segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Metroid II: return of Samus - Pensando sobre o jogo




Olá! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Metroid II: return of Samus, jogo desenvolvido pela Nintendo para o Gameboy original e lançado em 1991, cinco anos após o lançamento do primeiro Metroid para o NES.

Antes de a gente começar de fato, eu recomendo a quem se interessar ver o meu vídeo que discute o primeiro Metroid, porque existe uma série de elementos estruturais que Metroid II retoma de seu predecessor, embora adaptando sua proposta para uma plataforma portátil, resultando em alguns efeitos muito interessantes.

Mas, antes de entrar nisso, vamos falar da premissa do jogo. Metroid II se passa um pouco depois do primeiro jogo, em que Samus conseguiu destruir os piratas espaciais e os Metroids que haviam sido roubados e usados como arma. Porém, a federação galáctica ainda estava preocupada com a possibilidade de ainda haver mais espécimes de Metroids no planeta em que eles foram encontrados, chamado SR388, um nome que lembra muito o do planeta do filme Alien, chamado LV426.

E, de fato, diversas expedições enviadas ao planeta acabaram sumindo. Com isso, a federação decide contratar Samus mais uma vez, com a missão de erradicar toda a espécie Metroid. E, assim, a caçadora de recompensas chega a SR388 com um radar que exibe quantos Metroids ainda povoam o lugar e a sua missão é explorar o planeta de cabo a rabo até não sobrar mais nenhum Metroid vivo. No final do texto a gente volta a isso.

Na prática, Metroid II tem uma estrutura muito semelhante a seu predecessor: você começa na superfície do planeta e precisa ir cada vez mais fundo, explorando ao máximo e adquirindo habilidades novas e upgrades para abrir caminho e prosseguir na sua missão. Porém, por mais limitado que o NES fosse, ele ainda era uma máquina mais potente que o Gameboy e, portanto, as limitações eram mais severas no caso de Metroid II.

Porém, essas limitações parecem ter sido consideradas com muito cuidado pela equipe da Nintendo e, a cada passo para trás por conta de limitações de hardware, o jogo apresenta um passo à frente em outras características que ainda fazem o jogo funcionar excepcionalmente bem, a ponto de me fazer dizer que eu gosto mais de Metroid II do que do Metroid original.

A diferença mais imediatamente reconhecível quando a gente começa a jogar Metroid II é o espaço que a Samus e os inimigos ocupam na tela: eles ocupam uma porcentagem bem maior, o que influencia a sua capacidade de ver à frente e de reagir com antecedência. Todos os inimigos são detectados apenas quando você está a uma distância muito pequena deles e, provavelmente por limitações de memória, assim que eles saem da tela, eles param de te perseguir.

Independentemente dessa facilidade de congelar os inimigos assim que eles saem da tela, no momento em que eles entram novamente, é preciso atacar com rapidez e agilidade, visto que a margem de manobra é mínima. Isso faz de toda batalha em Metroid II algo tenso e sufocante, o que reforça o sentimento que marca a série, que é o de um espaço ameaçador que faz o jogador se sentir em desvantagem.

Esses momentos são especialmente significativos quando a gente encontra um Metroid. Eles raramente estão em sua forma original e, quanto mais o jogador se aprofunda no planeta, mais assustadoras são as evoluções dos Metroids. Eles perseguem o jogador e atacam violentamente, e só podem ser vencidos com mísseis, que existem em quantidade limitada. Se você ficar sem munição numa batalha contra um Metroid, sua única saída é fugir.

Isso deixa bem claro uma questão importante sobre o jogo: embora a premissa do jogo gire em torno de uma ordem de extermínio, raramente o ato de matar um Metroid é uma experiência fácil, o que deixa bem claro que a Samus raramente encarna o papel de caçadora nesse jogo. Ela vive sempre uma mistura de predadora e presa.

Assim, Metroid II já faz um trabalho excelente no tocante a tornar o combate uma ação opressiva e tensa, ao mesmo tempo em que eliminou algumas chatices do primeiro jogo, como o respawn muito frequente de inimigos. Usou-se a limitação da tela e da memória do Gameboy como base para criar algo especial, que eu às vezes gosto de pensar como uma simulação de explorar uma imensa caverna subterrânea, em que você só vai sentir o seu inimigo quando estiver bem perto e aí você está tão ao alcance do ataque dele quanto ele está ao alcance do seu.

Outra limitação tornada em força foi o level design. Diferentemente do primeiro jogo da série, Metroid II não conta com imensos cenários que fazem o jogador se sentir totalmente perdido se não estiver disposto a elaborar um mapa. Ele, na verdade, conta um túnel central, que conecta diversas subáreas que, embora menores que qualquer área no jogo original, apresentam bifurcações suficientes para não parecer algo simples e linear. E, como as dimensões de cada subárea são mais limitadas, é possível ao jogador distinguir com maior precisão cada trecho e lembrar o que foi ou não explorado.

Explorando toda uma subárea, o jogador provavelmente vai conseguir todos os upgrades e habilidades contidas lá, além de exterminar todos os Metroids que existem naquela localidade. Quando todos forem mortos, o cenário treme e um trecho novo a explorar se abre. Aliás, talvez este seja o único problema estrutural do jogo: em vez de criar impedimentos que só podem ser superados com novas habilidades coletadas, as subáreas de Metroid II são bloqueadas por rios de lava, que acabam por sumir depois que o jogador extermina todos os Metroids da área em que está.

