Olá! Eu sou o Asa eu vou falar de Medal of Honor, jogo desenvolvido pela
DreamWorks Interactive e lançado para PS1 em 1999. Esse jogo tem uma série de
particularidades que eu considero muito interessantes para a gente entender um
pouco os caminhos que a indústria trilhou quando o assunto era representar
guerras, especialmente a Segunda Guerra Mundial.
Medal of Honor tem a responsabilidade de
ser um dos principais jogos a mostrar as possibilidades de retratar guerras
reais em jogos, e não apenas mundos fantásticos e ficção científica. Não à toa,
a Segunda Guerra Mundial será um dos panos de fundo favoritos do gênero FPS,
que é o adotado pelo jogo. E também não por acaso, a mente por trás do
desenvolvimento do jogo é o famoso cineasta Steven Spielberg, que dirigiu
alguns dos mais famosos e consagrados filmes que se passam durante esse
conflito. Mas, eu volto a isso mais adiante.
Medal of Honor, como eu disse, é um FPS
em que o jogador controla o tenente Jimmy Patterson, que é recrutado pela
agência americana OSS para uma série de serviços de infiltração, resgate e
sabotagem contra os nazistas durante a Segunda Grande Guerra. Essa
versatilidade de missões possíveis é fundamental para a estrutura do jogo, que
acaba se baseando em situações que vão além de atirar nos soldados inimigos.
É
claro que, como todo FPS, o combate com armas de fogo ainda é a mecânica
básica, mas o jogo ainda cria algumas situações em que o jogador precisa se
infiltrar como um oficial disfarçado, o que demanda agir com cautela e explorar
os cenários em busca de documentos que lhe permitam avançar sem entrar em
conflito direto.
Aliás,
exploração é uma parte importante do jogo, já que cada missão conta com
diversos objetivos que estão espalhados pelo cenário. Na verdade, eu não quero
sugerir que os mapas são enormes ou labirínticos, embora alguns deles sejam
meio confusos para o jogador se orientar. Porém, no geral, há apenas algumas
bifurcações e, se o jogador tiver o instinto de explorar, completar todos os
objetivos não vai ser difícil ou confuso. De qualquer forma, explorar acaba
sendo uma atitude requerida, mesmo que numa escala pequena.
Em
termos de combate em si, o jogo oferece uma quantidade razoável de armas,
obedecendo talvez o rigor realista que pautou o seu desenvolvimento: basicamente
o jogador dispõe de granadas, pistolas, rifles, metralhadoras, bazucas, mas
geralmente só um ou dois modelos de cada um desses tipos.
Há
um ponto positivo e um negativo em relação a essas armas: o negativo é o fato
de que o jogador não pode selecioná-las especificamente, há uma ordem
determinada de seleção e o jogador precisa passar por ela, o que nem sempre é
fácil ou rápido de fazer num momento mais tenso. Por exemplo: se o jogador
quiser jogar uma granada e, em seguida, usar sua metralhadora, ele terá que
passar, antes, pela pistola e/ou o rifle, o que atrasa as coisas. Este, aliás,
é um dos motivos por que eu era muito relutante em usar granadas ao longo da
experiência.
Já
o ponto positivo é que, apesar das armas serem poucas, cada uma delas tem uma
função muito específica em combate, o que torna todas valiosas ao longo das
missões: a metralhadora é perfeita para combates com mais de um inimigo; o
rifle é ideal para tiros de precisão; a pistola, além de ter precisão, também é
essencial em missões furtivas; a granada é ótima para vencer inimigos em
posições fortificadas, ou pelo menos para fazer com que eles saiam de suas
posições por um momento.
Falando
nisso, é muito impressionante a atenção ao detalhe com a inteligência
artificial e as animações no jogo: tiros em determinadas partes do corpo vão
fazer os nazistas reagirem de forma diferente, o que pode ser essencial em
combate. Atirar no pé de um inimigo vai fazê-lo pular; atirar na cabeça faz o
seu capacete sair voando; atirar na arma faz com que ele não atire em você, mas
também não seja ferido, etc.
Quando
o jogador lança uma granada, um inimigo imediatamente corre até ela e a joga de
volta para o seu lado, ou então simplesmente abandona sua posição por um
momento. A princípio, isso pode parecer frustrante ao jogador, mas mesmo essa
pequena dificuldade pode ser usada, por exemplo, para fazer um inimigo sair de
uma zona fortificada de onde ele está atirando, o que te dá uma chance de
chegar mais perto dele de forma segura.
A
única coisa decepcionante em relação aos combates é a mira, que é difícil de
ajustar com rapidez. O jogo foi feito para uma época em que analógicos ainda
não eram comuns, então ele depende muito da mira manual, a qual só pode ser
ajustada se o jogador praticamente travar o personagem no lugar. O jogo sabe
disso, e por isso nenhum inimigo atira em você de imediato; todos eles se
atrapalham por um momento e te dão uma chance de mirar e atirar. Porém, em
situações com vários inimigos, a solução não é 100% a prova de erros.
Isso
poderia ser resolvido de duas formas: a primeira é implementar uma assistência
de mira maior, como é o caso no grande modelo de Medal of Honor, Goldeneye 007,
em que o jogo te guia significativamente para acertar o inimigo; e a segunda é
possibilitar ao jogador atirar nos inimigos a uma maior distância. Porém, a
distância máxima a partir da qual os inimigos aparecem é extremamente limitada,
por problemas de memória do PS1. Aliás, todos as fases do jogo se passam à
noite ou em corredores fechados porque o PS1 era incapaz de carregar imagens a
uma distância maior do que a que o jogo conseguiu implementar.
