Olá! Normalmente eu escrevo para meus próprios
inscritos, pensando apenas em discutir assuntos que estão ligados a um tema ou
jogo específico, dentro de um sistema discursivo ao qual eles já estão bastante
habituados. Este texto, porém, eu gostaria que fosse um pouquinho mais amplo,
sendo direcionado, principalmente, a todo e qualquer crítico de jogos que atua
hoje ou planeja atuar no futuro. É um texto que serve como introdução a um
momento de fechamento e pausa aqui e, que por isso mesmo, serve como uma
reflexão dos trabalhos produzidos até então, e do que eu espero mostrar uma
última vez num conjunto de textos que se seguirão a este a cada dois dias.
Mas,
também, é um texto que serve, como diz o título, como uma carta, um manifesto
sobre as intenções do canal e sobre aquilo que eu gostaria de ver produzido
mais adiante por pessoas com impulsos e interesses semelhantes aos meus. É,
portanto, um discurso feito com bastante esperança e confiança no futuro e no
interesse analítico de todo apreciador de arte.
Eu
acompanho a discussão sobre jogos já há vários anos, pelo menos 7, eu diria, ou
seja, datando de 2011, quando tudo que eu acompanhava era um blog aqui ou ali, um top 10 ou uma
análise no YouTube. Hoje nós temos uma cena muito mais complexa e variada, que
passa por análises longuíssimas com horas de duração, até os Let’s plays, que
permitem alguma edição, e também as streams,
que basicamente são transmissões em tempo real do jogador, com ou sem suas
impressões mais diretas sobre o jogo.
E
eu sou muito fã de muita coisa produzida nos dias de hoje. Inclusive, não são
tão raros os textos em que eu indico produções de colegas de YouTube, sejam
eles brasileiros ou estrangeiros, buscando não apenas a expansão do público
desses canais, mas também a introdução de novas ideias e discussões na
comunidade, para que essa mesma comunidade cresça e se desenvolva criticamente.
Porém,
uma observação crítica que eu não posso evitar fazer é quão pouca interpretação
há nos discursos sobre jogos. O significado do termo “interpretação” que eu uso
vem de um livrinho didático chamado O
estudo analítico do poema, do recém-falecido professor Antonio Candido, e
que é bem distante da nossa realidade de discursos de jogos, mas muito próximo
da minha formação de graduado em Letras.
Nesse
livro, o autor distingue dois conceitos fundamentais: comentário e
interpretação. Resumindo muito mais do que talvez seria prudente, o comentário
seria uma fase mais objetiva da análise de uma obra de arte, em que se
apontariam os elementos estruturais mais claros do texto, muitas vezes até
vistos de forma separada. Também entram alguns pontos contextuais, como
esclarecimentos sobre o período em que a obra foi produzida, sobre a biografia
do autor e sobre a sociedade em que ele habitava.
Quando
a gente pensa na crítica de jogos, a gente vê um imenso mar de comentários.
Partes de um jogo costumam ser vistas e comentadas de formas profundamente
separadas, como se se fizesse uma lista de critérios importantes. Um dos canais
mais conceituados de análise tradicional de jogos, o americano ACG, ainda usa
profundas divisões na hora de discutir partes dos jogos, como som, visual, gameplay.
Isso
é provavelmente resultado da tradição da nossa crítica como guia de compras, ou
seja, o crítico é visto como alguém que expõe informações com a finalidade de
detalhar características de um produto para que o leitor, ouvinte ou expectador
possa decidir se compra ou não determinado jogo. E, segundo esse ponto de
vista, o processo de informar características seria o mais importante, já que
leitores tomam diferentes decisões baseados no mesmo conjunto de
características, sendo essencial que elas sejam as mais claras possíveis, para
eles possam interpretá-las e tomar sua decisão. Não à toa, esse modelo muitas
vezes vai destilando essas informações conforme o discurso avança.
Se
você já acompanhou uma análise tradicional, você sabe que muitas são compostas
por um texto, que, por sua vez, é resumido num parágrafo final, podendo conter
também um quadro de prós e contras do jogo, ou ainda um quadro com comentários
específicos sobre gráficos, música, jogabilidade e história e, por fim, a nota
do jogo. Note o progresso do formato mais difuso para o mais condensado, sempre
com o específico fim de tornar claras informações consideradas essenciais para
que o leitor tome sua decisão de comprar ou não o jogo.
