Olá! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Metroid II: return of Samus, jogo
desenvolvido pela Nintendo para o Gameboy original e lançado em 1991, cinco
anos após o lançamento do primeiro Metroid
para o NES.
Antes
de a gente começar de fato, eu recomendo a quem se interessar ver o meu vídeo
que discute o primeiro Metroid,
porque existe uma série de elementos estruturais que Metroid II retoma de seu predecessor, embora adaptando sua proposta
para uma plataforma portátil, resultando em alguns efeitos muito interessantes.
Mas,
antes de entrar nisso, vamos falar da premissa do jogo. Metroid II se passa um pouco depois do primeiro jogo, em que Samus
conseguiu destruir os piratas espaciais e os Metroids que haviam sido roubados
e usados como arma. Porém, a federação galáctica ainda estava preocupada com a
possibilidade de ainda haver mais espécimes de Metroids no planeta em que eles
foram encontrados, chamado SR388, um nome que lembra muito o do planeta do
filme Alien, chamado LV426.
E,
de fato, diversas expedições enviadas ao planeta acabaram sumindo. Com isso, a
federação decide contratar Samus mais uma vez, com a missão de erradicar toda a
espécie Metroid. E, assim, a caçadora de recompensas chega a SR388 com um radar
que exibe quantos Metroids ainda povoam o lugar e a sua missão é explorar o
planeta de cabo a rabo até não sobrar mais nenhum Metroid vivo. No final do
texto a gente volta a isso.
Na
prática, Metroid II tem uma estrutura
muito semelhante a seu predecessor: você começa na superfície do planeta e
precisa ir cada vez mais fundo, explorando ao máximo e adquirindo habilidades
novas e upgrades para abrir caminho e
prosseguir na sua missão. Porém, por mais limitado que o NES fosse, ele ainda
era uma máquina mais potente que o Gameboy e, portanto, as limitações eram mais
severas no caso de Metroid II.
Porém,
essas limitações parecem ter sido consideradas com muito cuidado pela equipe da
Nintendo e, a cada passo para trás por conta de limitações de hardware, o jogo apresenta um passo à
frente em outras características que ainda fazem o jogo funcionar
excepcionalmente bem, a ponto de me fazer dizer que eu gosto mais de Metroid II do que do Metroid original.
A
diferença mais imediatamente reconhecível quando a gente começa a jogar Metroid II é o espaço que a Samus e os
inimigos ocupam na tela: eles ocupam uma porcentagem bem maior, o que
influencia a sua capacidade de ver à frente e de reagir com antecedência. Todos
os inimigos são detectados apenas quando você está a uma distância muito
pequena deles e, provavelmente por limitações de memória, assim que eles saem
da tela, eles param de te perseguir.
Independentemente
dessa facilidade de congelar os inimigos assim que eles saem da tela, no
momento em que eles entram novamente, é preciso atacar com rapidez e agilidade,
visto que a margem de manobra é mínima. Isso faz de toda batalha em Metroid II algo tenso e sufocante, o que
reforça o sentimento que marca a série, que é o de um espaço ameaçador que faz
o jogador se sentir em desvantagem.
Esses
momentos são especialmente significativos quando a gente encontra um Metroid.
Eles raramente estão em sua forma original e, quanto mais o jogador se
aprofunda no planeta, mais assustadoras são as evoluções dos Metroids. Eles
perseguem o jogador e atacam violentamente, e só podem ser vencidos com
mísseis, que existem em quantidade limitada. Se você ficar sem munição numa
batalha contra um Metroid, sua única saída é fugir.
Isso
deixa bem claro uma questão importante sobre o jogo: embora a premissa do jogo
gire em torno de uma ordem de extermínio, raramente o ato de matar um Metroid é
uma experiência fácil, o que deixa bem claro que a Samus raramente encarna o
papel de caçadora nesse jogo. Ela vive sempre uma mistura de predadora e presa.
