quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

DOOM (1993) - Pensando sobre o jogo




Olá! Eu sou o Asa e hoje vou falar de DOOM, jogo desenvolvido pela id Software em 1993 para PC, e depois para uma infinidade de plataformas que atravessam gerações, com mais de 20 anos de ports, o que faz desse jogo um dos maiores e mais perenes clássicos da nossa arte, provavelmente rivalizando só com títulos como Super Mario Bros. e Tetris.

Como os outros dois jogos que eu citei, DOOM representou um fenômeno cultural cujas marcas são sentidas até hoje, e que eram quase onipresentes na comunidade de jogadores no meio dos anos 90, e mesmo fora dela. De vez em quando a gente tem esses momentos na história da indústria: Mario e Tetris nos anos 80 e começo dos 90, DOOM nos anos 90, GTA nos anos 2000 e por aí vai.

A popularidade de DOOM, aliás, junto com a de Mortal Kombat, foi instrumental na criação daquela corrente exterior à comunidade que critica jogos como incentivadores de violência e que levou à criação de agências que acompanham e classificam jogos conforme a idade do público.

E, claro, além disso tudo, muito já se disse e analisou sobre DOOM em termos de design, visual, música etc. É um jogo muito simples que, curiosamente, já gerou muitos discursos críticos, e mesmo produções criadas a partir dele, já que DOOM é uma das maiores bases para mods ao longo da história da cena.

Mas, eu não gosto de ficar repisando assuntos já tratados por gente mais embasada do que eu e, por isso, eu indico a análise do Errant Signal sobre DOOM, que tenta fazer uma retomada dos discursos sobre o jogo, e ainda acrescenta uma interpretação bem interessante e pessoal à fortuna crítica do jogo. Aliás, esse mesmo canal, talvez o melhor dedicado a jogos no YouTube hoje, tem também vídeos sobre Quake e sobre DOOM de 2016 que ainda oferecem uma visão complementar sobre o jogo original e que eu também recomendo a quem tiver interesse.

Enfim, considerando o tamanho da fortuna crítica sobre esse jogo, eu vou adotar o mesmo approach de quando eu falei sobre Mega Man, ou seja, eu vou passar um pouco voando pelos elementos já tidos como conhecimento comum e depois só falar um pouquinho da minha interpretação específica do jogo. De qualquer forma, acho que o vídeo do Errant Signal já ajuda muito nos conceitos básicos. Enfim, vamos lá.

DOOM pode não ser o inventor do FPS, nem sequer é o primeiro título do gênero desenvolvido pela id Software. Porém, ele é provavelmente o mais influente e que definiu por muito tempo o que um FPS deveria ser, embora muito da sua influência tenha se esvaído, conforme a estética realista foi dominando a indústria. Em termos de mecânicas, DOOM é a definição da fantasia de poder: você controla um soldado trabalhando numa lua de Marte que é tomada por uma invasão demoníaca e cabe a você, e você somente, a tarefa de executar o máximo possível de inimigos e arruinar os planos dos demônios.

Em termos de gameplay, existem três elementos que trabalham juntos para criar essa experiência: o primeiro é a eficácia e o poder das armas do jogo, que geralmente devastam os inimigos, sempre com a ajuda de um som muito potente que dá uma sensação de usar armas muito poderosas. O próprio visual ajuda também com isso, com os inimigos praticamente se desmanchando numa poça de sangue depois de mortos.

O segundo elemento é a movimentação, que é extremamente veloz e incentiva a quase deslizar pelas fases, indo de um lado para outro, destroçando os inimigos. Em grande medida, a movimentação e o poder de fogo dão a impressão que o protagonista do jogo é uma espécie de super-herói sanguinário. E o terceiro elemento é o fato de que, no geral, os inimigos atacarem com projéteis que podem ser evitados com certa facilidade, o que permite ao jogador continuar se movimentando e atirando, em vez de se escondendo.

Outro elemento central nessa experiência é, claro, a música. A trilha sonora de DOOM é pautada por rock pesado e que produz, em grande medida, um efeito semelhante àquele que eu descrevi no meu vídeo sobre Hotline Miami: a batida é poderosa e intoxicante e, somada à velocidade do gameplay e aos desafios que o jogo apresenta, faz com que seu cérebro praticamente desligue a tudo que não seja o combate e seja tomado pela adrenalina que, em última instância, talvez faça de DOOM um dos jogos de alta intensidade mais viciantes.

Eu acredito que esses sejam os elementos que compreendem o conhecimento comum sobre esse jogo. É provavelmente com essa imagem que ele entrou para a história e sua influência é mais sentida se nós rastrearmos esses elementos. A ideia do movimento rápido e de desviar de projéteis está viva até hoje num jogo como Hotline Miami, enquanto o impacto das armas como sensação de poder ainda é uma das marcas de Wolfenstein, como eu falei no meu outro vídeo há uns dias.

Porém, existe um outro lado de DOOM que não é tão discutido, ou pelo menos não é tão retomado pelos jogos que o sucederam: o seu lado de terror. Em grande medida, DOOM faz um trabalho incrível de equilibrar a sensação de poder com a de medo de um jeito que eu não vi jogo nenhum conseguir fazer, já que, a princípio, os dois sentimentos parecem opostos.

