segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Grand Theft Auto: San Andreas - Pensando sobre o jogo




Olá! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Grand Theft Auto: San Andreas, jogo desenvolvido pela Rockstar North e lançado em 2004 para PS2, em 2005 para Xbox e depois, ao longo dos anos, para diversas plataformas mais modernas. San Andreas é provavelmente o jogo que vem à cabeça das pessoas quando a gente pensa em GTA, e isso porque ele, além de evoluir muitos dos princípios já presentes em seus predecessores, também serviu de referência para o que significa um jogo de mundo aberto. Mas, vamos com calma, detalhe por detalhe.

Em grande medida, como eu disse, San Andreas é a evolução de GTA 3 e Vice City. Para lembrar mais detalhes sobre esses jogos, eu recomendo que você veja meus vídeos sobre eles, em que eu destaco o salto de liberdade que GTA 3 proporcionou, e também os passos que Vice City tomou para ir mais longe nesse sentido.

San Andreas é um avanço chocante quando a gente pensa que só dois anos se passaram entre o seu lançamento e o de Vice City. Por um lado, a moldura do jogo ainda é semelhante: nele você controla um jovem criminoso, chamado Carl Johnson, ou CJ, na busca por crescer na vida e proteger aqueles com quem se importa. A estrutura das missões principais continua a mesma: geralmente envolve roubar um veículo e se mover pelo cenário, visando buscar ou levar alguém, ou então matar alguém, ou roubar algo. O mesmo vale para o passo a passo de cada uma dessas missões: elas costumam ter arcos bem parecidos com aquilo que já era praticado na série desde 2001.

Porém, tudo em volta dessas missões foi absurdamente expandido, pelo menos num sentido que eu vou chamar de horizontal. Há uma infinidade de missões laterais pelo jogo, para além das de policial, taxista, etc. Agora você pode furtar casas, fazer entregas com caminhões, apostar corridas, trabalhar como vallet ou numa mina, e muitas, muitas outras coisas.

A customização que eu citei em Vice City explodiu, com inúmeras opções de roupas, vindas de várias lojas, incluindo, além de peças tradicionais, acessórios diversos; é possível fazer tatuagens, e adotar penteados e barbas de diversos modelos. Também foi acrescentada toda uma mecânica em relação ao corpo do CJ, com o jogador podendo deixá-lo acima do peso se comer muito e se exercitar pouco, ou mesmo o outro extremo, com ele todo musculoso, e tudo mais que se encaixa entre esses dois extremos.

O jogador também pode ter relacionamentos amorosos com personagens que têm diversos gostos e interesses, o que cria diferentes situações a que o jogador precisa se adaptar. É também nesses momentos que aparece uma das raras demonstrações de sexo em jogos de console dessa época, e que muito chocou pais e políticos, especialmente quando se inventou um mod que permitia acessar um minigame que exibia uma tosca cena de sexo.

Toda uma estrutura de RPG foi implementada no jogo, com tudo que você faz impactando no desempenho do seu personagem: atirar com uma mesma arma melhora sua mira e seu dano; correr aumenta sua resistência para percorrer maiores velocidades; andar muito de moto diminui sua chance de ser lançado longe toda vez que você bate, etc.

Os veículos foram expandidos, contando com inúmeros tipos de aviões, helicópteros, carros, motos, caminhonetes, barcos, etc. E, claro, o mapa em que eles estão, além de enorme, dá a impressão de ser um imenso território, com tanta diversidade que uma viagem pelas estradas do interior não lembra em nada um passeio pelas lotadas ruas das cidades.

Tudo isso faz de San Andreas uma expansão imensa dos conceitos de seus antecessores. A ideia de oferecer muita liberdade ao jogador, de permitir diversos tipos de missões a cada momento, de criar caos e viver situações únicas está implementada como nunca antes. Porém, como eu disse há pouco, muitas dessas coisas aparecem como um crescimento horizontal, com pouca verticalidade. O que eu quero dizer com isso é que esse amontado de coisas que San Andreas apresenta, muitas vezes, é só algo simples para desviar a atenção do jogador por alguns instantes, porém sem muito interesse em si.

Eu acredito que o melhor exemplo é o da academia, que basicamente envolve apertar botões o mais rápido possível para conseguir chegar à forma esperada, e pronto. Questões como alimentação, o sistema de RPG e outras coisas não necessariamente mudam a forma como você interage com o jogo em si em termos de mecânicas, o que seria algo que talvez você esperasse que eu criticasse, já que é uma fala clássica da nossa crítica de jogos.