Assim,
Metroid II já faz um trabalho
excelente no tocante a tornar o combate uma ação opressiva e tensa, ao mesmo
tempo em que eliminou algumas chatices do primeiro jogo, como o respawn muito frequente de inimigos.
Usou-se a limitação da tela e da memória do Gameboy como base para criar algo
especial, que eu às vezes gosto de pensar como uma simulação de explorar uma
imensa caverna subterrânea, em que você só vai sentir o seu inimigo quando
estiver bem perto e aí você está tão ao alcance do ataque dele quanto ele está
ao alcance do seu.
Outra
limitação tornada em força foi o level
design. Diferentemente do primeiro jogo da série, Metroid II não conta com imensos cenários que fazem o jogador se
sentir totalmente perdido se não estiver disposto a elaborar um mapa. Ele, na
verdade, conta um túnel central, que conecta diversas subáreas que, embora
menores que qualquer área no jogo original, apresentam bifurcações suficientes
para não parecer algo simples e linear. E, como as dimensões de cada subárea
são mais limitadas, é possível ao jogador distinguir com maior precisão cada
trecho e lembrar o que foi ou não explorado.
Explorando
toda uma subárea, o jogador provavelmente vai conseguir todos os upgrades e habilidades contidas lá, além
de exterminar todos os Metroids que existem naquela localidade. Quando todos
forem mortos, o cenário treme e um trecho novo a explorar se abre. Aliás,
talvez este seja o único problema estrutural do jogo: em vez de criar
impedimentos que só podem ser superados com novas habilidades coletadas, as
subáreas de Metroid II são bloqueadas
por rios de lava, que acabam por sumir depois que o jogador extermina todos os Metroids
da área em que está.
Essa
solução acaba sendo pouco natural dentro do jogo, porque não há uma ligação
direta entre esses rios de lava e os Metroids, então fica bem claro que é
apenas uma dinâmica artificial, e não algo que faça sentido narrativamente
dentro do jogo. Eu entendo por que o jogo funciona assim, considerando que cada
área é explorada de forma não linear e seria difícil desbloquear habilidades
sem saber exatamente qual é o último Metroid exterminado, e seria muito
frustrante ter que voltar a áreas muito distantes procurando por um Metroid
esquecido. Porém, o resultado final acabou artificial.
Por
fim, vale dizer que, para um jogo de Gameboy, Metroid II faz um excelente trabalho em criar áreas intrigantes e
distintas, com cenários que simulam cavernas, trechos cheios de musgos ou
vegetação subterrânea, e até elementos de uma civilização antiga que teria
povoado o planeta. A música também participa muito bem nessa construção,
sabendo alternar tons mais aventurosos com trechos mais tensos e alienígenas
que são bastante adequados à experiência.
Assim,
Metroid II cria uma estrutura que
ainda sabe dar o devido valor à tensão e ao medo, que faz os cenários se
tornarem assustadores, embora um pouco menos vastos, que faz os inimigos se
tornarem ameaças reais, e que sabe misturar perfeitamente o sentimento de
aventura e de tensão que faz desse jogo o melhor título de Gameboy que eu já
joguei – pelo menos em termos de gameplay.
Mas,
para a gente terminar, falta falarmos da história. Um debate muito interessante
que existe em relação a Metroid II é
dedicado à premissa do jogo: exterminar completamente uma espécie animal. Para
quem se interessar sobre isso, o fim do vídeo do Mark Brown falando sobre os remakes do jogo fala dessa questão, e eu
recomendo a todos.
Sumarizando
muito o debate, Metroid II é um jogo
decididamente dedicado a um extermínio: essa informação está dada já no manual,
a progressão do jogo gira em torno de matar Metroids e em 100% do tempo do jogo
você tem acesso a esse número decrescente de criaturas, até fatalmente chegar a
zero. E esse zero é o seu objetivo.
