencer. E esse sentimento parece marcar a nossa sociedade até hoje, e é o que faz de DOOM sempre um jogo tão contemporâneo nosso, embora muitas de suas influências estéticas tenham lentamente perdido relevância.

Assim, DOOM acaba sendo o jogo seminal para exprimir nosso sentimento de inadequação, nossa frustração de ir trabalhar todos os dias, de engolir sapos por conveniência, de entender e ter que nos comportarmos conforme as regras do jogo social. DOOM é o jogo que perfeitamente mostra a relação dual que temos numa época em que tudo parece um pouco estranho e assustador, e nos incomoda de uma forma que demanda extravasamento.

E era isso que eu queria dizer sobre DOOM. Até a próxima análise!

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Metroid II: return of Samus - Pensando sobre o jogo




Olá! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Metroid II: return of Samus, jogo desenvolvido pela Nintendo para o Gameboy original e lançado em 1991, cinco anos após o lançamento do primeiro Metroid para o NES.

Antes de a gente começar de fato, eu recomendo a quem se interessar ver o meu vídeo que discute o primeiro Metroid, porque existe uma série de elementos estruturais que Metroid II retoma de seu predecessor, embora adaptando sua proposta para uma plataforma portátil, resultando em alguns efeitos muito interessantes.

Mas, antes de entrar nisso, vamos falar da premissa do jogo. Metroid II se passa um pouco depois do primeiro jogo, em que Samus conseguiu destruir os piratas espaciais e os Metroids que haviam sido roubados e usados como arma. Porém, a federação galáctica ainda estava preocupada com a possibilidade de ainda haver mais espécimes de Metroids no planeta em que eles foram encontrados, chamado SR388, um nome que lembra muito o do planeta do filme Alien, chamado LV426.

E, de fato, diversas expedições enviadas ao planeta acabaram sumindo. Com isso, a federação decide contratar Samus mais uma vez, com a missão de erradicar toda a espécie Metroid. E, assim, a caçadora de recompensas chega a SR388 com um radar que exibe quantos Metroids ainda povoam o lugar e a sua missão é explorar o planeta de cabo a rabo até não sobrar mais nenhum Metroid vivo. No final do texto a gente volta a isso.

Na prática, Metroid II tem uma estrutura muito semelhante a seu predecessor: você começa na superfície do planeta e precisa ir cada vez mais fundo, explorando ao máximo e adquirindo habilidades novas e upgrades para abrir caminho e prosseguir na sua missão. Porém, por mais limitado que o NES fosse, ele ainda era uma máquina mais potente que o Gameboy e, portanto, as limitações eram mais severas no caso de Metroid II.

Porém, essas limitações parecem ter sido consideradas com muito cuidado pela equipe da Nintendo e, a cada passo para trás por conta de limitações de hardware, o jogo apresenta um passo à frente em outras características que ainda fazem o jogo funcionar excepcionalmente bem, a ponto de me fazer dizer que eu gosto mais de Metroid II do que do Metroid original.

A diferença mais imediatamente reconhecível quando a gente começa a jogar Metroid II é o espaço que a Samus e os inimigos ocupam na tela: eles ocupam uma porcentagem bem maior, o que influencia a sua capacidade de ver à frente e de reagir com antecedência. Todos os inimigos são detectados apenas quando você está a uma distância muito pequena deles e, provavelmente por limitações de memória, assim que eles saem da tela, eles param de te perseguir.

Independentemente dessa facilidade de congelar os inimigos assim que eles saem da tela, no momento em que eles entram novamente, é preciso atacar com rapidez e agilidade, visto que a margem de manobra é mínima. Isso faz de toda batalha em Metroid II algo tenso e sufocante, o que reforça o sentimento que marca a série, que é o de um espaço ameaçador que faz o jogador se sentir em desvantagem.

Esses momentos são especialmente significativos quando a gente encontra um Metroid. Eles raramente estão em sua forma original e, quanto mais o jogador se aprofunda no planeta, mais assustadoras são as evoluções dos Metroids. Eles perseguem o jogador e atacam violentamente, e só podem ser vencidos com mísseis, que existem em quantidade limitada. Se você ficar sem munição numa batalha contra um Metroid, sua única saída é fugir.

