segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Bastion - Pensando sobre o jogo



Olá! Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Bastion, jogo da Supergiant Games, lançado em 2011 para Xbox 360 e PC, em 2012 para iOS, e em 2015 para PS4. Ele é um jogo muito interessante, e que oferece uma forma bem inovadora de lidar com a história, e isso em vários sentidos.

Bastion conta a história de um garoto sem nome que vivia na cidade de Caelondia. Num certo dia, ele acorda e percebe que tudo ao seu redor está desmoronando, e que o que resta da cidade está flutuando no meio do ar. Ele, então, se dirige ao Bastion, que era o ponto de encontro dos cidadãos em caso de emergência.

Lá ele encontra apenas um velho chamado Rucks, que conta que, para conseguir vencer a Calamidade, que está destruindo o mundo, o garoto precisa se aventurar pelas ruínas de Caelondia para juntar cristais que dão energia ao Bastion. Para obter esses cristais, entretanto, ele precisa enfrentar várias criaturas hostis que habitam esses locais. E, enquanto ele se aventura, ele pode encontrar outros sobreviventes.

Na prática, Bastion é um jogo de aventura com ponto de vista isométrico, em que se controla o garoto durante suas expedições. Em termos de jogabilidade, o grande apelo do game é a multiplicidade de armas: em quase todas as missões principais, o garoto encontra novas armas, que funcionam de formas bem distintas e demandam estratégias únicas para dominar.

Basicamente, essas armas se dividem entre armas de curta e de longa distância. Dentro desses dois grupos, as coisas ainda se dividem de forma bem clara: armas de curta distância podem focar em velocidade, ou em dano imediato, ou até em dano ao longo do tempo; já armas de longa distância podem priorizar velocidade, dano a um inimigo específico ou dano a uma área inteira. E, claro, todas elas são balanceadas de forma a terem suas fraquezas e forças, o que, como eu disse, oferece estratégias bem interessantes.

Dominar tantas armas não é exatamente um processo fácil, e provavelmente o jogador vai ter sua estratégia preferida. Eu, por exemplo, tive um apego bem maior a algumas das armas iniciais, que eu acho que ofereciam um estilo mais próximo do meu gosto do que as armas disponíveis no fim do jogo. De qualquer forma, o jogo oferece campos de treinamento para que o jogador possa aprender as dinâmicas de cada uma, e jogar bem com elas oferece diversas recompensas.

E essas recompensas são uma forma inteligente de Bastion lidar com a sua multiplicidade de armas: em cada campo de treinamento, há três recompensas, que são oferecidas dependendo do desempenho do jogador. A primeira recompensa é sempre um material para upgrade da arma com que se está treinando. Mas, o interessante é que a segunda recompensa é um material para upgrade de outra arma.

Ou seja, talvez você não esteja tão interessado na arma com que está treinando, mas se interessa por alguma cujo material está sendo oferecido naquele treinamento. Isso motiva o jogador a tentar os desafios de várias armas, o que pode acabar despertando o interesse dele pelas mecânicas específicas dessas armas, mesmo que ele já esteja acostumado com outras.

Essa questão de upgrades que eu mencionei há pouco também oferece algo muito interessante, que é a possibilidade de escolher que tipo de upgrade fazer. Quando se tem um material, o jogador pode fazer um upgrade e escolher o que acha melhor para sua estratégia. Digamos, por exemplo, que o jogador use uma arma de longa distância que tem um pente de munição limitado: ao fazer upgrade ele pode escolher se quer que cada projétil dessa arma tenha um dano maior, ou se prefere que o processo de recarregar o pente seja mais rápido.

Com isso, todas as armas de Bastion se revelam muito versáteis, e o jogador acaba fazendo com elas mais ou menos o que quiser, e isso favorece muito a criação de diversas estratégias que, em última instância, tornam o gameplay muito maleável e capaz de se adequar à forma como o jogador prefere jogar.

Isso se reflete igualmente nos upgrades do protagonista e na nivelação de dificuldade do jogo: conforme o jogador mata inimigos, ele ganha experiência e ganha a possibilidade de usar um tônico diferente que dá bônus específicos, como ter mais HP, poder carregar mais itens, poder reviver se levar um golpe mortal, etc. Mas, é claro, cada nível habilita apenas um espaço para esses tônicos, então o jogador deve escolher quais são suas prioridades.