Outros
fatores acabam entrando para homogeneizar esse processo, como a falta de tempo
hábil para publicar uma análise. Como se sabe, é prática bem comum a veículos
de médio e grande porte ter contatos diretos com as empresas desenvolvedoras,
que frequentemente mandam o jogo com antecedência, e aí o crítico joga como se
não houvesse amanhã, para conseguir cumprir uma data de publicação, geralmente
no dia de lançamento do jogo. Nesse processo, ele muitas vezes não tem o devido
tempo para refletir sobre o jogo com mais vagar, e muito menos chance de
conversar com outros colegas que também jogaram. Afinal, nesse momento, o jogo
está disponível para muito poucos.
Assim,
uma mistura de pouco tempo disponível, pouca fortuna crítica (que é o conjunto
de discursos já disponíveis sobre uma obra para poder dialogar), e um formato
de discurso tradicionalmente apegado a transmitir mais informações do que
ideias acaba gerando o discurso tradicional de jogos, que, para mim, soa
profundamente empobrecedor.
Eu
acredito que não sou o único a chegar a essa conclusão, porque os últimos anos
apresentaram movimentos contrários a essa tendência, embora, infelizmente, eu
veja alguns problemas nesses movimentos que eu gostaria de apontar. Não faço
isso como forma de denegrir meus colegas, até porque muitos procedimentos deles
são inspirações e servem de modelo para mim; são apontamentos que servem, como
este texto todo procura servir, como uma sistematização do que eu considero
possíveis armadilhas no processo de construir uma comunidade de críticos.
A
primeira armadilha que eu vejo é o excessivo rigor técnico na construção de uma
análise, que eu considero um problema típico da mídia do YouTube. Sabe-se bem
que, quando as análises começaram a ser publicadas aqui, a qualidade visual e
sonora delas era pobre, a edição era precária; em outras palavras, não havia um
profundo aproveitamento da mídia audiovisual e de suas potencialidades.
Porém,
o próprio esforço por criar uma identidade e um diferencial nesse espaço cada
vez mais competitivo tem levado alguns colegas a consumir dezenas de horas na
confecção de um vídeo, muitas vezes excedendo na edição o tempo necessário para
jogar o jogo em si e elaborar o roteiro que, em última instância, é a análise
do jogo. Isso não raro dificulta a produção, demanda uma maior equipe para
fazer o esquema todo funcionar e, o que mais me preocupa, coloca os críticos
num regime de trabalho estafante e com pouca margem de manobra para fazer um
exercício crítico tranquilo e sem pressão.
Além
do mais, não sei se meus colegas se incomodam, mas me frustra quando, depois de
acompanhar um raciocínio interessante num vídeo, eu vejo só comentários
relacionados à edição, e quase nada sobre o texto. Sendo o texto, na minha
opinião, o foco do discurso analítico, algo importante parece se perder nesse
processo de supertrabalho na forma. Uma vez, um inscrito meu chamou a minha
atenção por ter colocado o gameplay
de uma batalha contra um chefe num vídeo de teoria. Para ele, o momento central
no gameplay distraia quem acompanhava
o discurso. E às vezes eu me pergunto se isso não vale para vídeos que, de tão
bem editados, ficam um pouco no caminho do texto.
Outra
armadilha perigosa é a falta de concisão e foco. Eu acredito que o principal
nome que me interessa citar aqui é o Joseph Anderson, mas não para criticá-lo
de forma negativa ou causar drama, já que ele nunca nem entenderia uma palavra
deste texto, mesmo que chegasse ao conhecimento dele. Ele é um exemplo
justamente porque a alta qualidade do discurso dele me parece limitada pelo
formato que ele mesmo adota.
Joseph
é um cara que, segundo ele mesmo, é obcecado por citar exemplos para ilustrar
seus argumentos. Mas não é só isso que incha os vídeos dele de forma
descomunal. O que é chave é o procedimento de comentar todos os jogos quase cena
a cena, procurando detalhar ao máximo, muitas vezes incluindo informações que
beiram o óbvio. Eu acredito que haja valor numa edição ampla e detalhadamente
comentada de uma experiência. Isso não falta em livros ou filmes. Porém, estes
são instrumentos que normalmente servem como guias de leitura, e não como
críticas em si. E existe um motivo para isso: a montanha de informações muitas
vezes cansa e confunde quem acompanha o crítico.
O
estilo do Joseph muitas vezes me lembra o estilo acadêmico tradicional, que
busca ser exaustivo na defesa de um argumento. Você coloca uma ideia, faz a
sustentação dela, cita exemplos, antecipa críticas e encerra. Nesse processo,
um dos maiores desafios é saber limitar o escopo do seu trabalho. Este talvez
seja, aliás, o maior aprendizado para quem faz uma dissertação ou tese:
aprender quando parar de falar. Quando se quer falar de tudo, especialmente
quando a obra é muito vasta, corre-se seriamente o risco de perder o foco e,
principalmente, a profundidade, porque é necessário articular tantas partes
diferentes ao mesmo tempo, que acaba sendo difícil criar um argumento central
contundente.
