sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Monster rancher 2 - Pensando sobre o jogo



Olá! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Monster Rancher 2, jogo desenvolvido pela Tecmo e lançado para PS1 em 1999. Ele é um jogo muito querido da minha infância, e que, embora bastante obscuro, tem algumas coisas interessantes a ensinar ainda hoje.

Monster Rancher é uma franquia que eu acredito ser mais famosa por conta da animação de mesmo nome, também produzida na virada dos anos 90 para os 2000, e que está condenada a viver à sombra de Pokemon ou mesmo de outro fenômeno cultural um pouco menos desenvolvido tecnologicamente, os tamagochis, aqui conhecidos como “bichinhos virtuais”.

Como essas duas grandes franquias, Monster Rancher 2 é um jogo dedicado a criar e/ou domesticar monstros, porém ele funciona como uma espécie de mistura de bichinhos virtuais e Pokemon, integrando o dia a dia da criação de um monstro, que descende dos tamagochis, e o foco em batalhas, que vem de Pokemon.

O grande diferencial de marketing de Monster Rancher, para quem não sabe, era o fato de que o meio mais popular de obter uma raça nova de monstros não se dava pelo mundo do jogo, e sim por uma curiosa integração com o mundo real: no mundo de Monster Rancher, monstros são criaturas armazenadas em discos de pedra e cabe ao protagonista do jogo liberá-las num altar, num ritual em que o disco gira freneticamente até o monstro surgir.

Essa descrição mimetiza em tudo uma das grandes marcas dessa era de consoles, que era a ampla adesão do CD. E, na verdade, tudo isso é uma contextualização para o procedimento real para desbloquear monstros virtuais: o jogador tinha que retirar o CD de Monster Rancher 2 do seu console e colocar outro qualquer e, com isso, um monstro totalmente novo aparecia. Isso funcionava com outros jogos de PS1, e também com CDs de música.

O objetivo é, claro, criar um ar de mistério e empolgação com esse processo de obter um monstro novo e incentivar a troca de CDs e a visita de amigos para presenciar o desbloqueio desses novos monstros. Era uma experiência social muito interessante e que permitia que toda e qualquer pessoa com um CD pudesse contribuir com o processo, o que tornava tudo muito democrático e divertido.

Para além do seu apelo social, eu acredito que a coisa mais interessante nessa mecânica é o seu fator de aleatoriedade: você nunca sabia o que ia encontrar ao colocar um CD novo e, bem ou mal, você estava mais ou menos limitado aos monstros que os seus CDs permitiam desbloquear, já que nem todo monstro poderia ser desbloqueado jogando. Essa aleatoriedade é o primeiro indicador de como será a experiência de Monster Rancher 2: um balanceamento constante entre elementos fora do controle do jogador e o seu desejo de fazer as coisas se adequarem.

No jogo, você controla um jovem treinador que acaba de começar no ofício. Para se dar bem, você recebe a ajuda de uma auxiliar, Colt, e o seu objetivo final é treinar um monstro que seja capaz de competir e vencer os quatro maiores campeonatos de luta daquele mundo.

Qualquer fã de Pokemon que ouviu essa descrição já deve estar pensando que isso é muito parecido com a sua série favorita, mas, na prática, as coisas são muito diferentes. Pokemon foca em três elementos: uma jornada épica pelo continente, a captura do máximo de pokemons possíveis e a construção de um time balanceado para vencer as competições. Monster Rancher 2 não conta com nenhum desses elementos, ou apresenta apenas uma versão muito diferente de alguns deles.

Para começar, não há jornada épica. Praticamente 100% do seu tempo enquanto treinador vai se passar dentro do seu rancho, em que você cuida do seu monstro em muitos detalhes: você escolhe que ração ele vai comer, quando ele vai treinar, que tipo de treinamento vai fazer, quando vai descansar, quando vai participar de competições, etc. A cada semana do mês, você pode escolher as atividades do seu monstro e depois você confere os resultados.

Note que eu estou falando sempre de monstro no singular, e isso é porque você só pode cuidar de um monstro por vez. Você pode congelar seu monstro atual e começar a treinar outro, ou mesmo realizar fusões entre monstros para criar um monstro diferente, mas a estrutura fundamental do jogo requer atenção a um monstro por vez. E, com isso, não existe ideia de time balanceado, e alguém até poderia dizer que não existe sequer ideia de monstro balanceado. E isso porque Monster Rancher 2 é um jogo de constantes escolhas, frustrações e sacrifícios.

Seu monstro tem um tempo de vida limitado, como qualquer animal real, e seu treinamento determina muito a duração dessa vida. De qualquer forma, é muito provável que seu monstro nunca vá conseguir ser bom em tudo, porque realmente não há tempo suficiente na vida dele para ele ser o monstro ideal, por mais que ele se esforce e treine. E, na verdade, se você perseguir isso, provavelmente só vai conseguir fazer com que ele morra antes da hora, com ainda menos atributos do que ele poderia obter.

E, se a limitação dos CDs era a primeira limitação que Monster Rancher colocava no jogador, o tempo de vida e as limitações físicas do monstro são a segunda limitação e deixam o jogador sempre um pouco preocupado com essa criatura que ele quer fazer progredir, mas com a qual ele não pode ser rígido demais.