Já a dificuldade do jogo funciona de forma a permitir que o jogador tenha o desafio que preferir. Existe a versão básica do jogo, que terá momentos de dificuldade, com inimigos bem variados e com algum desafio, mas que é relativamente tranquila, já que a curva de aprendizado é bem generosa. Entretanto, existe um altar no Bastion que permite que o jogador adicione desafios em troca de bônus de dinheiro e de experiência.

Esses desafios são bem variados, como fazer os inimigos serem mais agressivos, fazer com que eles tenham mais HP, fazer com que eles soltem uma bomba antes de morrerem, deixar o protagonista mais lento caso ele receba um golpe, etc. Um ou outro desafio desses não é exatamente um problema, mas reunir mais de 5 desafios é complicado até para os jogadores experientes.

Por conta dessas coisas, em termos de mecânicas, Bastion é um jogo excelentemente executado, que investe todas as suas fichas numa experiência altamente customizável, permitindo que o combate seja o mais agradável possível para o jogador, e que faz com que ele se sinta bem relaxado ou extremamente tenso conforme quiser.

Mas, embora isso seja algo a se elogiar bastante, isso não é o brilho maior de Bastion. Esse brilho está na história e nas diversas formas criativas que o jogo escolhe para criar sua narrativa. O primeiro elemento criativo na narrativa de Bastion é aquele que perpassa toda a experiência, que é o narrador do jogo. Desde o primeiro minuto da experiência, o jogador vai ouvir uma voz que acompanha a história do garoto, e se trata do velho Rucks, que habita o Bastion.

Esse narrador atende aos requisitos mais básicos dessa função, ou seja, é capaz de sumarizar bem os acontecimentos que estão sendo mostrados, e também tem uma voz realmente agradável e grave, que se encaixa bastante com a função de alguém que supostamente sabe tudo o que está ocorrendo.

Mas, o que diferencia o narrador de Bastion dos outros é a sua flexibilidade para se adaptar aos movimentos do jogador. É incrível como ele parece ter sempre algo para dizer, até quando você faz o que não deveria. Ele comenta se você progride, se você fica num lugar mais do que o esperado, se você cai, se você vence um inimigo, se você perde, se você faz um upgrade, se você escolhe uma nova combinação de armas, etc.

E, graças a isso, parece que esse narrador está realmente acompanhando a história, e que o jogador realmente está escrevendo essa história. Eu já comentei um pouco sobre uma dinâmica semelhante a essa no meu vídeo sobre The Stanley Parable, mas o que diferencia Bastion é o fato dessa flexibilidade do narrador se dar nos mais diversos e minúsculos acontecimentos da experiência, e não só nos momentos fundamentais em que a narrativa poderia se dividir, como é em The Stanley Parable.

Isso dá à trama de Bastion um nível de interatividade que é difícil encontrar em qualquer outro jogo. Hoje nós estamos bem acostumados com a ideia de que um jogo conta com decisões e que elas vão impactar no desenvolvimento da experiência. Mas, nós estamos também acostumados a ver esses momentos de escolha de forma bem destacada nos jogos, como se os desenvolvedores deixassem o jogador escolher ponderadamente o que quer fazer.

Em Bastion, esse tipo de escolha destacada só acontece nos últimos segmentos do jogo, e isso seria um dos momentos mais conservadores dessa liberdade que Bastion permite. A liberdade maior do jogador, em Bastion, é poder fazer algo inesperado e ver que o narrador percebeu e reagiu a isso. É como se a própria narrativa se abrisse ao jogador e o aceitasse, não importa como ele queira jogar – exatamente como as armas e os upgrades permitem em termos de mecânicas.

Descrevendo neste vídeo talvez pareça só um detalhe, mas é uma sensação diferente ver que o jogo dá uma resposta quase imediata às ações do jogador. O padrão dos jogos é sempre ver a história prosseguir quando se alcança determinados pontos, e a presença do narrador de Bastion dá a sensação de que a narrativa do jogo não está só em pontos específicos, mas também a todo minuto, sempre aguardando o próximo movimento do jogador, não importa qual seja. É algo totalmente único.

