Olá! Eu sou o Asa e hoje vou falar de DOOM, jogo desenvolvido pela id Software
em 1993 para PC, e depois para uma infinidade de plataformas que atravessam
gerações, com mais de 20 anos de ports,
o que faz desse jogo um dos maiores e mais perenes clássicos da nossa arte,
provavelmente rivalizando só com títulos como Super Mario Bros. e Tetris.
Como
os outros dois jogos que eu citei, DOOM
representou um fenômeno cultural cujas marcas são sentidas até hoje, e que eram
quase onipresentes na comunidade de jogadores no meio dos anos 90, e mesmo fora
dela. De vez em quando a gente tem esses momentos na história da indústria:
Mario e Tetris nos anos 80 e começo
dos 90, DOOM nos anos 90, GTA nos anos 2000 e por aí vai.
A
popularidade de DOOM, aliás, junto
com a de Mortal Kombat, foi
instrumental na criação daquela corrente exterior à comunidade que critica jogos
como incentivadores de violência e que levou à criação de agências que
acompanham e classificam jogos conforme a idade do público.
E,
claro, além disso tudo, muito já se disse e analisou sobre DOOM em termos de design,
visual, música etc. É um jogo muito simples que, curiosamente, já gerou muitos
discursos críticos, e mesmo produções criadas a partir dele, já que DOOM é uma das maiores bases para mods ao longo da história da cena.
Mas,
eu não gosto de ficar repisando assuntos já tratados por gente mais embasada do
que eu e, por isso, eu indico a análise do
Errant Signal sobre DOOM, que tenta
fazer uma retomada dos discursos sobre o jogo, e ainda acrescenta uma
interpretação bem interessante e pessoal à fortuna crítica do jogo. Aliás, esse
mesmo canal, talvez o melhor dedicado a jogos no YouTube hoje, tem também
vídeos sobre Quake e sobre DOOM de 2016 que ainda oferecem uma
visão complementar sobre o jogo original e que eu também recomendo a quem tiver
interesse.
Enfim,
considerando o tamanho da fortuna crítica sobre esse jogo, eu vou adotar o
mesmo approach de quando eu falei
sobre Mega Man, ou seja, eu vou
passar um pouco voando pelos elementos já tidos como conhecimento comum e
depois só falar um pouquinho da minha interpretação específica do jogo. De
qualquer forma, acho que o vídeo do Errant Signal já ajuda muito nos conceitos
básicos. Enfim, vamos lá.
DOOM pode não ser o inventor do FPS, nem
sequer é o primeiro título do gênero desenvolvido pela id Software. Porém, ele
é provavelmente o mais influente e que definiu por muito tempo o que um FPS
deveria ser, embora muito da sua influência tenha se esvaído, conforme a
estética realista foi dominando a indústria. Em termos de mecânicas, DOOM é a definição da fantasia de poder:
você controla um soldado trabalhando numa lua de Marte que é tomada por uma
invasão demoníaca e cabe a você, e você somente, a tarefa de executar o máximo
possível de inimigos e arruinar os planos dos demônios.
Em
termos de gameplay, existem três
elementos que trabalham juntos para criar essa experiência: o primeiro é a
eficácia e o poder das armas do jogo, que geralmente devastam os inimigos,
sempre com a ajuda de um som muito potente que dá uma sensação de usar armas
muito poderosas. O próprio visual ajuda também com isso, com os inimigos
praticamente se desmanchando numa poça de sangue depois de mortos.
O
segundo elemento é a movimentação, que é extremamente veloz e incentiva a quase
deslizar pelas fases, indo de um lado para outro, destroçando os inimigos. Em
grande medida, a movimentação e o poder de fogo dão a impressão que o
protagonista do jogo é uma espécie de super-herói sanguinário. E o terceiro
elemento é o fato de que, no geral, os inimigos atacarem com projéteis que
podem ser evitados com certa facilidade, o que permite ao jogador continuar se
movimentando e atirando, em vez de se escondendo.
Outro
elemento central nessa experiência é, claro, a música. A trilha sonora de DOOM é pautada por rock pesado e que produz, em grande medida, um efeito semelhante
àquele que eu descrevi no meu vídeo sobre Hotline
Miami: a batida é poderosa e intoxicante e, somada à velocidade do gameplay e aos desafios que o jogo
apresenta, faz com que seu cérebro praticamente desligue a tudo que não seja o
combate e seja tomado pela adrenalina que, em última instância, talvez faça de DOOM um dos jogos de alta intensidade
mais viciantes.
Eu
acredito que esses sejam os elementos que compreendem o conhecimento comum
sobre esse jogo. É provavelmente com essa imagem que ele entrou para a história
e sua influência é mais sentida se nós rastrearmos esses elementos. A ideia do
movimento rápido e de desviar de projéteis está viva até hoje num jogo como Hotline Miami, enquanto o impacto das
armas como sensação de poder ainda é uma das marcas de Wolfenstein, como eu falei no meu outro vídeo há uns dias.
Porém,
existe um outro lado de DOOM que não
é tão discutido, ou pelo menos não é tão retomado pelos jogos que o sucederam:
o seu lado de terror. Em grande medida, DOOM
faz um trabalho incrível de equilibrar a sensação de poder com a de medo de um
jeito que eu não vi jogo nenhum conseguir fazer, já que, a princípio, os dois
sentimentos parecem opostos.
