Olá!
Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de A Bird Story, jogo lançado pela Freebird
Games agora em novembro para PC. Ele é uma espécie de prelúdio à sequência do
último jogo da Freebird, e que já apareceu aqui no canal, que é To the Moon.
Entretanto, como ele
foi lançado separadamente, analisar A
Bird Story é um exercício interessante para entender um pouco a estética da
Freebird e os debates estéticos que estão na base de To the Moon, e que provavelmente também estarão na sequência do
jogo, que se chamará Finding Paradise.
Por conta disso, eu recomendo quem está assistindo a esse vídeo a ver, antes de
continuar, o vídeo que eu fiz sobre To
the Moon.
A
Bird Story é uma narrativa bastante específica e interessante,
com alguns elementos relativamente pouco usados no mundo dos jogos. O primeiro
é a duração, que está na faixa de pouco mais de uma hora. Geralmente isso é
encarado com certo descrédito pela comunidade, mas o preço do jogo se adequa à
duração e claramente a ideia é criar uma experiência que seja intensa, e isso é
possibilitado, em grande medida, pela duração pequena.
O segundo elemento de
destaque usado em A Bird Story é a
ausência de diálogos. Claro que isso já foi feito com muita perícia em jogos
como Journey e Ico, e A Bird Story vem
se juntar a essa lista e, como esses outros jogos, o objetivo desse silêncio é
justamente fazer as ações mostradas falarem por si mesmas, sem a mediação das
palavras, o que é uma estratégia capaz de momentos poderosos, com o silêncio
sendo preenchido pelos sentimentos.
Em termos de transmitir
essa narrativa muda, A Bird Story é
bastante bem-sucedido, criando momentos impactantes e que mexem com o jogador.
O jogo conta a história de um menino meio desligado dos estudos e com pouco
contato social e que, num determinado momento, encontra um pássaro ferido e
passa a cuidar dele.
Como é uma situação
bastante comum, é fácil fazer o jogador entender os sentimentos do garoto, o
tédio com as obrigações do dia a dia, a sensação de estar sozinho num espaço
cheio de gente, a solidão de quando não se tem alguém especial presente.
Apostar nesses sentimentos comuns na nossa sociedade é o maior acerto de A Bird Story, e é graças a ele que a
narrativa consegue efetivamente alcançar uma carga emocional considerável.
A estética visual do
jogo também é bastante bonita, retomando o visual simples e singelo de To the Moon, e adicionando alguns
elementos que conferem uma beleza simplesmente por subverter padrões
estabelecidos. Como a perspectiva do jogo vem dos olhos do menino, existe ainda
a possibilidade de trabalhar com a imaginação e o lúdico, e isso permite uma
série de situações que acabam sendo muito belas.
Como o sonho do garoto
é voar, o jogo pode criar cenas com ele voando pelo mundo em cima de um avião de
papel. Mas, esse caráter lúdico pode se refletir também em pequenas transições,
como quando a porta da casa do menino já se conecta imediatamente com a mata,
ou quando as árvores do bosque se abrem para destacar a atenção do garoto para
algum elemento específico.
A trilha sonora também
é capaz de dar suporte aos sentimentos despertados pelo visual, embora falte a
ela algo realmente memorável, no nível do que aparece na trilha de To the Moon. É algo decepcionante ouvir
músicas bastante parecidas com as do outro jogo, mas sem alcançar o mesmo
brilhantismo.
Considerando tudo isso,
A Bird Story é uma narrativa muito
bem realizada e que, em seus curtos momentos, sabe selecionar cenas-chave para
o desenvolvimento da história, de forma que tudo fique bem explicado e
emocionante, mesmo sem palavras. E tudo isso é possível, como eu disse, graças
ao uso de temas bastante comuns na nossa vida moderna.
Entretanto, apesar dos
grandes acertos narrativos do jogo, ele parece fracassar num importante
aspecto, que é usar de forma significativa o caráter interativo da experiência.
A bem da verdade, são pouquíssimos os momentos de interação, e é muito difícil
conseguir perceber o que exatamente aquela história perderia caso dispensasse
definitivamente a interação.
Quem conhece as
análises que eu faço aqui no canal, sabe que eu não desmereço jogos com pouca
interação, contanto que essa pouca interação seja significativa e tenha uma
coerência com a experiência relatada. Um jogo como Song of Saya, por exemplo, pode ter só dois momentos de interação
durante toda a experiência e ainda assim envolver profundamente o jogador.