Apesar
dessas limitações técnicas, eu acabei me acostumando ao sistema do jogo e
aprendi a me virar. E os cenários noturnos e claustrofóbicos acabam sendo bem
interessantes para criar um ambiente de medo e tensão que seria bem adequado
num jogo de guerra. Então, talvez mesmo involuntariamente, as limitações do hardware ajudaram a criar uma
experiência que, embora truncada, ofereça sentimentos coerentes ao jogador.
O
mesmo se pode dizer da trilha sonora, que conta com trilhas épicas e outras,
mais contidas, mas que são de alta qualidade e procuram colocar o jogador
dentro da experiência de uma forma bastante bem-sucedida. Além disso, falando
de som, há algumas fases que usam o som para ajudar o jogador a escapar de
emboscadas, o que é um nível de detalhismo que eu não lembro de ter visto em
jogos dessa mesma época.
Tudo
isso faz de Medal of Honor um jogo
muito bem executado, apesar das limitações da época. As mecânicas podem não ser
as mais polidas, mas o jogo faz o possível para dar uma chance ao jogador, e
viver cada missão acaba sendo uma experiência bem interessante e que revela o
cuidado no desenvolvimento do jogo, o que faz sentido quando a gente pensa que
quem estava à frente do projeto era um grande diretor de cinema, conhecido pelo
seu cuidado técnico.
Porém,
é esta mesma figura do Spielberg que me deixa tão perplexo com o jogo. Para
quem não sabe, embora o diretor tenha colocado nazistas em filmes como Indiana Jones, o foco maior que ele deu
à Segunda Guerra foi nos filmes A lista
de Schindler, de 1993, e O resgate do
soldado Ryan, de 1998, lançado apenas um ano antes de Medal of Honor.
E,
quando a gente compara os dois filmes e o jogo, é difícil entender as
diferenças. Os filmes retratam o lado mais cruel da guerra, mostrando o terror
que a guerra exerceu sobre os civis, e também mostrando a bruta crueldade que marcava
a vida dos soldados que lutaram na guerra. A cena mais famosa de O resgate do soldado Ryan é justamente
um confronto numa praia em que uma quantidade imensa de soldados americanos é
trucidada por bombas e metralhadoras, e só o que resta é a confusão e a
carnificina.
E,
quando este mesmo diretor dirige um jogo baseado neste mesmo evento, só o que o
jogador encontra é uma história em que um único soldado destrói diversas bases
nazistas, se infiltra em fortalezas, incapacita canhões e submarinos e várias
outras coisas que simplesmente trivializam o confronto terrível da Segunda
Guerra Mundial.
Talvez
a missão mais emblemática desse foco completamente maluco do jogo é a que o
protagonista invade uma fortaleza que supostamente estaria fabricando gás de
mostarda, que foi usado como arma para trucidar inúmeros soldados na Primeira
Guerra Mundial. A personagem responsável por passar as instruções da missão ao
protagonista comenta como esse gás é horrível e cruel. Apesar de reconhecer
isso, a sua missão como jogador é liberar o gás dentro da fortaleza, o que,
segundo o próprio jogo, vai transformar o lugar numa imensa sepultura.
Em
outras palavras, o jogo faz questão de mencionar a proibição de armas químicas
no conflito da Segunda Guerra, mas, ao mesmo tempo, demanda que você adote essa
prática horrível para prosseguir no jogo. E isso levando em consideração que o
uso desse gás foi um dos elementos mais destrutivos e traumáticos da Primeira
Guerra Mundial.
O
jogo fez, segundo os desenvolvedores, um grande esforço de respeitar os
envolvidos no conflito e de educar o jogador em relação àquilo que aconteceu.
Porém, a maior parte dos vídeos educativos que estão dentro de Medal of Honor tratam os eventos da
guerra com uma distância que pouco oferece em relação ao lado humano do
conflito, destacando eventos e grandes armas e inovações tecnológicas que foram
desenvolvidas durante o conflito.
Graças
a isso, o jogo oferece uma visão muito mecânica de um conflito. Havia uma
grande preocupação em tornar o jogo mais adequado para uma população mais
jovem, porém, como acontece frequentemente em casos assim, o impulso de criar
uma versão mais leve de um evento histórico sangrento só faz com que as
gerações mais novas percam a dimensão do peso e dos sacrifícios que marcaram sua
história e sua cultura. E, graças a isso, não é raro que sejam algumas das
populações mais novas as primeiras a desprezar a dor e as lições que
caracterizaram esses eventos. É algo que a gente está vivendo hoje, inclusive.
Com
isso, estranhamente, uma obra sobre a Segunda Guerra Mundial dirigida por
Steven Spielberg consegue criar uma experiência que, em vez de iluminar o
público sobre o evento, obscurece sua visão, e provavelmente foi uma referência
sobre como jogos realistas seriam feitos, o que nos levou a um longo período de
insensibilização em relação a violência na nossa mídia, e que nós temos
revertido aos poucos apenas nos dias de hoje, se é que estamos mesmo
revertendo.
E era isso que eu queria dizer sobre
Medal of Honor. Até a próxima análise!
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