sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Wolfenstein: the new order - Pensando sobre o jogo




Olá! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Wolfenstein: The New Order, jogo desenvolvido pela Machine Games e lançado em 2014 para PS3, PS4, Xbox 360, Xbox One e PC. Este é um jogo muito interessante para a gente conversar sobre a representação do nazismo em jogos, e até na cultura em geral.

The New Order é mais um capítulo naquela que é talvez a série de FPS mais antiga no mercado: afinal, Wolfenstein 3D é considerado o jogo que lança as bases do gênero. E, em grande medida, praticamente todas as bases do gênero permanecem nesse novo título: você continua controlando o protagonista da série, o soldado americano B. J. Blazkowicz, em sua luta incansável contra os nazistas. Porém, o jogo, em vez de se passar durante a Segunda Guerra Mundial, agora foca nos anos 60, num futuro alternativo em que os nazistas teriam vencido a guerra e efetivamente dominado o mundo.

Dentro desse contexto, o objetivo de B. J. é organizar uma resistência e realizar missões estratégicas para enfraquecer o regime nazista. Isso o leva a uma variedade de locais, com diversos objetivos, mas sua trajetória é sempre a mesma: entrar em alguma organização nazista, obter algo ou resgatar alguém e matar o máximo de nazistas no processo.

A princípio, quando a gente pensa no cenário de um mundo dominado por um regime belicista e opressor, seria de se imaginar que a experiência de New Order seria algo claustrofóbico, tenso e ameaçador, mas na verdade o jogo oferece exatamente o oposto: uma das maiores experiências de fantasia de poder que eu já vi num jogo. Existe uma série de elementos que trabalham nesse sentido, a começar pelo mais óbvio – as armas.

Quando o B. J. pega uma arma em New Order, a gente já sente uma pequena diferença no tocante ao espaço que ela ocupa na tela, e isso não é à toa: cada arma do jogo é imensa, oferece um feedback particularmente poderoso e age nos inimigos de forma quase cruel, especialmente considerando a possibilidade de usar duas armas simultaneamente. Um tiro de shotgun pode despedaçar o inimigo; um tiro preciso na cabeça pode gerar uma decapitação; uma granada bem lançada até incentiva você a sair do seu esconderijo apenas para ver em quantos pedaços os inimigos vão explodir.

Aliás, falando em esconderijo, embora o jogo te permita jogar como um FPS moderno, priorizando posicionamento estratégico e cautela, a experiência certamente foi feita pensando em movimentos rápidos e com um mínimo de tempo parado, porque os soldados inimigos avançam sobre você muito rapidamente e, mais para o fim do jogo, alguns inimigos com armadura dificultam bastante ficar escondido, até porque muitas coberturas são destrutíveis.

Em termos de concessões a paradigmas modernos de FPS, o jogo tem uma quantidade de HP mínima que é recuperada se você se proteger por um tempo, mas essa quantidade é bem pequena, sendo necessário coletar itens para recuperar HP e escudo. Com isso, a experiência típica de New Order é o seu personagem correndo para lá e para cá, matando um monte de inimigos que atiram por todos os lados, e que sofrem as mais terríveis e violentas mortes.

Vale dizer que os mapas do jogo asseguram a viabilidade dessa estratégia, com cada cenário sendo bem expansivo, oferecendo caminhos alternativos de deslocamento, para o caso de você querer se deslocar de formas diferentes caso uma rota esteja lotada de nazistas. Além disso, quase sempre que o jogador chega a uma nova arena, há a possibilidade de usar stealth para diminuir o caos do combate aberto. Nesses momentos, o maior foco é assassinar os comandantes, que são capazes de chamar reforços enquanto estão vivos, o que torna cada batalha um caos muito maior do que se o jogador for efetivo em matá-los antes do conflito se tornar aberto.

Esses segmentos de stealth, embora não ofereçam um grande número de opções, ou a adrenalina que os combates abertos possibilitam, são uma forma competente de criar variedade no gameplay e, se você não gostar, você sempre pode se desafiar indo para cima dos nazistas sem nenhum interesse por estratégias furtivas.