Porém, o que eu vou dizer é que esse paradigma horizontal implementado em San Andreas faz você interagir com o jogo de forma diferente, mas não em termos estritamente mecânicos, e sim em termos de imersão e da sua relação com o mundo do jogo. O amontoado insano de coisas que San Andreas oferece leva o jogador a querer habitar aquele mundo, testar coisas novas e, com isso, o jogo não se torna maçante, mesmo que aquilo que ele oferece não seja radicalmente diferente dos GTAs anteriores.

E eu acredito que esta acabou sendo a receita dos jogos de mundo aberto de 2004 em diante: o jogo até pode oferecer variedade e complexidade em termos de mecânicas, ou seja, uma verticalidade, mas faz parte de sua estrutura a ideia de que o jogador tem que ser bombardeado por um mundo rico horizontalmente, com atividades diversificadas, que permitem ao jogador mudar seu foco constantemente, o que, em muitos casos, faz com que ele suspenda sua crítica sobre cada um dos minigames em detalhe.

Afinal, se você cansou de uma missão de taxi, pegue uma moto e viaje pelo interior; se você se interessar quando passar pela garagem, pegue um caminhão e faça uma entrega; ou então vá até a região dos cassinos, pegue um carro super-rápido e veja até onde você consegue dirigir sem ser atingido, ou então aproveite e paquere aquela moça que gosta de carros chiques.

A variedade esconde a simplicidade das missões, o que pode parecer uma forma de o jogo enganar o jogador interessado em algo complexo, mas é também uma forma de atrair um jogador que não se considera apto a se envolver em profundidade com um certo tipo de gameplay: eu, por exemplo, sou uma completa negação em jogos de corrida, porém a jogabilidade simples e arcade de GTA sempre fez com que eu me sentisse em casa. Talvez stealth não seja a sua praia, mas as missões de furto são simples o suficiente para você se entreter sem sentir que precisa se engajar com mecânicas que são desagradáveis a você.

É claro que o debate agora seria qual o mérito dessa simplificação extrema que San Andreas pratica e o que isso significa para os jogos de mundo aberto. E aí, claro, a minha resposta é que cada jogo apela a um determinado público, e o público tradicional de um GTA é mais relaxado, gosta de alguns minutos fazendo uma missão aqui ou ali, ou então implementando caos só por um entretenimento mais simples, e não é à toa que essa série vende tanto e se mantém relevante por tanto tempo.

E, também, é difícil argumentar que San Andreas é um jogo simplificador porque, como eu disse, ele não simplificou algo que era natural à série. Pelo contrário, ele expandiu o que era típico da série, porém de uma forma horizontal. No geral, GTAs são jogos em que a barreira de entrada é baixa, com exceção de uma missão maluca aqui e ali.

E o fato que me fez ver o quanto a força da série é a sua diversidade foi a preparação para a missão final do jogo, em que o jogador precisa se engajar em muitas disputas de gangue em diversas partes da cidade e, depois de um tempo, é preciso defender os mesmos territórios que você acabou de conquistar, o que, em última instância, acaba tomando algumas horas de gameplay que o jogo incentiva que você realize de uma só vez e com foco total. E o resultado é que o jogador acaba se cansando e vendo as limitações do jogo. Felizmente este é o único momento em que essa sensação do jogador é inescapável.

Em resumo, a estrutura de San Andreas é inteiramente baseada na sua horizontalidade, em oferecer mil coisas num mapa imenso, o que é divertido e não cansa, contanto que o próprio jogador saiba quando é hora de diversificar. São todas missões simples, que fazem o jogador se sentir em casa e que combinam com o mundo que San Andreas procura criar.

E, dizendo isso, vamos passar a esse mundo. San Andreas se passa nos anos 90, num território baseado em várias cidades americanas. CJ é um jovem negro vindo de um pequeno gueto que era chefiado pela gangue de que fazia parte, mas também havia resistência de gangues rivais. Após a morte de seu irmão, ele foge para Liberty City, a cidade onde se passa GTA 3, mas resolve retornar após a morte de sua mãe. Logo que chega, ele é vítima de uma chantagem exercida por policiais corruptos, e precisa lidar com isso, ao mesmo tempo em que ajuda a solucionar os problemas e mágoas de seus familiares e amigos.

O tom da história de San Andreas é, para mim, o mais interessante dos jogos da série até então. Como eu falei nos meus vídeos, há uma diferença de tom significativa entre GTA 3 e Vice City, com a história de Claude sendo mais pessoal e tendendo ao sério, enquanto a de Tommy é mais escrachada, extrema e paródica. O arco de CJ em San Andreas parece fazer o possível para incorporar essas diferenças e criar um todo coeso, que una os diversos interesses que povoavam o estúdio da Rockstar.