O primeiro elemento de terror é óbvio: toda a estética visual do jogo retoma imagens satânicas, incluindo também alguns elementos industriais e horror corporal que tornam o visual de DOOM uma mistura de terror satanista com Aliens e The thing. Além disso, a trilha sonora, embora intoxicante, também sabe incluir melodias algo sinistras que criam o sentimento de que, embora você seja muito poderoso, você está num lugar onde não deveria estar.

Vale dizer também que cada inimigo emite uns grunhidos mesmo que não esteja visível, o que torna a exploração algo aterrorizante, porque sempre há o risco de armadilhas. O level design de DOOM é labiríntico e é normal gastar um certo tempo procurando segredos ou mesmo chaves para desbloquear partes fundamentais da fase. Porém, muitas vezes uma passagem trivial pode ser surpreendida por um enxame de inimigos que saíram de uma sala secreta, o que causou uma infinidade de sustos em mim, até porque você se move de forma tão rápida e frenética, que nem sempre está preparado para dar de cara com inimigos numa área pela qual já passou inúmeras vezes.

Eu acredito que essa mistura de poder e terror é a melhor parte de DOOM, o que faz dele algo realmente especial. Essa sensação está presente principalmente nos dois primeiros episódios do jogo, em que o level design parece mais voltado a criar labirintos e surpresas. Já o terceiro e último episódio da versão original do jogo parece mais voltado a arenas e combates, com alguma exploração aqui e ali. A experiência continua muito divertida, mas acho que ela perde um pouco da complexidade.

Como eu disse, eu acredito que muito do que faz de DOOM uma experiência tão especial e tão pouco replicada, apesar de muito imitada, é justamente essa mistura surreal de poder e medo. Porém, mesmo quando eu acompanho os fãs reagindo a um novo jogo da série, sempre vejo as clássicas palavras de ordem: “alta velocidade”, “sensação de poder”, “rock pesado”. Eu quase nunca vejo mencionados os elementos de terror do jogo, e alguém até poderia dizer que a estética realista que perpassa a indústria hoje até tornaria difícil recriar os designs ao mesmo tempo pouco detalhados e assustadores que marcaram o início da série.

Se for assim, então DOOM está condenado a reinar sozinho como uma experiência que perfeitamente encapsula algo que eu vou chamar aqui de rebeldia adolescente ou jovem adulta. Essa mistura de poder e terror que perpassa gameplay, som e visual cria um sentimento de angústia que eu associo muito a essa fase da vida, embora ela obviamente não se limite a ela.

Eu acredito que a experiência adolescente se trate, em grande medida, da busca entre suportar alterações hormonais que tanto mexem com nossas atitudes e mentes, ao mesmo tempo em que se tentar criar uma identidade que articule, ao mesmo tempo, o que se quer aproveitar e recusar do mundo à nossa volta. Isso não raramente envolve sentimentos de incompreensão e de raiva, uma raiva que, muitas vezes, envolve um medo do mundo à nossa volta.

A gente nota um pouco como essa ideia está contida de alguma forma em DOOM quando a gente analisa a história do jogo ou, mais exatamente, quando a gente analisa a história pregressa do jogo. Para quem não sabe, o protagonista de DOOM é um soldado enviado a Marte por se recusar a seguir uma ordem injusta, ou seja, por desafiar o status quo. Em Marte, ele não tem nada para fazer, num tédio imenso até a invasão, quando ele, finalmente, pode colocar toda a sua raiva para fora.

Em grande medida, o sentimento por trás dessa premissa me lembra muito questões discutidas em filmes como Clube da Luta: uma sociedade injusta e vazia, em que a escolha pessoal é punida, em que se espera que você suma na multidão e, se você não sumir, vão sumir com você, nem que você tenha que ir para outro planeta. E, considerando tudo isso, a revolta que o jogo todo representa é uma explosão violenta de frustração, sem um alvo específico.

Não há necessariamente um questionamento social, como há em Clube da Luta, que apresenta uma pessoa louca manipulando frustrações sociais difusas com a sociedade para instigar violência. A experiência de DOOM representa esse veículo de escape, uma violência em resposta à violência que o adolescente e o jovem adulto percebem ao observar o mundo à sua volta, ao perceber seu futuro ou seu presente como uma engrenagem social. Não é à toa que DOOM foi chamado de a causa número 1 de queda de produtividade no mundo; ele era incrivelmente popular em ambientes de trabalho corporativo, em que sua existência como indivíduo é sempre diminuída.

E essa mesma raiva vem com o sentimento de terror da falta de escapatória dessa mesma sociedade, do medo de não se adequar, de ser julgado e diminuído. É uma explosão de raiva advinda da frustração por uma luta que não se pode vencer. E esse sentimento parece marcar a nossa sociedade até hoje, e é o que faz de DOOM sempre um jogo tão contemporâneo nosso, embora muitas de suas influências estéticas tenham lentamente perdido relevância.

Assim, DOOM acaba sendo o jogo seminal para exprimir nosso sentimento de inadequação, nossa frustração de ir trabalhar todos os dias, de engolir sapos por conveniência, de entender e ter que nos comportarmos conforme as regras do jogo social. DOOM é o jogo que perfeitamente mostra a relação dual que temos numa época em que tudo parece um pouco estranho e assustador, e nos incomoda de uma forma que demanda extravasamento.

E era isso que eu queria dizer sobre DOOM. Até a próxima análise!

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