Por
isso, ao final de algum vídeo do Joseph, eu muitas vezes sinto que fiquei
sabendo tantas coisas sobre as partes de um jogo, mas muito pouco sobre ele em
profundidade, sobre os temas e articulações das partes. São tantos episódios e
elementos que podem ficar na memória, mas raramente aparece uma interpretação
profunda. Com isso, acaba sendo relevante o histórico do canal do Joseph como
tendo iniciado quase que apenas para mencionar como um determinado jogo
aclamado não era perfeito. É claro que frequentemente ele alcança mais do que
isso, mas muitas vezes os melhores argumentos ficam perdidos num mar de
informações que parecem comprometer o foco dele como crítico.
Enfim,
estas duas questões para mim são os grandes desafios contemporâneos dos
críticos de jogos que procuram algo diferente do modelo de guia de compras. E
isso porque, no fundo, eu acredito que esses formatos novos não romperam
definitivamente com o tradicional, sendo apenas versões extremas dele, procurando
ou embelezar o formato ao extremo, como a versão americana e bem produzida de
um filme japonês, ou então expandir o nível de comentários ao extremo, mas sem
necessariamente articulá-los melhor.
Vamos
agora voltar, então, ao livrinho que eu mencionei no começo do texto, O estudo analítico do poema, mais
especificamente à distinção entre comentário e interpretação. A minha questão
até agora foi apontar como, apesar de contínuas transformações no nosso
discurso, a crítica de jogos continua tristemente apegada ao comentário, ou
seja, às informações mais ou menos objetivas sobre uma determinada obra.
A
minha defesa neste texto é de uma adoção maior da interpretação, ou seja, de
uma articulação geral dessas diferentes informações para expor um significado
geral da experiência que a obra de arte proporciona. Para começar a falar
disso, eu volto ao livrinho, para falar que não se deve abandonar o comentário
para chegar à interpretação. Pelo contrário, o livro diz que “o comentário bem
compreendido é o vestíbulo da interpretação”, ou seja, ele é a base para o
processo de interpretar, um passo necessário.
A interpretação é um passo naturalmente mais difícil, não só porque supõe o passo
anterior do comentário, mas também a capacidade de estabelecer nexos entre os
elementos comentados. Porém, quando executada corretamente, a interpretação
permite não só uma compreensão inteiramente nova da obra de arte, como também a
difusão de um conhecimento escondido em sua estrutura capaz de iluminar não só
o público, mas também a própria comunidade em que a obra se insere, e mesmo a
realidade contemporânea.
As grandes obras de
arte ressoam conosco porque são capazes de exprimir algo em sua própria
estrutura, muitas vezes de forma tão difusa que não conseguimos compreender de
imediato. Cabe, então, ao crítico buscar respostas dentro da obra que expliquem
por que algo ressoa mais ou menos, e qual o significado último de uma obra. Ou,
então, para o caso de uma obra que falha em algum sentido, tentar entender onde
ela estava querendo ir e apontar quais os problemas no percurso.
Esse é o sentido maior
que eu gostaria que você, atual ou futuro crítico de jogos, tentasse buscar com
o seu trabalho. Nem sempre vai ser possível, e esse caminho em si tem seus
riscos e armadilhas, que eu vou listar a seguir. Porém, eu acredito que seja o
caminho mais interessante não só no seu trajeto na construção de uma identidade
enquanto produtor de conteúdo crítico, mas também no cultivo de uma comunidade
de jogadores, desenvolvedores e críticos mais inteligentes e ousados.
Eu acredito que o
primeiro desafio quando a gente decide adotar a interpretação como objetivo
final é que a maioria das obras de arte não corresponde às altas expectativas
que nós cultivamos quando adotamos o ponto de vista interpretativo. E eu não
limito isso a jogos: são raras as obras que revelam foco, criatividade e
discernimento suficientes da parte dos artistas a ponto de renderem
interpretações que articulam tudo de forma 100% amarrada. No caso da indústria
de jogos, então, com equipes frequentemente enormes, esse esforço acaba
parecendo vão.
