sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Medal of Honor (1999) - Pensando sobre o jogo



Olá! Eu sou o Asa eu vou falar de Medal of Honor, jogo desenvolvido pela DreamWorks Interactive e lançado para PS1 em 1999. Esse jogo tem uma série de particularidades que eu considero muito interessantes para a gente entender um pouco os caminhos que a indústria trilhou quando o assunto era representar guerras, especialmente a Segunda Guerra Mundial.

Medal of Honor tem a responsabilidade de ser um dos principais jogos a mostrar as possibilidades de retratar guerras reais em jogos, e não apenas mundos fantásticos e ficção científica. Não à toa, a Segunda Guerra Mundial será um dos panos de fundo favoritos do gênero FPS, que é o adotado pelo jogo. E também não por acaso, a mente por trás do desenvolvimento do jogo é o famoso cineasta Steven Spielberg, que dirigiu alguns dos mais famosos e consagrados filmes que se passam durante esse conflito. Mas, eu volto a isso mais adiante.

Medal of Honor, como eu disse, é um FPS em que o jogador controla o tenente Jimmy Patterson, que é recrutado pela agência americana OSS para uma série de serviços de infiltração, resgate e sabotagem contra os nazistas durante a Segunda Grande Guerra. Essa versatilidade de missões possíveis é fundamental para a estrutura do jogo, que acaba se baseando em situações que vão além de atirar nos soldados inimigos.

É claro que, como todo FPS, o combate com armas de fogo ainda é a mecânica básica, mas o jogo ainda cria algumas situações em que o jogador precisa se infiltrar como um oficial disfarçado, o que demanda agir com cautela e explorar os cenários em busca de documentos que lhe permitam avançar sem entrar em conflito direto.

Aliás, exploração é uma parte importante do jogo, já que cada missão conta com diversos objetivos que estão espalhados pelo cenário. Na verdade, eu não quero sugerir que os mapas são enormes ou labirínticos, embora alguns deles sejam meio confusos para o jogador se orientar. Porém, no geral, há apenas algumas bifurcações e, se o jogador tiver o instinto de explorar, completar todos os objetivos não vai ser difícil ou confuso. De qualquer forma, explorar acaba sendo uma atitude requerida, mesmo que numa escala pequena.

Em termos de combate em si, o jogo oferece uma quantidade razoável de armas, obedecendo talvez o rigor realista que pautou o seu desenvolvimento: basicamente o jogador dispõe de granadas, pistolas, rifles, metralhadoras, bazucas, mas geralmente só um ou dois modelos de cada um desses tipos.

Há um ponto positivo e um negativo em relação a essas armas: o negativo é o fato de que o jogador não pode selecioná-las especificamente, há uma ordem determinada de seleção e o jogador precisa passar por ela, o que nem sempre é fácil ou rápido de fazer num momento mais tenso. Por exemplo: se o jogador quiser jogar uma granada e, em seguida, usar sua metralhadora, ele terá que passar, antes, pela pistola e/ou o rifle, o que atrasa as coisas. Este, aliás, é um dos motivos por que eu era muito relutante em usar granadas ao longo da experiência.

Já o ponto positivo é que, apesar das armas serem poucas, cada uma delas tem uma função muito específica em combate, o que torna todas valiosas ao longo das missões: a metralhadora é perfeita para combates com mais de um inimigo; o rifle é ideal para tiros de precisão; a pistola, além de ter precisão, também é essencial em missões furtivas; a granada é ótima para vencer inimigos em posições fortificadas, ou pelo menos para fazer com que eles saiam de suas posições por um momento.

Falando nisso, é muito impressionante a atenção ao detalhe com a inteligência artificial e as animações no jogo: tiros em determinadas partes do corpo vão fazer os nazistas reagirem de forma diferente, o que pode ser essencial em combate. Atirar no pé de um inimigo vai fazê-lo pular; atirar na cabeça faz o seu capacete sair voando; atirar na arma faz com que ele não atire em você, mas também não seja ferido, etc.

Quando o jogador lança uma granada, um inimigo imediatamente corre até ela e a joga de volta para o seu lado, ou então simplesmente abandona sua posição por um momento. A princípio, isso pode parecer frustrante ao jogador, mas mesmo essa pequena dificuldade pode ser usada, por exemplo, para fazer um inimigo sair de uma zona fortificada de onde ele está atirando, o que te dá uma chance de chegar mais perto dele de forma segura.

A única coisa decepcionante em relação aos combates é a mira, que é difícil de ajustar com rapidez. O jogo foi feito para uma época em que analógicos ainda não eram comuns, então ele depende muito da mira manual, a qual só pode ser ajustada se o jogador praticamente travar o personagem no lugar. O jogo sabe disso, e por isso nenhum inimigo atira em você de imediato; todos eles se atrapalham por um momento e te dão uma chance de mirar e atirar. Porém, em situações com vários inimigos, a solução não é 100% a prova de erros.

Isso poderia ser resolvido de duas formas: a primeira é implementar uma assistência de mira maior, como é o caso no grande modelo de Medal of Honor, Goldeneye 007, em que o jogo te guia significativamente para acertar o inimigo; e a segunda é possibilitar ao jogador atirar nos inimigos a uma maior distância. Porém, a distância máxima a partir da qual os inimigos aparecem é extremamente limitada, por problemas de memória do PS1. Aliás, todos as fases do jogo se passam à noite ou em corredores fechados porque o PS1 era incapaz de carregar imagens a uma distância maior do que a que o jogo conseguiu implementar.

