sábado, 23 de janeiro de 2016

A Bird Story - Pensando sobre o jogo


Olá! Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de A Bird Story, jogo lançado pela Freebird Games agora em novembro para PC. Ele é uma espécie de prelúdio à sequência do último jogo da Freebird, e que já apareceu aqui no canal, que é To the Moon.

Entretanto, como ele foi lançado separadamente, analisar A Bird Story é um exercício interessante para entender um pouco a estética da Freebird e os debates estéticos que estão na base de To the Moon, e que provavelmente também estarão na sequência do jogo, que se chamará Finding Paradise. Por conta disso, eu recomendo quem está assistindo a esse vídeo a ver, antes de continuar, o vídeo que eu fiz sobre To the Moon.

A Bird Story é uma narrativa bastante específica e interessante, com alguns elementos relativamente pouco usados no mundo dos jogos. O primeiro é a duração, que está na faixa de pouco mais de uma hora. Geralmente isso é encarado com certo descrédito pela comunidade, mas o preço do jogo se adequa à duração e claramente a ideia é criar uma experiência que seja intensa, e isso é possibilitado, em grande medida, pela duração pequena.

O segundo elemento de destaque usado em A Bird Story é a ausência de diálogos. Claro que isso já foi feito com muita perícia em jogos como Journey e Ico, e A Bird Story vem se juntar a essa lista e, como esses outros jogos, o objetivo desse silêncio é justamente fazer as ações mostradas falarem por si mesmas, sem a mediação das palavras, o que é uma estratégia capaz de momentos poderosos, com o silêncio sendo preenchido pelos sentimentos.

Em termos de transmitir essa narrativa muda, A Bird Story é bastante bem-sucedido, criando momentos impactantes e que mexem com o jogador. O jogo conta a história de um menino meio desligado dos estudos e com pouco contato social e que, num determinado momento, encontra um pássaro ferido e passa a cuidar dele.

Como é uma situação bastante comum, é fácil fazer o jogador entender os sentimentos do garoto, o tédio com as obrigações do dia a dia, a sensação de estar sozinho num espaço cheio de gente, a solidão de quando não se tem alguém especial presente. Apostar nesses sentimentos comuns na nossa sociedade é o maior acerto de A Bird Story, e é graças a ele que a narrativa consegue efetivamente alcançar uma carga emocional considerável.

A estética visual do jogo também é bastante bonita, retomando o visual simples e singelo de To the Moon, e adicionando alguns elementos que conferem uma beleza simplesmente por subverter padrões estabelecidos. Como a perspectiva do jogo vem dos olhos do menino, existe ainda a possibilidade de trabalhar com a imaginação e o lúdico, e isso permite uma série de situações que acabam sendo muito belas.

Como o sonho do garoto é voar, o jogo pode criar cenas com ele voando pelo mundo em cima de um avião de papel. Mas, esse caráter lúdico pode se refletir também em pequenas transições, como quando a porta da casa do menino já se conecta imediatamente com a mata, ou quando as árvores do bosque se abrem para destacar a atenção do garoto para algum elemento específico.

A trilha sonora também é capaz de dar suporte aos sentimentos despertados pelo visual, embora falte a ela algo realmente memorável, no nível do que aparece na trilha de To the Moon. É algo decepcionante ouvir músicas bastante parecidas com as do outro jogo, mas sem alcançar o mesmo brilhantismo.

Considerando tudo isso, A Bird Story é uma narrativa muito bem realizada e que, em seus curtos momentos, sabe selecionar cenas-chave para o desenvolvimento da história, de forma que tudo fique bem explicado e emocionante, mesmo sem palavras. E tudo isso é possível, como eu disse, graças ao uso de temas bastante comuns na nossa vida moderna.

Entretanto, apesar dos grandes acertos narrativos do jogo, ele parece fracassar num importante aspecto, que é usar de forma significativa o caráter interativo da experiência. A bem da verdade, são pouquíssimos os momentos de interação, e é muito difícil conseguir perceber o que exatamente aquela história perderia caso dispensasse definitivamente a interação.

Quem conhece as análises que eu faço aqui no canal, sabe que eu não desmereço jogos com pouca interação, contanto que essa pouca interação seja significativa e tenha uma coerência com a experiência relatada. Um jogo como Song of Saya, por exemplo, pode ter só dois momentos de interação durante toda a experiência e ainda assim envolver profundamente o jogador.