Quando a gente olha os cenários em termos estruturais, eles se revelam relativamente parecidos: praticamente todos são espaços fechados, prédios de diversas naturezas, divididos em longos corredores e arenas maiores, onde geralmente se dão os combates. Porém, a contextualização desses cenários oferece uma variedade muito grande e, ao longo da experiência, nós vamos do retrô da Segunda Guerra até o futurístico, e do fundo do mar ao céu.

Em grande medida, isso se deve ao clássico lore de Wolfenstein incluir tecnologias futurísticas no cenário da Segunda Guerra, desde o famoso Mecha Hitler em Wolfenstein 3D. Em New Order, isso se reflete também nas armas, que incluem desde os clássicos rifles, até shotguns automáticas e armas laser que, além de serem ótimas para vencer inimigos, também são essenciais para abrir opções de movimentação, resolver pequenos puzzles e obter coletáveis.

Com tudo isso, New Order se constrói como um FPS que alia interessantes aspectos clássicos e modernos, criando uma ótima variedade, em cenários muitos bonitos e com uma adequada trilha sonora pesada, que faz todo o sentido considerando a carnificina frequente do jogo. Porém, nem tudo são balas, explosões e raios laser, porque um dos grandes focos de New Order é a história e o mundo que constrói.

Um dos grandes problemas de jogos que tratam da Segunda Guerra ou que recriam sua simbologia e seus discursos é um apagamento sistemático dos seres humanos da guerra, dos seus motivos e do dia a dia do conflito. Este é um dos problemas clássicos da série Killzone, por exemplo, em que, pelo menos nos primeiros jogos, parece que não há pessoas naquele mundo, apenas guerreiros, o que esvazia muitos dos discursos do mundo real que povoam aquele universo e da estética que é tão marcante.

New Order, felizmente, não cai nesse erro, embora seja um FPS extremamente focado em guerras e combates. A decisão de situar o jogo num mundo já dominado por nazistas permite ao jogador conhecer uma série de pequenos momentos e personagens que tornam a experiência desse mundo muito mais interessante e enriquecedora. Por exemplo, o jogo retrata a relação de nazistas com indivíduos com deficiência de uma forma muito crua e chocante, deixando bem claro o desprezo que o regime tinha pela vida humana.

Além disso, há diversos relatos no jogo que mostram quão frágil é a situação dos civis no regime, sempre a um passo de serem considerados traidores e caírem num dos campos de concentração. E, falando nesses campos, incluir um cenário como esse num jogo, especialmente num jogo de ação como New Order, é sempre um desafio e pode passar como algo de mau gosto. Apesar disso, embora bastante focado na trama, há uma fase num campo em que há um retrato que, embora não seja realista, não esconde o componente sádico e sem esperança que marcava esse tipo de local.

Por tudo isso, embora claramente houvesse espaço para uma representação mais profunda do dia a dia no regime, New Order certamente faz mais do que seus pares na indústria na hora de relatar os pequenos e grandes horrores que perpassam o regime nazista, bem como algumas das diversas motivações e estratégias dos personagens para se opor a ele. É claro que não é um jogo adequado para entender em detalhes aquela sociedade, até porque uma fantasia de poder como New Order é mais ou menos o extremo oposto do que lutar contra um regime daquele seria. Porém, é um jogo que não esquece o lado humano do conflito, e isso não pode ser ignorado.

Porém, uma das coisas que New Order e uma imensa parcela das obras de arte destinadas a tratar do regime nazista ainda precisam superar é a visão algo excepcionalista dos nazistas. Essa é uma discussão bastante interessante de se ter nos dias de hoje e que eu vejo com alguma frequência na área de cinema. Aliás, eu indico dois vídeos da Lindsay Ellis e um do Dan Olson sobre a representação do nazismo e de iconografia espelhada no regime, e que são bastante esclarecedores para a gente entender essa questão no contexto da mídia atual.