O jeito óbvio de o monstro progredir é, claro, com os treinos. Esses são os momentos de que eu me lembro mais quando paro para pensar em Monster Rancher 2, por causa da agonia sem fim que eles me causam: como treinador, a única coisa que você pode fazer é escolher o tipo de treinamento que você quer que seu monstro faça. Cada um deles trabalha algum atributo, com alguns trabalhando mais de um, em troca de reduzir outro e deixar o monstro mais cansado.

Uma vez escolhido o treinamento, o serviço pesado fica a cargo do monstro, que pode realizar o treinamento, trapacear para completá-lo de um jeito mais fácil, ganhando menos atributos, ou simplesmente falhar. E, até onde me consta, há fatores que aumentam suas chances de sucesso, mas sempre há uma porcentagem de chance de seu monstro falhar ou trapacear. Ou seja, você não tem controle total sobre o processo de treinar seu monstro, e é preciso lidar com esse caráter imprevisível da experiência. As falhas do seu monstro são, portanto, a terceira limitação que o jogo impõe ao jogador.

Se você conseguir superar todos esses empecilhos de forma satisfatória, ainda resta uma parte: os combates. As batalhas de Monster Rancher 2 são exercícios de tensão muito divertidos. Você coloca seu monstro para batalhar com outros e a única coisa que você pode fazer com certeza é controlar a movimentação do seu monstro pela arena. Sendo uma arena em 2D, isso significa que você pode determinar com segurança se seu monstro está mais perto ou longe do adversário.

Isso é importante porque a distância determina quais ataques podem ser usados. Há quatro níveis de distância e o jogador pode escolher em tempo real que ataque sugerir ao monstro, conforme a distância. Note que eu acabei de usar o verbo “sugerir”; isso porque existe uma chance de seu monstro não te obedecer, o que é determinado por quão leal ele é a você, algo que demora um certo tempo até você conseguir. Até lá, você precisa cruzar os dedos toda vez que indica um ataque.

Além disso, as batalhas ainda deixam bem claras as porcentagens de acerto de cada ataque, sendo necessário administrar um elemento chamado guts, que vai crescendo ao longo da luta e que é, digamos, o combustível de cada ataque. Porém, quanto maior for seu guts, maiores são as chances de acertar. Com isso, o jogador precisa controlar a distância, gerir guts e torcer para seu monstro ou o adversário não fazerem nada prejudicial nesse meio tempo. Ah, e, caso você não se saia bem na batalha e acabe levando seu monstro a nocaute, existe uma chance significativa de ele morrer, ou ficar em recuperação no hospital por semanas.

Todos esses elementos tensos e aleatórios das batalhas acabam representando o quarto impedimento ao controle do jogador: existem ações do jogador que certamente podem influenciar o resultado, porém elas muitas vezes soam como atitudes para gerenciar o caos típico desse combate, em que o controle é mais ou menos uma ilusão.

Por todos esses motivos, Monster Rancher 2 é quase um pesadelo em comparação com a experiência que muitas vezes a gente vê considerada como a ideal na nossa indústria. Eu tento acompanhar muitas reflexões sobre jogos, e é impressionante a quantidade de vezes em que eu ouço os termos “opções”, “não linearidade”, “controle”, “previsibilidade”, e “liberdade” como sendo sinônimos do que faz um jogo bom e interessante.

Monster Rancher 2 é um jogo em que o controle é precário: você não pode escolher seu monstro livremente; você não pode treiná-lo o quanto quiser; você não pode ajudá-lo no treino em si; e você não pode fazer ele te obedecer o tempo todo. Por conta disso, você faz o melhor que pode nas condições que se apresentam. E, com isso, ele provavelmente figura, junto com The last guardian, como uma representação interessante e significativa do que é lidar com uma criatura diferente de você, com alguém que, apesar de todo seu esforço, nem sempre é ou age da forma que você quer.

A quantidade de controle que é retirada do jogador serve o importante propósito de tornar a experiência toda imperfeita, não adequada aos desejos do jogador, como é da natureza das relações com o outro, seja ele um animal, uma pessoa ou o próprio mundo. Com um olhar algo cético, eu diria que essas estruturas foram criadas apenas como formas simples de tornar a experiência difícil e longa; sem elas, Monster Rancher 2 seria um jogo algo tedioso, porque, sem o componente aleatório, a rotina seria repetitiva e as batalhas seriam simples demais.

Após vivenciar o jogo, entretanto, eu acredito que os desenvolvedores conseguiram algo mais: construíram um dos grandes casos de ludoironia da sua era, uma experiência que, embora pareça tão simples e direta, é, na verdade, um exercício de lidar com condições sempre tensas e instáveis, em que problemas ocorrerão, mas com os quais você se acostuma e que fazem você respeitar e gostar do seu monstro um pouco como uma criatura viva. A falta de controle sobre o outro é o que dá identidade ao outro, nos coloca em xeque e nos ensina respeito.

Era isso que eu queria dizer sobre Monster Rancher 2. Até a próxima análise!

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