Olá! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Wolfenstein: The New Order, jogo
desenvolvido pela Machine Games e lançado em 2014 para PS3, PS4, Xbox 360, Xbox
One e PC. Este é um jogo muito interessante para a gente conversar sobre a
representação do nazismo em jogos, e até na cultura em geral.
The New Order é mais um capítulo naquela
que é talvez a série de FPS mais antiga no mercado: afinal, Wolfenstein 3D é considerado o jogo que
lança as bases do gênero. E, em grande medida, praticamente todas as bases do
gênero permanecem nesse novo título: você continua controlando o protagonista
da série, o soldado americano B. J. Blazkowicz, em sua luta incansável contra
os nazistas. Porém, o jogo, em vez de se passar durante a Segunda Guerra
Mundial, agora foca nos anos 60, num futuro alternativo em que os nazistas
teriam vencido a guerra e efetivamente dominado o mundo.
Dentro
desse contexto, o objetivo de B. J. é organizar uma resistência e realizar
missões estratégicas para enfraquecer o regime nazista. Isso o leva a uma
variedade de locais, com diversos objetivos, mas sua trajetória é sempre a
mesma: entrar em alguma organização nazista, obter algo ou resgatar alguém e
matar o máximo de nazistas no processo.
A
princípio, quando a gente pensa no cenário de um mundo dominado por um regime
belicista e opressor, seria de se imaginar que a experiência de New Order seria algo claustrofóbico,
tenso e ameaçador, mas na verdade o jogo oferece exatamente o oposto: uma das
maiores experiências de fantasia de poder que eu já vi num jogo. Existe uma
série de elementos que trabalham nesse sentido, a começar pelo mais óbvio – as
armas.
Quando
o B. J. pega uma arma em New Order, a
gente já sente uma pequena diferença no tocante ao espaço que ela ocupa na
tela, e isso não é à toa: cada arma do jogo é imensa, oferece um feedback particularmente poderoso e age
nos inimigos de forma quase cruel, especialmente considerando a possibilidade
de usar duas armas simultaneamente. Um tiro de shotgun pode despedaçar o inimigo; um tiro preciso na cabeça pode
gerar uma decapitação; uma granada bem lançada até incentiva você a sair do seu
esconderijo apenas para ver em quantos pedaços os inimigos vão explodir.
Aliás,
falando em esconderijo, embora o jogo te permita jogar como um FPS moderno,
priorizando posicionamento estratégico e cautela, a experiência certamente foi
feita pensando em movimentos rápidos e com um mínimo de tempo parado, porque os
soldados inimigos avançam sobre você muito rapidamente e, mais para o fim do
jogo, alguns inimigos com armadura dificultam bastante ficar escondido, até
porque muitas coberturas são destrutíveis.
Em
termos de concessões a paradigmas modernos de FPS, o jogo tem uma quantidade de
HP mínima que é recuperada se você se proteger por um tempo, mas essa
quantidade é bem pequena, sendo necessário coletar itens para recuperar HP e
escudo. Com isso, a experiência típica de New
Order é o seu personagem correndo para lá e para cá, matando um monte de
inimigos que atiram por todos os lados, e que sofrem as mais terríveis e
violentas mortes.
Vale
dizer que os mapas do jogo asseguram a viabilidade dessa estratégia, com cada
cenário sendo bem expansivo, oferecendo caminhos alternativos de deslocamento,
para o caso de você querer se deslocar de formas diferentes caso uma rota
esteja lotada de nazistas. Além disso, quase sempre que o jogador chega a uma
nova arena, há a possibilidade de usar stealth
para diminuir o caos do combate aberto. Nesses momentos, o maior foco é
assassinar os comandantes, que são capazes de chamar reforços enquanto estão
vivos, o que torna cada batalha um caos muito maior do que se o jogador for
efetivo em matá-los antes do conflito se tornar aberto.
Esses
segmentos de stealth, embora não
ofereçam um grande número de opções, ou a adrenalina que os combates abertos
possibilitam, são uma forma competente de criar variedade no gameplay e, se você não gostar, você
sempre pode se desafiar indo para cima dos nazistas sem nenhum interesse por
estratégias furtivas.