O centro da questão, se eu puder resumir brevemente, é que a nossa percepção do nazismo é sempre a de um regime excepcionalmente negativo e cruel e, embora isso seja absolutamente correto, muito desse caráter excepcionalmente negativo muitas vezes acaba acarretando um tom excessivo de gravidade na sua representação. Ou seja, nazistas muitas vezes são representados como uma ameaça suprema, como o mal maior, como o arquétipo de vilão imponente e assustador, o que, por falta de termo melhor, muitas vezes faz com que sua representação acabe tocando o campo do estiloso ou legal.

Não existe exemplo maior disso do que o império de Star Wars, com seus uniformes, capacetes e diversos outros elementos que se tornaram alguns dos maiores ícones da indústria cultural e que foram concebidos como derivados da simbologia nazista. O mesmo vale para um vilão como o Hans Landa do filme Bastardos Inglórios, que certamente é o personagem mais marcante do filme, e que nada mais é do que uma figura cruel e sádica no sentido mais estrito do termo.

Essa representação excepcionalista, em grande medida, é fruto do fato de que muito da concepção do nazismo na nossa cultura advém de peças de propaganda do próprio regime nazista, o qual obviamente estava interessado em se retratar da forma mais imponente possível. Apesar de, felizmente, no geral, as pessoas hoje associarem os nazistas a algo negativo, algo da imponência da sua propaganda permanece e se reflete em sua representação contemporânea.

Porém, apesar de ser inegável que o regime foi um dos mais criminosos da nossa história, um dos grandes choques para os contemporâneos que testemunharam depoimentos de alguns dos maiores criminosos do regime foi que muitos desses homens tinham aparência completamente comum, e nada os destacava. Sua postura, suas palavras, seu raciocínio pouco revelava de diferente, e isso era o que mais assustou alguns dos intelectuais da época. Os monstros nazistas não eram serial killers sedentos de sangue, Hannibal Lecters prontos a devorar mais um impuro, mas pessoas que ascenderam num regime que propagava a violência e o desprezo pela vida do outro.

New Order herda muito da representação clássica do nazista, com sádicos e cientistas malucos povoando o rol dos vilões do jogo. Uma das clássicas características da ficção moderna sobre o nazismo também aparece, que é a possibilidade do regime desenvolver armas mais poderosas e/ou avançadas do que a dos aliados e, por isso mesmo, vencer a guerra. Um motivo que aparece desde os filmes de Indiana Jones, passando por desenhos como a Liga da Justiça, até a gente chegar no Mecha Hitler de Wolfenstein 3D e nas armas laser e robôs gigantes de New Order.

Isso, claro, só significa que New Order é uma cria legítima da indústria cultural em que foi concebida. Porém, considerando que o jogo faz algum esforço real para humanizar um pouco o cotidiano do regime, eu acredito que posso fazer essa menção para que futuras representações sejam capazes de ir ainda mais adiante. E isso porque, além de uma representação historicamente coerente ser um valor em si mesmo, há muito que se dizer sobre a relação dessa representação excepcionalista e a persistência do nazismo como uma ameaça válida na nossa cultura.

Afinal, representar um inimigo sempre com a gravidade com que os nazistas são representados acaba dando muita margem para se construir uma visão do vilão ameaçador, estiloso e legal, o que muitas vezes pode gerar uma interpretação bem diferente daquilo que os artistas tinham em mente, porque eu honestamente acredito, claro, que nenhum deles tinha a intenção de enaltecer o nazismo com sua representação. Afinal, New Order, bem como todas as outras obras que eu citei, é focado na derrocada do regime nazista. Porém, há algo a se dizer sobre a representação desses vilões que, mesmo quando derrotados, mantêm algo da sua pose, podendo resultar numa figuração mais que humana, o que esses indivíduos certamente não merecem.

E era isso que eu queria dizer sobre Wolfenstein: The New Order. É um jogo excelente, que deu passos decisivos na representação mais humana do regime nazista, mas que ainda tem alguns passos importantes a cumprir para chegar numa figuração excelente. Até a próxima análise!

Nenhum comentário:

Postar um comentário