O começo e o fim da história do CJ são muito pessoais e lidam com temas muito sérios considerando a simplicidade tanto do gameplay quanto do humor que domina o meio do jogo, o que, por si só, já é um meio de significação muito interessante.

Como eu disse, CJ faz parte da gangue de Grove Street, e o começo do jogo mostra muitas das pequenas questões que abalam o dia a dia num ambiente pobre e dominado por milícias, policiais corruptos e gangues: o choque em ver seus amigos sendo dominados por drogas, as vizinhanças onde você brincava virando becos perigosos, seus familiares são assassinados sem um motivo claro.

Essa situação toda mostra dois sentimentos que vão pautar a trajetória de CJ: o desejo de sumir daquela vizinhança, que já há muito deixou de ser aquilo de que ele gostava, e a responsabilidade de lutar por melhoras reais para um espaço que é seu e que, portanto, é seu dever e interesse proteger. Esse segundo sentimento é representado pelo irmão mais velho de CJ, Sweet, que possui laços inquebráveis com o gueto e só é possível se desapegar daquele espaço no momento em que Sweet some por um tempo da vida do irmão.

Depois que CJ deixa esse passado para trás, ele forma novos amigos e aliados, o que resulta em efetivamente ser capaz de subir na vida. Nesse momento, as histórias do jogo se tornam mais malucas, cheias de aventuras e de interações curiosas. É o momento do jogo em que o jogador pode rir com as maluquices do hippie Truth e pode se sentir poderoso, derrotando diversas organizações criminosas, assaltando cassinos e levando um rapper de volta ao estrelato.

Por fim, Sweet retorna e o jogo se torna sério de novo. Quando CJ menciona tudo que fez e conquistou, Sweet apenas olha para ele com o olhar mais reprovador e pergunta: e pelo beco, o que você fez? E CJ não tem nenhuma resposta convincente. E esta é a hora de consertar o beco de novo, e isso significa se livrar das maçãs podres da vizinhança, cortar laços com antigos amigos e se livrar da estrutura política opressora, representada pelo oficial corrupto Frank Tenpenny, que durante todo o jogo é apenas uma força imparável à qual CJ tem que se habituar.

A trajetória de CJ, então, acaba sendo uma mistura dos dois elementos que já estavam presentes nas tramas dos jogos anteriores da série: o lado pessoal de GTA 3 se reflete na questão pessoal de CJ deixar de ser alguém que foge; o lado satírico de Vice City aparece nas missões malucas do meio do jogo, pautadas pela ambição e pelo riso.

Mas, também, surge fortemente uma questão social no arco da história de San Andreas: primeiro, nós temos o peso que as origens de CJ representam para ele, como indivíduo pobre. Se ele nunca fosse obrigado a sair da vizinhança, talvez nunca deixasse de ganhar, quando muito, mil dólares por missão, enquanto arrisca sua vida por questões tão pequenas, numa espiral de conflitos que em nenhum momento parece avançar e que termina com seu grupo sendo esmagado de forma extremamente fácil.

Em seguida, nós temos o potencial de enriquecimento e crescimento depois que deixamos nossa origem para trás, refletindo tantas histórias de pessoas que, para conseguir uma vida melhor, abandonam seus costumes, culturas, amigos e valores para construir algo. Mas, durante essa construção, algo se perde. A necessidade de pensar no presente e no futuro inevitavelmente destrói a relação de CJ com o passado.

Por fim, o jogo se encerra com um chamado à ação pelo passado, pelo compromisso social em criar uma sociedade melhor. CJ é o primeiro personagem dessa trilogia que não termina agindo por preservação pessoal ou impulso egoísta. Também é o primeiro cuja grande vitória é ter alcançado algum nível de paz em sua vizinhança, em vez de ser um grande chefe do crime ou finalmente matar a pessoa que tanto o perseguiu. O fim do jogo se passa dentro da pequena casinha onde começou, com CJ cercado pelos amigos que conquistou.

Em grande medida, com os jogos da série assumindo tons humorísticos e paródicos de que San Andreas não sai ileso, existe algo de sincero na história de CJ e que acaba sendo marcante para quem se envolve com o jogo. E, num jogo tão mecanicamente democrático como San Andreas, isso significa uma mensagem de mudança social concreta difundida a milhões de pessoas. Não é um pequeno feito e certamente merece o elogio.

Como CJ, muitos de nós também preferimos fugir dos nossos compromissos sociais, o sucesso em alguma área nos faz esquecer do que deixamos para trás, e há diversão e distrações espalhadas no mundo para a gente deixar tudo para lá. Porém, quando menos esperamos, Frank Tenpenny pode bater à nossa porta; e é bom estarmos prontos para ele.

E era isso que eu queria dizer sobre Grand Theft Auto: San Andreas. Até a próxima análise!

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