Porém, isso não deve
servir de impedimento ao crítico. Se uma obra chamar sua atenção por algum
elemento lateral bem construído, basta analisá-lo e delimitar seu foco a ele,
tentando mostrar o que o torna algo especial ou interessante. É algo que muitos
de nós já fazem quando analisam um jogo com uma história que chama a atenção,
enquanto elementos como o gameplay
acabam sendo pouco importantes. Esse tipo de apontamento são pequenas
descobertas que, se devidamente ressaltadas pela crítica, podem ser mais
valorizadas e, depois, devidamente incorporadas em obras mais bem realizadas
como um todo.
Talvez o exemplo mais
conhecido de crítico com esse procedimento seja o Mark Brown, que
frequentemente constrói seus vídeos em torno de um tema, em vez de um jogo.
Assim, ele pode realizar interpretações de um elemento de um jogo sem estar
constrangido a falar dele todo. Já o Errant Signal frequentemente traz jogos indies tão focados que permitem uma
análise unificada de um elemento, iluminando o jogo todo.
Outro elemento
importante do trabalho desses dois críticos é se libertar da obrigação de falar
de jogos recentes, e sim trazer análises de obras mais antigas quando
necessário, seja para esclarecer solução a problemas contemporâneos, seja para
mostrar grandes acertos do passado.
O filósofo e crítico de
arte alemão Theodor Adorno dizia que uma obra de destaque era aquela que fazia
uma reflexão importante para nós hoje, ou que era essencial para a sua
sociedade em determinado tempo. Eu acredito que este é um aspecto que deve
sempre nortear nossas escolhas de obras a comentar: devemos escolher obras que
falem conosco sobre uma questão geral, ou que sejam importantes para a
indústria ou um subgênero num determinado momento.
Por isso, obras eventualmente
desbalanceadas e pouco unas não devem limitar o trabalho da interpretação,
devendo esse trabalho apenas se adequar às obras que ele analisa. Se as obras
só chamam a atenção por poucos aspectos, trate apenas deles; e, se houver
fortes conflitos dentro de uma mesma obra, como a famosa dissonância
ludonarrativa, procure expô-los e explicá-los da forma mais clara possível.
O segundo grande
desafio a trilhar é que nós somos mais ou menos pioneiros. É claro que há
inúmeros exemplos de grandes análises feitas ao longo dos anos, porém não há
sistema ainda em funcionamento. Hoje, se eu quiser estudar um romance do século
XIX, eu tenho dezenas, quando não centenas, de outros críticos com quem
dialogar, e que vão, por um lado, facilitar o meu conhecimento da obra e, por
outro, tornar mais difícil dizer algo relevante. O mesmo vale para cinema,
música, artes plásticas, e o que você preferir.
A chamada fortuna
crítica é uma ferramenta essencial para fazer do trabalho crítico algo mais
direto e arrojado. Afinal, se alguém já fez todo o trabalho de explicar o que é
um FPS, você certamente não precisa explicar pela milésima vez, num vídeo sobre
Wolfenstein: The New Order, a que
gênero ele pertence. Graças a isso, você pode focar especificamente no que, por
exemplo, ele faz de diferente em relação a seus pares, seja em termos de gameplay, seja em termos de tema.
Por isso, é altamente
recomendável que você, como crítico, acompanhe o trabalho dos melhores à sua
volta. O objetivo não é, obviamente, plagiar o trabalho do colega – o que,
aliás, tem sido um problema hoje em dia –, mas sim dialogar com ele, discordar
se for preciso, concordar sempre que for conveniente, e completar sempre que
necessário. Quando eu faço um texto sobre Dark
Souls, por exemplo, eu preciso saber que há uma comunidade imensa dedicada
à crítica desses jogos, que muito já disse sobre eles. E é preciso conhecer
essa crítica, seja para concordar com ela, procurando sempre construir algo
novo, ou então para discordar dela com propriedade.
Nesse sentido, eu
costumo recomendar a abordagem de obras não recentes para início de trabalho.
São as obras com a maior fortuna crítica, ou pelo menos com uma quantidade
razoável, e que permitem a você entender melhor um jogo e construir seu
raciocínio da melhor forma. Muita gente no YouTube não é muito adepta a tratar
de coisas mais antigas, simplesmente porque a quantidade de acessos que uma
análise antiga gera não é tão significativa quanto à de um vídeo dedicado a um
jogo recente, porém eu acredito que há meios de circundar esse desafio e, mesmo
que não necessariamente haja, fazer vídeos não tão bem-sucedidos em termos de
audiência pode acabar sendo essencial para o seu crescimento em termos de
notoriedade.
Um exemplo disso é o
pai da crítica do YouTube, ou talvez o tio, como ele prefere ser chamado. Eu
acredito que o arroz com feijão do canal do Zangado quase sempre foram os
primeiros minutos de um jogo, ou mesmo as análises mais simples e focadas.