Apesar dessas limitações técnicas, eu acabei me acostumando ao sistema do jogo e aprendi a me virar. E os cenários noturnos e claustrofóbicos acabam sendo bem interessantes para criar um ambiente de medo e tensão que seria bem adequado num jogo de guerra. Então, talvez mesmo involuntariamente, as limitações do hardware ajudaram a criar uma experiência que, embora truncada, ofereça sentimentos coerentes ao jogador.

O mesmo se pode dizer da trilha sonora, que conta com trilhas épicas e outras, mais contidas, mas que são de alta qualidade e procuram colocar o jogador dentro da experiência de uma forma bastante bem-sucedida. Além disso, falando de som, há algumas fases que usam o som para ajudar o jogador a escapar de emboscadas, o que é um nível de detalhismo que eu não lembro de ter visto em jogos dessa mesma época.

Tudo isso faz de Medal of Honor um jogo muito bem executado, apesar das limitações da época. As mecânicas podem não ser as mais polidas, mas o jogo faz o possível para dar uma chance ao jogador, e viver cada missão acaba sendo uma experiência bem interessante e que revela o cuidado no desenvolvimento do jogo, o que faz sentido quando a gente pensa que quem estava à frente do projeto era um grande diretor de cinema, conhecido pelo seu cuidado técnico.

Porém, é esta mesma figura do Spielberg que me deixa tão perplexo com o jogo. Para quem não sabe, embora o diretor tenha colocado nazistas em filmes como Indiana Jones, o foco maior que ele deu à Segunda Guerra foi nos filmes A lista de Schindler, de 1993, e O resgate do soldado Ryan, de 1998, lançado apenas um ano antes de Medal of Honor.

E, quando a gente compara os dois filmes e o jogo, é difícil entender as diferenças. Os filmes retratam o lado mais cruel da guerra, mostrando o terror que a guerra exerceu sobre os civis, e também mostrando a bruta crueldade que marcava a vida dos soldados que lutaram na guerra. A cena mais famosa de O resgate do soldado Ryan é justamente um confronto numa praia em que uma quantidade imensa de soldados americanos é trucidada por bombas e metralhadoras, e só o que resta é a confusão e a carnificina.

E, quando este mesmo diretor dirige um jogo baseado neste mesmo evento, só o que o jogador encontra é uma história em que um único soldado destrói diversas bases nazistas, se infiltra em fortalezas, incapacita canhões e submarinos e várias outras coisas que simplesmente trivializam o confronto terrível da Segunda Guerra Mundial.

Talvez a missão mais emblemática desse foco completamente maluco do jogo é a que o protagonista invade uma fortaleza que supostamente estaria fabricando gás de mostarda, que foi usado como arma para trucidar inúmeros soldados na Primeira Guerra Mundial. A personagem responsável por passar as instruções da missão ao protagonista comenta como esse gás é horrível e cruel. Apesar de reconhecer isso, a sua missão como jogador é liberar o gás dentro da fortaleza, o que, segundo o próprio jogo, vai transformar o lugar numa imensa sepultura.

Em outras palavras, o jogo faz questão de mencionar a proibição de armas químicas no conflito da Segunda Guerra, mas, ao mesmo tempo, demanda que você adote essa prática horrível para prosseguir no jogo. E isso levando em consideração que o uso desse gás foi um dos elementos mais destrutivos e traumáticos da Primeira Guerra Mundial.

O jogo fez, segundo os desenvolvedores, um grande esforço de respeitar os envolvidos no conflito e de educar o jogador em relação àquilo que aconteceu. Porém, a maior parte dos vídeos educativos que estão dentro de Medal of Honor tratam os eventos da guerra com uma distância que pouco oferece em relação ao lado humano do conflito, destacando eventos e grandes armas e inovações tecnológicas que foram desenvolvidas durante o conflito.

Graças a isso, o jogo oferece uma visão muito mecânica de um conflito. Havia uma grande preocupação em tornar o jogo mais adequado para uma população mais jovem, porém, como acontece frequentemente em casos assim, o impulso de criar uma versão mais leve de um evento histórico sangrento só faz com que as gerações mais novas percam a dimensão do peso e dos sacrifícios que marcaram sua história e sua cultura. E, graças a isso, não é raro que sejam algumas das populações mais novas as primeiras a desprezar a dor e as lições que caracterizaram esses eventos. É algo que a gente está vivendo hoje, inclusive.

Com isso, estranhamente, uma obra sobre a Segunda Guerra Mundial dirigida por Steven Spielberg consegue criar uma experiência que, em vez de iluminar o público sobre o evento, obscurece sua visão, e provavelmente foi uma referência sobre como jogos realistas seriam feitos, o que nos levou a um longo período de insensibilização em relação a violência na nossa mídia, e que nós temos revertido aos poucos apenas nos dias de hoje, se é que estamos mesmo revertendo.

E era isso que eu queria dizer sobre Medal of Honor. Até a próxima análise!

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