Vale
dizer, como ficou claro no meu argumento até agora, que o jogo não retrata a
Samus como uma caçadora poderosa invadindo um ecossistema tranquilo para
exterminar uma criatura que, no geral, está vivendo a sua vida tranquilamente. Metroid II está muito distante de um Shadow of the Colossus, por exemplo. Os
Metroids são ameaças reais à Samus, todos te atacam e perseguem assim que veem
você, algo que nenhum outro inimigo faz no jogo. Nenhum tenta fugir ou parece
estar protegendo algo.
Porém,
existe algo a dizer sobre o fato de que os Metroids estão todos isolados num
planeta – na parte subterrânea do planeta, aliás. Assim, a gente teria que se
perguntar que nível de ameaça eles realmente representam. Afinal, a única vez
em que eles foram usados como arma, lá no primeiro Metroid, foi porque piratas roubaram um espécime que tinha sido
coletado do planeta. Em nenhum momento os Metroids, por si sós, se apresentaram
como um risco.
Além
do mais, como eles ficam isolados em cavernas, eles não parecem estar em
conflito com os outros animais que habitam SR388, formando uma espécie de
ecossistema funcional. Assim, cabe sim perguntar o quão ética é a missão da
Samus nesse jogo e o quanto o jogo parece alheio a esse fato.
Eu
acredito que a marca clara de que o jogo tinha alguma noção das questões
subentendidas na sua proposta está no final: após exterminar o último Metroid
do planeta, Samus segue uma rota para escapar e encontra um ovo de Metroid, que
choca e o bebê acaba achando que a protagonista é a sua mãe. Por isso, ele
ajuda Samus a escapar do planeta e ambos vão embora juntos.
Esse
bebê é o único Metroid que não ataca ao avistar você e, além disso, é útil,
porque consegue destruir barreiras que a própria Samus não consegue. O jogo,
assim, tenta oferecer um final feliz, deixando claro que a raça Metroid não foi
exterminada e que a Samus não era sem coração a ponto de exterminar um bebê,
seja de qual raça for.
Porém,
em grande medida, esse final soa falso pelo simples motivo de que, como eu
disse, a missão original em si era questionável. E mais: cria uma moral da
história de que coisas que o ser humano não consegue tornar útil ou
domesticável devem ser exterminadas, mesmo que o risco que elas possam
apresentar não seja imediato.
E,
com todas essas implicações, um jogo tão excelentemente estruturado e realizado
acaba sendo veículo de um discurso que sustenta diversos acontecimentos
terríveis da nossa civilização. Afinal, quantos ataques preventivos,
justificados por um vago risco, foram feitos para exercer violência contra
grupos e povos que estavam apenas vivendo no seu território? Quantos exemplares
da nossa fauna e flora foram, são e serão exterminados apenas porque não foram
considerados úteis, ou são sacrificados pela sobrevivência e expansão de
animais e plantas considerados mais úteis ou lucrativos?
Tudo
isso é muito curioso, porque obviamente muito pouco disso passou pela cabeça de
quem criou a premissa de Metroid II.
Certamente se pensou que toda e qualquer dissonância em relação à proposta de
exterminar os Metroids teria acabado com o fato de o bebê ser poupado. Porém, a
premissa básica do jogo domina 98% da experiência e o final apenas oferece uma
salvação pouco convincente.
O
fato de a nossa indústria girar em torno da ideia de violência faz com que as
pessoas responsáveis por desenvolver as premissas dos jogos necessitem entender
com cuidado os pressupostos daquilo que estão criando. É claro que nem todo
jogador vai perceber uma mensagem questionável, e certamente em 1991 isso era
muito mais improvável. Porém, hoje a crítica e o público são diferentes e é
triste que um jogo tão rico quanto Metroid
II tenha que carregar o peso de ser um jogo sobre um extermínio tão pouco
justificável, se é que algum extermínio é justificável.
E
era isso que eu queria dizer sobre Metroid
II: return of Samus. Até a próxima análise!
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