Porém, eu acredito que ele ganhou a maior parte de sua notoriedade por conta
dos trabalhos mais ambiciosos, como os vídeos sobre trilogias e sagas que,
independentemente do que você acha da qualidade das informações, eram
verdadeiros eventos no canal dele. Então, eu acredito que, em termos de portfólio,
vídeos que demandam mais trabalho, porém revelam mais fôlego, podem ser
beneficiais.
Por fim, uma última
dificuldade que eu queria apontar no trabalho interpretativo é, justamente, a
necessidade de uma formação mais ampla. É claro que, quanto mais se pretende
estabelecer conexões e articular informações, mais é necessário ter
conhecimento. Por isso, eu recomendo a todo crítico que sempre trabalhe esse
lado, que só tem a acrescentar não só na sua formação crítica, mas também na
sua formação enquanto indivíduo.
E, claro, isso não quer
dizer que você tenha que ser conhecedor de tudo que já se produziu sobre todos
os assuntos. A vida da gente tem um limite. Porém, você pode perseguir seus
interesses e se aprofundar neles, de forma que isso gere frutos
interpretativos. Eu, por exemplo, não tenho muito interesse em jogos multiplayer, por isso não vou muito
atrás de informações sobre eles, e por isso mesmo eles não aparecem no canal.
Porém, eu gosto de testar diversos tipos de jogos single player, o que me permite fazer comparações.
Além do mais, eu tenho
minha formação acadêmica e me interesso bastante por livros, seriados e filmes.
Porém, meu conhecimento de música, por exemplo, é limitado. Meu conhecimento
sobre programação é inexistente e eu sou bem alheio às discussões da comunidade
acadêmica sobre jogos. Essa formação e esses interesses estabelecem o recorte
que eu quero perseguir e certamente determinam as coisas mais interessantes que
eu posso dizer, e também os pontos cegos que eu fatalmente demonstrarei.
Qualquer crítico passa
por isso. Um mesmo livro pode ter interpretações baseadas na psicanálise, ou na
sociologia, ou no estudo propriamente sintático e literário. E, quando o rumo
da discussão se torna mais estabelecido e arrojado, a gente vai encontrar
outros subgrupos: dentro das interpretações de psicanálise, nós vamos ter os
textos freudianos, os jungianos, os lacanianos, etc.
Cada crítico acaba
dando sua contribuição ao debate e, dentro de suas limitações, pode oferecer
algo aos colegas que compartilham seu ponto de vista, e também a outros, que
podem pegar uma pista interpretada de um modo e ler de outra forma. O
importante é estabelecer um conjunto de conhecimentos e trabalhar com as obras
que ressoam mais com esse background
estabelecido.
Bom, eu não sei
exatamente o quanto esse discurso vai acabar sendo efetivo. Ele se pretende
como um convite ao exercício interpretativo, não só para superar os formatos
que nós insistimos em herdar da crítica de jogos do passado, mas também para
tornar nosso trabalho mais ambicioso, produtivo, interessante e recompensador.
A cada discurso interpretativo bem feito, aumentam as chances de um novo
crítico se produzir por gostar da crítica que leu ou viu. E isso tem inúmeras
implicações, que começam num apreciador de arte mais consciente, e terminam num
indivíduo capaz de interagir com as mídias e o mundo de forma ativa, dialogal e
crítica. Algo de que o mundo inteiro precisa, e a cada dia precisa mais, eu
diria.
Eu espero que essas
palavras tenham sido úteis para demonstrar um pouco da paixão que motiva os
quase duzentos vídeos que eu produzi durante esses anos, e os que se seguem
nesta última rodada que começa daqui a dois dias. Essa última sequência é uma
homenagem e um agradecimento a todos que aqui frequentam e frequentaram, e um
último exemplo dos princípios que eu listei sendo postos em prática. Eu espero
que apreciem o trabalho e que esta mensagem possa fazer sentido àqueles que têm
pretensões críticas, indo muito além da minha menção elogiosa ou nem tanto ao
trabalho de alguém que você admira, ou mesmo ao seu.
Se você tem pretensões
críticas, você é um companheiro e eu agradeço pelo seu trabalho, porque você só
está enriquecendo a comunidade, independentemente se seus procedimentos e
prioridades são iguais aos meus. Eu espero também poder dar minha contribuição,
nem que seja uma última vez. Fique à vontade para dar seus apontamentos sobre o
que eu disse neste texto, estou aqui para dialogar. E até daqui dois dias!
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