Isso deixa bem claro uma questão importante sobre o jogo: embora a premissa do jogo gire em torno de uma ordem de extermínio, raramente o ato de matar um Metroid é uma experiência fácil, o que deixa bem claro que a Samus raramente encarna o papel de caçadora nesse jogo. Ela vive sempre uma mistura de predadora e presa.

Assim, Metroid II já faz um trabalho excelente no tocante a tornar o combate uma ação opressiva e tensa, ao mesmo tempo em que eliminou algumas chatices do primeiro jogo, como o respawn muito frequente de inimigos. Usou-se a limitação da tela e da memória do Gameboy como base para criar algo especial, que eu às vezes gosto de pensar como uma simulação de explorar uma imensa caverna subterrânea, em que você só vai sentir o seu inimigo quando estiver bem perto e aí você está tão ao alcance do ataque dele quanto ele está ao alcance do seu.

Outra limitação tornada em força foi o level design. Diferentemente do primeiro jogo da série, Metroid II não conta com imensos cenários que fazem o jogador se sentir totalmente perdido se não estiver disposto a elaborar um mapa. Ele, na verdade, conta um túnel central, que conecta diversas subáreas que, embora menores que qualquer área no jogo original, apresentam bifurcações suficientes para não parecer algo simples e linear. E, como as dimensões de cada subárea são mais limitadas, é possível ao jogador distinguir com maior precisão cada trecho e lembrar o que foi ou não explorado.

Explorando toda uma subárea, o jogador provavelmente vai conseguir todos os upgrades e habilidades contidas lá, além de exterminar todos os Metroids que existem naquela localidade. Quando todos forem mortos, o cenário treme e um trecho novo a explorar se abre. Aliás, talvez este seja o único problema estrutural do jogo: em vez de criar impedimentos que só podem ser superados com novas habilidades coletadas, as subáreas de Metroid II são bloqueadas por rios de lava, que acabam por sumir depois que o jogador extermina todos os Metroids da área em que está.

Essa solução acaba sendo pouco natural dentro do jogo, porque não há uma ligação direta entre esses rios de lava e os Metroids, então fica bem claro que é apenas uma dinâmica artificial, e não algo que faça sentido narrativamente dentro do jogo. Eu entendo por que o jogo funciona assim, considerando que cada área é explorada de forma não linear e seria difícil desbloquear habilidades sem saber exatamente qual é o último Metroid exterminado, e seria muito frustrante ter que voltar a áreas muito distantes procurando por um Metroid esquecido. Porém, o resultado final acabou artificial.

Por fim, vale dizer que, para um jogo de Gameboy, Metroid II faz um excelente trabalho em criar áreas intrigantes e distintas, com cenários que simulam cavernas, trechos cheios de musgos ou vegetação subterrânea, e até elementos de uma civilização antiga que teria povoado o planeta. A música também participa muito bem nessa construção, sabendo alternar tons mais aventurosos com trechos mais tensos e alienígenas que são bastante adequados à experiência.

Assim, Metroid II cria uma estrutura que ainda sabe dar o devido valor à tensão e ao medo, que faz os cenários se tornarem assustadores, embora um pouco menos vastos, que faz os inimigos se tornarem ameaças reais, e que sabe misturar perfeitamente o sentimento de aventura e de tensão que faz desse jogo o melhor título de Gameboy que eu já joguei – pelo menos em termos de gameplay.

Mas, para a gente terminar, falta falarmos da história. Um debate muito interessante que existe em relação a Metroid II é dedicado à premissa do jogo: exterminar completamente uma espécie animal. Para quem se interessar sobre isso, o fim do vídeo do Mark Brown falando sobre os remakes do jogo fala dessa questão, e eu recomendo a todos.