Quando
a gente olha os cenários em termos estruturais, eles se revelam relativamente
parecidos: praticamente todos são espaços fechados, prédios de diversas naturezas,
divididos em longos corredores e arenas maiores, onde geralmente se dão os
combates. Porém, a contextualização desses cenários oferece uma variedade muito
grande e, ao longo da experiência, nós vamos do retrô da Segunda Guerra até o
futurístico, e do fundo do mar ao céu.
Em
grande medida, isso se deve ao clássico lore
de Wolfenstein incluir tecnologias futurísticas no cenário da Segunda Guerra,
desde o famoso Mecha Hitler em Wolfenstein
3D. Em New Order, isso se reflete
também nas armas, que incluem desde os clássicos rifles, até shotguns automáticas e armas laser que, além de serem ótimas para
vencer inimigos, também são essenciais para abrir opções de movimentação,
resolver pequenos puzzles e obter
coletáveis.
Com
tudo isso, New Order se constrói como
um FPS que alia interessantes aspectos clássicos e modernos, criando uma ótima
variedade, em cenários muitos bonitos e com uma adequada trilha sonora pesada,
que faz todo o sentido considerando a carnificina frequente do jogo. Porém, nem
tudo são balas, explosões e raios laser,
porque um dos grandes focos de New Order
é a história e o mundo que constrói.
Um
dos grandes problemas de jogos que tratam da Segunda Guerra ou que recriam sua
simbologia e seus discursos é um apagamento sistemático dos seres humanos da
guerra, dos seus motivos e do dia a dia do conflito. Este é um dos problemas
clássicos da série Killzone, por
exemplo, em que, pelo menos nos primeiros jogos, parece que não há pessoas
naquele mundo, apenas guerreiros, o que esvazia muitos dos discursos do mundo
real que povoam aquele universo e da estética que é tão marcante.
New Order, felizmente, não cai nesse
erro, embora seja um FPS extremamente focado em guerras e combates. A decisão
de situar o jogo num mundo já dominado por nazistas permite ao jogador conhecer
uma série de pequenos momentos e personagens que tornam a experiência desse
mundo muito mais interessante e enriquecedora. Por exemplo, o jogo retrata a
relação de nazistas com indivíduos com deficiência de uma forma muito crua e chocante,
deixando bem claro o desprezo que o regime tinha pela vida humana.
Além
disso, há diversos relatos no jogo que mostram quão frágil é a situação dos
civis no regime, sempre a um passo de serem considerados traidores e caírem num
dos campos de concentração. E, falando nesses campos, incluir um cenário como
esse num jogo, especialmente num jogo de ação como New Order, é sempre um desafio e pode passar como algo de mau
gosto. Apesar disso, embora bastante focado na trama, há uma fase num campo em
que há um retrato que, embora não seja realista, não esconde o componente
sádico e sem esperança que marcava esse tipo de local.
Por
tudo isso, embora claramente houvesse espaço para uma representação mais
profunda do dia a dia no regime, New
Order certamente faz mais do que seus pares na indústria na hora de relatar
os pequenos e grandes horrores que perpassam o regime nazista, bem como algumas
das diversas motivações e estratégias dos personagens para se opor a ele. É
claro que não é um jogo adequado para entender em detalhes aquela sociedade,
até porque uma fantasia de poder como New
Order é mais ou menos o extremo oposto do que lutar contra um regime
daquele seria. Porém, é um jogo que não esquece o lado humano do conflito, e
isso não pode ser ignorado.
Porém,
uma das coisas que New Order e uma
imensa parcela das obras de arte destinadas a tratar do regime nazista ainda
precisam superar é a visão algo excepcionalista dos nazistas. Essa é uma
discussão bastante interessante de se ter nos dias de hoje e que eu vejo com
alguma frequência na área de cinema. Aliás, eu indico dois vídeos da Lindsay Ellis e um do Dan Olson sobre a
representação do nazismo e de iconografia espelhada no regime, e que são
bastante esclarecedores para a gente entender essa questão no contexto da mídia
atual.