Mas, não é preciso chegar a extremos para entender um pouco mais a situação de A Bird Story. Na verdade, basta voltar um pouco a To the Moon e entender como as poucas interações naquele jogo se tornavam significativas, e aí nós conseguiremos ter uma ideia do que falta em A Bird Story.

Em To the Moon, as ações eram bem parecidas com A Bird Story, mas o contexto em que elas se inseriam era bem diferente. Em To the Moon, o jogador acompanha duas pessoas dedicadas a entender o passado de alguém, suas motivações, seu caráter, para então poder mudar o seu futuro. Com isso, em grande medida, o trabalho deles era de pura investigação, de descoberta. Ou seja, existe um caráter de narrativa de detetive em To the Moon.

E o gameplay, apesar de minimalista, sabia refletir exatamente esse caráter. O jogador está no mesmo lugar dos doutores, com o mesmo conhecimento, e com a mesma sede por conhecer mais, entender melhor a vida do paciente. É por isso que o esforço de encontrar pistas e objetos passa dos personagens para o jogador e, assim, as mecânicas fazem sentido. Elas deixam de ser um acessório para que os outros elementos criem a experiência e se tornam uma das formas mais importantes para criar o sentimento que o jogo busca transmitir.

Nesse sentido, essas mecânicas são coerentes com a proposta e a ajudam da melhor forma possível, com exceção dos momentos em que mudam e acabam distraindo o jogador. Na maioria do tempo, entretanto, elas estão lá como um elemento primordial de To the Moon, e o jogo não seria o mesmo se elas fossem diferentes, ou o jogador assume um outro papel que não o de detetive.

A Bird Story, em contrapartida, não tem o papel de detetive, que muito provavelmente será inserido na sequência, mas ainda não está presente aqui. Por isso, existe muito pouca motivação para continuar, para simplesmente se engajar na narrativa do jogo, até porque a situação principal da história demora um pouco a se montar, e o início é marcado, principalmente, por cenas que não procuram estabelecer uma conexão mais forte com o jogador.

A Bird Story sabe mexer com os sentimentos do jogador, mas sua habilidade nesse sentido só se estabelece com força no momento em que o menino encontra o pássaro, e isso demora um pouco. É só no momento de encontrá-lo que a narrativa ganha emoção e aí o que já tinha sido mostrado ganha significação especial. O que havia se passado antes não era excepcionalmente importante por si só, mas passa a ter importância graças ao contraponto representado pela presença do pássaro na vida do menino.

Por conta disso, A Bird Story conta com a boa vontade do jogador por um bom tempo, para que ele espere até o momento em que a experiência encontrará seu ponto forte e se desenrolará de fato. Se você contrastar essa situação com To the Moon, fica claro o que foi perdido: em To the Moon, mesmo sem saber de nada, a dinâmica de colocar os eventos de trás para frente deixa o jogador curioso para entender os desenvolvimentos da vida do personagem. Essa curiosidade liga o jogador à mecânica.

A Bird Story deixa o jogador solto, em grande medida contando que ele não vá desistir até chegar ao momento em que a narrativa de fato se arma. Isso acaba sendo uma espécie de descaso com o caráter interativo do jogo, quase como se ele fosse um acessório, algo com que não se deve preocupar o tempo todo, e essa é a grande fraqueza de A Bird Story.

Essa discussão é bastante rica e vem a calhar quando a gente analisa os jogos da Freebird, porque, tendo um foco na história e um gameplay minimalista, eles carregam consigo o risco de ser um fracasso ou forçar demais o limite do que nós consideramos ser um jogo. Em To the Moon, esse risco é superado com elegância, com todos os elementos perfeitamente amarrados para criar uma determinada experiência.

Em A Bird Story, parece não haver a mesma preocupação em criar uma experiência total e coerente. Pode ser assim porque To the Moon recebeu diversos elogios pela história, e isso levou à confiança de que a história se sustentaria por si. Mas, o fato é que a forma de contar histórias num jogo é poderosa porque ela leva em consideração as possibilidades de interagir e fazem dessas possibilidades algo significativo, como são também o visual, a trilha sonora e o enredo.

A Bird Story é uma narrativa poderosa e que pode ser o prelúdio para um excelente jogo, que faça a Freebird retomar a excelência de To the Moon. Entretanto, como está, A Bird Story serve como uma lembrança que não deve ser esquecida pela equipe de desenvolvedores: a interação é uma forma de significação e que contribui muito para a experiência.

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