Sumarizando muito o debate, Metroid II é um jogo decididamente dedicado a um extermínio: essa informação está dada já no manual, a progressão do jogo gira em torno de matar Metroids e em 100% do tempo do jogo você tem acesso a esse número decrescente de criaturas, até fatalmente chegar a zero. E esse zero é o seu objetivo.

Vale dizer, como ficou claro no meu argumento até agora, que o jogo não retrata a Samus como uma caçadora poderosa invadindo um ecossistema tranquilo para exterminar uma criatura que, no geral, está vivendo a sua vida tranquilamente. Metroid II está muito distante de um Shadow of the Colossus, por exemplo. Os Metroids são ameaças reais à Samus, todos te atacam e perseguem assim que veem você, algo que nenhum outro inimigo faz no jogo. Nenhum tenta fugir ou parece estar protegendo algo.

Porém, existe algo a dizer sobre o fato de que os Metroids estão todos isolados num planeta – na parte subterrânea do planeta, aliás. Assim, a gente teria que se perguntar que nível de ameaça eles realmente representam. Afinal, a única vez em que eles foram usados como arma, lá no primeiro Metroid, foi porque piratas roubaram um espécime que tinha sido coletado do planeta. Em nenhum momento os Metroids, por si sós, se apresentaram como um risco.

Além do mais, como eles ficam isolados em cavernas, eles não parecem estar em conflito com os outros animais que habitam SR388, formando uma espécie de ecossistema funcional. Assim, cabe sim perguntar o quão ética é a missão da Samus nesse jogo e o quanto o jogo parece alheio a esse fato.

Eu acredito que a marca clara de que o jogo tinha alguma noção das questões subentendidas na sua proposta está no final: após exterminar o último Metroid do planeta, Samus segue uma rota para escapar e encontra um ovo de Metroid, que choca e o bebê acaba achando que a protagonista é a sua mãe. Por isso, ele ajuda Samus a escapar do planeta e ambos vão embora juntos.

Esse bebê é o único Metroid que não ataca ao avistar você e, além disso, é útil, porque consegue destruir barreiras que a própria Samus não consegue. O jogo, assim, tenta oferecer um final feliz, deixando claro que a raça Metroid não foi exterminada e que a Samus não era sem coração a ponto de exterminar um bebê, seja de qual raça for.

Porém, em grande medida, esse final soa falso pelo simples motivo de que, como eu disse, a missão original em si era questionável. E mais: cria uma moral da história de que coisas que o ser humano não consegue tornar útil ou domesticável devem ser exterminadas, mesmo que o risco que elas possam apresentar não seja imediato.

E, com todas essas implicações, um jogo tão excelentemente estruturado e realizado acaba sendo veículo de um discurso que sustenta diversos acontecimentos terríveis da nossa civilização. Afinal, quantos ataques preventivos, justificados por um vago risco, foram feitos para exercer violência contra grupos e povos que estavam apenas vivendo no seu território? Quantos exemplares da nossa fauna e flora foram, são e serão exterminados apenas porque não foram considerados úteis, ou são sacrificados pela sobrevivência e expansão de animais e plantas considerados mais úteis ou lucrativos?

Tudo isso é muito curioso, porque obviamente muito pouco disso passou pela cabeça de quem criou a premissa de Metroid II. Certamente se pensou que toda e qualquer dissonância em relação à proposta de exterminar os Metroids teria acabado com o fato de o bebê ser poupado. Porém, a premissa básica do jogo domina 98% da experiência e o final apenas oferece uma salvação pouco convincente.

O fato de a nossa indústria girar em torno da ideia de violência faz com que as pessoas responsáveis por desenvolver as premissas dos jogos necessitem entender com cuidado os pressupostos daquilo que estão criando. É claro que nem todo jogador vai perceber uma mensagem questionável, e certamente em 1991 isso era muito mais improvável. Porém, hoje a crítica e o público são diferentes e é triste que um jogo tão rico quanto Metroid II tenha que carregar o peso de ser um jogo sobre um extermínio tão pouco justificável, se é que algum extermínio é justificável.

E era isso que eu queria dizer sobre Metroid II: return of Samus. Até a próxima análise!