O
centro da questão, se eu puder resumir brevemente, é que a nossa percepção do
nazismo é sempre a de um regime excepcionalmente negativo e cruel e, embora
isso seja absolutamente correto, muito desse caráter excepcionalmente negativo
muitas vezes acaba acarretando um tom excessivo de gravidade na sua
representação. Ou seja, nazistas muitas vezes são representados como uma ameaça
suprema, como o mal maior, como o arquétipo de vilão imponente e assustador, o
que, por falta de termo melhor, muitas vezes faz com que sua representação
acabe tocando o campo do estiloso ou legal.
Não
existe exemplo maior disso do que o império de Star Wars, com seus uniformes, capacetes e diversos outros
elementos que se tornaram alguns dos maiores ícones da indústria cultural e que
foram concebidos como derivados da simbologia nazista. O mesmo vale para um
vilão como o Hans Landa do filme Bastardos
Inglórios, que certamente é o personagem mais marcante do filme, e que nada
mais é do que uma figura cruel e sádica no sentido mais estrito do termo.
Essa
representação excepcionalista, em grande medida, é fruto do fato de que muito
da concepção do nazismo na nossa cultura advém de peças de propaganda do
próprio regime nazista, o qual obviamente estava interessado em se retratar da
forma mais imponente possível. Apesar de, felizmente, no geral, as pessoas hoje
associarem os nazistas a algo negativo, algo da imponência da sua propaganda
permanece e se reflete em sua representação contemporânea.
Porém,
apesar de ser inegável que o regime foi um dos mais criminosos da nossa
história, um dos grandes choques para os contemporâneos que testemunharam
depoimentos de alguns dos maiores criminosos do regime foi que muitos desses homens
tinham aparência completamente comum, e nada os destacava. Sua postura, suas
palavras, seu raciocínio pouco revelava de diferente, e isso era o que mais
assustou alguns dos intelectuais da época. Os monstros nazistas não eram serial killers sedentos de sangue,
Hannibal Lecters prontos a devorar mais um impuro, mas pessoas que ascenderam
num regime que propagava a violência e o desprezo pela vida do outro.
New Order herda muito da representação
clássica do nazista, com sádicos e cientistas malucos povoando o rol dos vilões
do jogo. Uma das clássicas características da ficção moderna sobre o nazismo
também aparece, que é a possibilidade do regime desenvolver armas mais
poderosas e/ou avançadas do que a dos aliados e, por isso mesmo, vencer a
guerra. Um motivo que aparece desde os filmes de Indiana Jones, passando por desenhos como a Liga da Justiça, até a gente chegar no Mecha Hitler de Wolfenstein 3D e nas armas laser e robôs gigantes de New Order.
Isso,
claro, só significa que New Order é
uma cria legítima da indústria cultural em que foi concebida. Porém,
considerando que o jogo faz algum esforço real para humanizar um pouco o
cotidiano do regime, eu acredito que posso fazer essa menção para que futuras
representações sejam capazes de ir ainda mais adiante. E isso porque, além de
uma representação historicamente coerente ser um valor em si mesmo, há muito
que se dizer sobre a relação dessa representação excepcionalista e a
persistência do nazismo como uma ameaça válida na nossa cultura.
Afinal, representar um
inimigo sempre com a gravidade com que os nazistas são representados acaba
dando muita margem para se construir uma visão do vilão ameaçador, estiloso e
legal, o que muitas vezes pode gerar uma interpretação bem diferente daquilo que
os artistas tinham em mente, porque eu honestamente acredito, claro, que nenhum
deles tinha a intenção de enaltecer o nazismo com sua representação. Afinal, New Order, bem como todas as outras
obras que eu citei, é focado na derrocada do regime nazista. Porém, há algo a
se dizer sobre a representação desses vilões que, mesmo quando derrotados,
mantêm algo da sua pose, podendo resultar numa figuração mais que humana, o que
esses indivíduos certamente não merecem.
E era isso que eu
queria dizer sobre Wolfenstein: The New
Order. É um jogo excelente, que deu passos decisivos na representação mais
humana do regime nazista, mas que ainda tem alguns passos importantes a cumprir
para chegar numa figuração excelente. Até a próxima análise!
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