Essa solução acaba sendo pouco natural dentro do jogo, porque não há uma ligação direta entre esses rios de lava e os Metroids, então fica bem claro que é apenas uma dinâmica artificial, e não algo que faça sentido narrativamente dentro do jogo. Eu entendo por que o jogo funciona assim, considerando que cada área é explorada de forma não linear e seria difícil desbloquear habilidades sem saber exatamente qual é o último Metroid exterminado, e seria muito frustrante ter que voltar a áreas muito distantes procurando por um Metroid esquecido. Porém, o resultado final acabou artificial.

Por fim, vale dizer que, para um jogo de Gameboy, Metroid II faz um excelente trabalho em criar áreas intrigantes e distintas, com cenários que simulam cavernas, trechos cheios de musgos ou vegetação subterrânea, e até elementos de uma civilização antiga que teria povoado o planeta. A música também participa muito bem nessa construção, sabendo alternar tons mais aventurosos com trechos mais tensos e alienígenas que são bastante adequados à experiência.

Assim, Metroid II cria uma estrutura que ainda sabe dar o devido valor à tensão e ao medo, que faz os cenários se tornarem assustadores, embora um pouco menos vastos, que faz os inimigos se tornarem ameaças reais, e que sabe misturar perfeitamente o sentimento de aventura e de tensão que faz desse jogo o melhor título de Gameboy que eu já joguei – pelo menos em termos de gameplay.

Mas, para a gente terminar, falta falarmos da história. Um debate muito interessante que existe em relação a Metroid II é dedicado à premissa do jogo: exterminar completamente uma espécie animal. Para quem se interessar sobre isso, o fim do vídeo do Mark Brown falando sobre os remakes do jogo fala dessa questão, e eu recomendo a todos.

Sumarizando muito o debate, Metroid II é um jogo decididamente dedicado a um extermínio: essa informação está dada já no manual, a progressão do jogo gira em torno de matar Metroids e em 100% do tempo do jogo você tem acesso a esse número decrescente de criaturas, até fatalmente chegar a zero. E esse zero é o seu objetivo.

Vale dizer, como ficou claro no meu argumento até agora, que o jogo não retrata a Samus como uma caçadora poderosa invadindo um ecossistema tranquilo para exterminar uma criatura que, no geral, está vivendo a sua vida tranquilamente. Metroid II está muito distante de um Shadow of the Colossus, por exemplo. Os Metroids são ameaças reais à Samus, todos te atacam e perseguem assim que veem você, algo que nenhum outro inimigo faz no jogo. Nenhum tenta fugir ou parece estar protegendo algo.

Porém, existe algo a dizer sobre o fato de que os Metroids estão todos isolados num planeta – na parte subterrânea do planeta, aliás. Assim, a gente teria que se perguntar que nível de ameaça eles realmente representam. Afinal, a única vez em que eles foram usados como arma, lá no primeiro Metroid, foi porque piratas roubaram um espécime que tinha sido coletado do planeta. Em nenhum momento os Metroids, por si sós, se apresentaram como um risco.

Além do mais, como eles ficam isolados em cavernas, eles não parecem estar em conflito com os outros animais que habitam SR388, formando uma espécie de ecossistema funcional. Assim, cabe sim perguntar o quão ética é a missão da Samus nesse jogo e o quanto o jogo parece alheio a esse fato.

Eu acredito que a marca clara de que o jogo tinha alguma noção das questões subentendidas na sua proposta está no final: após exterminar o último Metroid do planeta, Samus segue uma rota para escapar e encontra um ovo de Metroid, que choca e o bebê acaba achando que a protagonista é a sua mãe. Por isso, ele ajuda Samus a escapar do planeta e ambos vão embora juntos.

Esse bebê é o único Metroid que não ataca ao avistar você e, além disso, é útil, porque consegue destruir barreiras que a própria Samus não consegue. O jogo, assim, tenta oferecer um final feliz, deixando claro que a raça Metroid não foi exterminada e que a Samus não era sem coração a ponto de exterminar um bebê, seja de qual raça for.

Porém, em grande medida, esse final soa falso pelo simples motivo de que, como eu disse, a missão original em si era questionável. E mais: cria uma moral da história de que coisas que o ser humano não consegue tornar útil ou domesticável devem ser exterminadas, mesmo que o risco que elas possam apresentar não seja imediato.

E, com todas essas implicações, um jogo tão excelentemente estruturado e realizado acaba sendo veículo de um discurso que sustenta diversos acontecimentos terríveis da nossa civilização. Afinal, quantos ataques preventivos, justificados por um vago risco, foram feitos para exercer violência contra grupos e povos que estavam apenas vivendo no seu território? Quantos exemplares da nossa fauna e flora foram, são e serão exterminados apenas porque não foram considerados úteis, ou são sacrificados pela sobrevivência e expansão de animais e plantas considerados mais úteis ou lucrativos?

Tudo isso é muito curioso, porque obviamente muito pouco disso passou pela cabeça de quem criou a premissa de Metroid II. Certamente se pensou que toda e qualquer dissonância em relação à proposta de exterminar os Metroids teria acabado com o fato de o bebê ser poupado. Porém, a premissa básica do jogo domina 98% da experiência e o final apenas oferece uma salvação pouco convincente.

O fato de a nossa indústria girar em torno da ideia de violência faz com que as pessoas responsáveis por desenvolver as premissas dos jogos necessitem entender com cuidado os pressupostos daquilo que estão criando. É claro que nem todo jogador vai perceber uma mensagem questionável, e certamente em 1991 isso era muito mais improvável. Porém, hoje a crítica e o público são diferentes e é triste que um jogo tão rico quanto Metroid II tenha que carregar o peso de ser um jogo sobre um extermínio tão pouco justificável, se é que algum extermínio é justificável.

E era isso que eu queria dizer sobre Metroid II: return of Samus. Até a próxima análise!

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