Mas, não é preciso
chegar a extremos para entender um pouco mais a situação de A Bird Story. Na verdade, basta voltar
um pouco a To the Moon e entender
como as poucas interações naquele jogo se tornavam significativas, e aí nós
conseguiremos ter uma ideia do que falta em A
Bird Story.
Em To the Moon, as ações eram bem parecidas com A Bird Story, mas o contexto em que elas se inseriam era bem
diferente. Em To the Moon, o jogador
acompanha duas pessoas dedicadas a entender o passado de alguém, suas
motivações, seu caráter, para então poder mudar o seu futuro. Com isso, em
grande medida, o trabalho deles era de pura investigação, de descoberta. Ou
seja, existe um caráter de narrativa de detetive em To the Moon.
E o gameplay, apesar de minimalista, sabia
refletir exatamente esse caráter. O jogador está no mesmo lugar dos doutores,
com o mesmo conhecimento, e com a mesma sede por conhecer mais, entender melhor
a vida do paciente. É por isso que o esforço de encontrar pistas e objetos
passa dos personagens para o jogador e, assim, as mecânicas fazem sentido. Elas
deixam de ser um acessório para que os outros elementos criem a experiência e
se tornam uma das formas mais importantes para criar o sentimento que o jogo
busca transmitir.
Nesse sentido, essas
mecânicas são coerentes com a proposta e a ajudam da melhor forma possível, com
exceção dos momentos em que mudam e acabam distraindo o jogador. Na maioria do
tempo, entretanto, elas estão lá como um elemento primordial de To the Moon, e o jogo não seria o mesmo
se elas fossem diferentes, ou o jogador assume um outro papel que não o de
detetive.
A
Bird Story, em contrapartida, não tem o papel de detetive, que
muito provavelmente será inserido na sequência, mas ainda não está presente
aqui. Por isso, existe muito pouca motivação para continuar, para simplesmente
se engajar na narrativa do jogo, até porque a situação principal da história
demora um pouco a se montar, e o início é marcado, principalmente, por cenas
que não procuram estabelecer uma conexão mais forte com o jogador.
A
Bird Story sabe mexer com os sentimentos do jogador, mas sua
habilidade nesse sentido só se estabelece com força no momento em que o menino
encontra o pássaro, e isso demora um pouco. É só no momento de encontrá-lo que
a narrativa ganha emoção e aí o que já tinha sido mostrado ganha significação
especial. O que havia se passado antes não era excepcionalmente importante por
si só, mas passa a ter importância graças ao contraponto representado pela
presença do pássaro na vida do menino.
Por conta disso, A Bird Story conta com a boa vontade do
jogador por um bom tempo, para que ele espere até o momento em que a
experiência encontrará seu ponto forte e se desenrolará de fato. Se você
contrastar essa situação com To the Moon,
fica claro o que foi perdido: em To the
Moon, mesmo sem saber de nada, a dinâmica de colocar os eventos de trás
para frente deixa o jogador curioso para entender os desenvolvimentos da vida
do personagem. Essa curiosidade liga o jogador à mecânica.
A
Bird Story deixa o jogador solto, em grande medida contando
que ele não vá desistir até chegar ao momento em que a narrativa de fato se
arma. Isso acaba sendo uma espécie de descaso com o caráter interativo do jogo,
quase como se ele fosse um acessório, algo com que não se deve preocupar o
tempo todo, e essa é a grande fraqueza de A
Bird Story.
Essa discussão é
bastante rica e vem a calhar quando a gente analisa os jogos da Freebird,
porque, tendo um foco na história e um gameplay
minimalista, eles carregam consigo o risco de ser um fracasso ou forçar demais
o limite do que nós consideramos ser um jogo. Em To the Moon, esse risco é superado com elegância, com todos os
elementos perfeitamente amarrados para criar uma determinada experiência.
Em A Bird Story, parece não haver a mesma preocupação em criar uma
experiência total e coerente. Pode ser assim porque To the Moon recebeu diversos elogios pela história, e isso levou à confiança
de que a história se sustentaria por si. Mas, o fato é que a forma de contar
histórias num jogo é poderosa porque ela leva em consideração as possibilidades
de interagir e fazem dessas possibilidades algo significativo, como são também
o visual, a trilha sonora e o enredo.
A
Bird Story é uma narrativa poderosa e que pode ser o prelúdio
para um excelente jogo, que faça a Freebird retomar a excelência de To the Moon. Entretanto, como está, A Bird Story serve como uma lembrança
que não deve ser esquecida pela equipe de desenvolvedores: a interação é uma
forma de significação e que contribui muito para a experiência.
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