O
primeiro elemento de terror é óbvio: toda a estética visual do jogo retoma
imagens satânicas, incluindo também alguns elementos industriais e horror
corporal que tornam o visual de DOOM
uma mistura de terror satanista com Aliens
e The thing. Além disso, a trilha
sonora, embora intoxicante, também sabe incluir melodias algo sinistras que
criam o sentimento de que, embora você seja muito poderoso, você está num lugar
onde não deveria estar.
Vale
dizer também que cada inimigo emite uns grunhidos mesmo que não esteja visível,
o que torna a exploração algo aterrorizante, porque sempre há o risco de
armadilhas. O level design de DOOM é labiríntico e é normal gastar um
certo tempo procurando segredos ou mesmo chaves para desbloquear partes
fundamentais da fase. Porém, muitas vezes uma passagem trivial pode ser
surpreendida por um enxame de inimigos que saíram de uma sala secreta, o que
causou uma infinidade de sustos em mim, até porque você se move de forma tão
rápida e frenética, que nem sempre está preparado para dar de cara com inimigos
numa área pela qual já passou inúmeras vezes.
Eu
acredito que essa mistura de poder e terror é a melhor parte de DOOM, o que faz dele algo realmente
especial. Essa sensação está presente principalmente nos dois primeiros episódios
do jogo, em que o level design parece
mais voltado a criar labirintos e surpresas. Já o terceiro e último episódio da
versão original do jogo parece mais voltado a arenas e combates, com alguma
exploração aqui e ali. A experiência continua muito divertida, mas acho que ela
perde um pouco da complexidade.
Como
eu disse, eu acredito que muito do que faz de DOOM uma experiência tão especial e tão pouco replicada, apesar de
muito imitada, é justamente essa mistura surreal de poder e medo. Porém, mesmo
quando eu acompanho os fãs reagindo a um novo jogo da série, sempre vejo as
clássicas palavras de ordem: “alta velocidade”, “sensação de poder”, “rock pesado”. Eu quase nunca vejo
mencionados os elementos de terror do jogo, e alguém até poderia dizer que a estética
realista que perpassa a indústria hoje até tornaria difícil recriar os designs ao mesmo tempo pouco detalhados
e assustadores que marcaram o início da série.
Se
for assim, então DOOM está condenado
a reinar sozinho como uma experiência que perfeitamente encapsula algo que eu
vou chamar aqui de rebeldia adolescente ou jovem adulta. Essa mistura de poder
e terror que perpassa gameplay, som e
visual cria um sentimento de angústia que eu associo muito a essa fase da vida,
embora ela obviamente não se limite a ela.
Eu
acredito que a experiência adolescente se trate, em grande medida, da busca
entre suportar alterações hormonais que tanto mexem com nossas atitudes e
mentes, ao mesmo tempo em que se tentar criar uma identidade que articule, ao
mesmo tempo, o que se quer aproveitar e recusar do mundo à nossa volta. Isso
não raramente envolve sentimentos de incompreensão e de raiva, uma raiva que,
muitas vezes, envolve um medo do mundo à nossa volta.
A
gente nota um pouco como essa ideia está contida de alguma forma em DOOM quando a gente analisa a história
do jogo ou, mais exatamente, quando a gente analisa a história pregressa do
jogo. Para quem não sabe, o protagonista de DOOM
é um soldado enviado a Marte por se recusar a seguir uma ordem injusta, ou seja,
por desafiar o status quo. Em Marte,
ele não tem nada para fazer, num tédio imenso até a invasão, quando ele,
finalmente, pode colocar toda a sua raiva para fora.
Em
grande medida, o sentimento por trás dessa premissa me lembra muito questões
discutidas em filmes como Clube da Luta:
uma sociedade injusta e vazia, em que a escolha pessoal é punida, em que se
espera que você suma na multidão e, se você não sumir, vão sumir com você, nem
que você tenha que ir para outro planeta. E, considerando tudo isso, a revolta
que o jogo todo representa é uma explosão violenta de frustração, sem um alvo específico.
Não
há necessariamente um questionamento social, como há em Clube da Luta, que apresenta uma pessoa louca manipulando
frustrações sociais difusas com a sociedade para instigar violência. A
experiência de DOOM representa esse
veículo de escape, uma violência em resposta à violência que o adolescente e o
jovem adulto percebem ao observar o mundo à sua volta, ao perceber seu futuro
ou seu presente como uma engrenagem social. Não é à toa que DOOM foi chamado de a causa número 1 de
queda de produtividade no mundo; ele era incrivelmente popular em ambientes de
trabalho corporativo, em que sua existência como indivíduo é sempre diminuída.
E
essa mesma raiva vem com o sentimento de terror da falta de escapatória dessa
mesma sociedade, do medo de não se adequar, de ser julgado e diminuído. É uma
explosão de raiva advinda da frustração por uma luta que não se pode vencer. E
esse sentimento parece marcar a nossa sociedade até hoje, e é o que faz de DOOM sempre um jogo tão contemporâneo
nosso, embora muitas de suas influências estéticas tenham lentamente perdido
relevância.
Assim,
DOOM acaba sendo o jogo seminal para
exprimir nosso sentimento de inadequação, nossa frustração de ir trabalhar
todos os dias, de engolir sapos por conveniência, de entender e ter que nos
comportarmos conforme as regras do jogo social. DOOM é o jogo que perfeitamente mostra a relação dual que temos
numa época em que tudo parece um pouco estranho e assustador, e nos incomoda de
uma forma que demanda extravasamento.
E
era isso que eu queria dizer sobre DOOM.
Até a próxima análise!
Nenhum comentário:
Postar um comentário