E, além desse narrador fantástico, Bastion também faz algo impressionante na caracterização de personagens ou, melhor dizendo, de uma personagem específica. Um dos pontos fracos desse narrador tão forte de Bastion é o fato de que absolutamente tudo tem que passar por ele: mesmo quando o garoto está conversando com outros personagens, o jogador ouve apenas a versão resumida da conversa pelo Rucks.

Além disso, o jogo tem pequenos momentos, que o jogo chama de reflexões, em que o jogador pode ouvir um breve resumo da história de cada personagem importante, mas aí também é tudo resumido pelo narrador. Esse centralismo forte do narrador poderia diminuir muito a figura dos personagens, já que eles nunca ganham voz; nós os conhecemos sempre indiretamente.

Para conciliar esse design do narrador com uma criação de personagens realmente interessante, Bastion fez uma experimentação muito interessante com a personagem Zia. Zia é uma Ura, um povo que esteve em guerra com os moradores de Caelondia, mas a Zia nasceu em Caelondia. Ela tem uma história de antes da Calamidade que poderia ajudar o jogador a criar um vínculo com ela, mas, como eu disse, o fato de tudo ser filtrado pelo narrador não permite ligações tão fortes.

Entretanto, todo o vínculo de que o jogador realmente precisa já é criado na fase em que o garoto encontra a Zia pela primeira vez. No momento em que ele entra na região em que ela está, ele começa a ouvir uma música lindíssima, e que faz de todo o tempo naquela fase uma experiência mais bonita e agradável. Ao final, o garoto descobre que a música estava sendo cantada pela Zia.

Esse momento de criação do personagem tem um efeito tão grande no sentido de a Zia ser vista como alguém realmente agradável, que toda a dificuldade que a narração cria acaba sendo superável. E é incrível como é raro esse fenômeno de usar a música para estreitar a relação do jogador com certos personagens. Além desse incrível momento em Bastion, eu consigo lembrar apenas de uma cena em Bioshock Infinite, em que a Elizabeth canta. Se alguém lembrar de mais algum momento, por favor, deixe nos comentários.

É muito comum a gente ver jogos que se esforçam ao máximo para criar personagens que possam ser cativantes de fato, mas sempre focando no roteiro e, principalmente, no visual. São inúmeros os jogos que deixam muito claro que os personagens foram concebidos visualmente de certo jeito para que o jogador sentisse admiração por eles, ou então que sentisse atração por eles.

É muito raro ver personagens que são construídos graças à sua voz, ou à trilha sonora que os acompanha. E isso é até algo bem estranho, já que é bem sabido que o poder da música sobre a mente humana é incrível e que ela pode influenciar, de diversas formas, os nossos sentimentos.

Felizmente, a equipe responsável por Bastion sabia disso e criou um personagem extremamente memorável e com quem o jogador realmente se importa, e tudo isso graças a uma música. Eu acabei me importando tanto, que posso dizer que foi ela quem me influenciou na hora de escolher o final do jogo.

E, falando em final, é preciso dizer que a história do jogo, em termos gerais, é bem interessante, e que faz uma rica discussão sobre a relação do indivíduo com o resto do mundo quando não se está exatamente feliz com a realidade. Os personagens de Bastion experimentaram mudanças muito grandes em suas vidas após a Calamidade – algumas para melhor, outras, para pior.

Em grande medida, o final do jogo permite que o jogador escolha o que fazer com um mundo que trata as pessoas de forma hostil – será que é melhor tentar apagar os erros do passado ou simplesmente tentar viver para além deles? É uma pergunta muito interessante e que o jogo reflete bem nos próprios personagens e na sua relação com o mundo.

E o jogo permite que o jogador escolha uma última vez – como ele foi capaz de determinar muito do seu progresso durante o jogo. É o capítulo final no respeito do jogo às decisões do jogador, que começa com a customização e passa pelo narrador. No final, o jogo pede que o jogador dê um sentido à jornada que viveu.

E era isso que eu queria dizer sobre Bastion. Ele é um jogo que dá muito poder de escolha ao jogador, e faz com que ele se sinta realmente parte da história até nos mais mínimos detalhes, o que é algo incrível de sentir a cada minuto da experiência. Além disso, é um jogo que busca caracterizar os personagens de forma não convencional, o que é uma importante lição para a nossa indústria, tão apegada a modelos.

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