Olá!
Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Home, jogo desenvolvido por Benjamin
Rivers e lançado em 2012 para PC, em 2013 para iOS, e em 2014 para PS4 e PS
Vita. Ele é um jogo muito interessante pelos dispositivos narrativos que tenta
criar, e isso tanto quando acerta quanto quando erra.
A
primeira coisa que é preciso fazer quando se fala sobre Home é estabelecer uma comparação meio óbvia quando você conhece um
pouco de jogos indie: na aparência, Home tem uma semelhança imensa com Lone Survivor, jogo que eu já analisei
aqui no canal. Aliás, a sugestão que eu recebi para analisar Home aconteceu justamente num dos
comentários da análise de Lone Survivor.
Eu
admito que, num primeiro olhar, os dois jogos são muitos semelhantes: ambos se
declaram como jogos de horror e estão em 2D, o que eu considero um subgênero
bem limitado, apesar de algumas pessoas me apontarem outro jogo que também usa
essa perspectiva e trata desse tipo de tema. De qualquer forma, acho que está
estabelecido que não são muitos os jogos que adotam perspectiva 2D ao tratar de
horror.
Essa
primeira impressão é tão forte que eu tive que ir comparar as datas de
lançamento para ver se era plenamente possível que um jogo tivesse influenciado
outro. E, para mim, o resultado é ambíguo: os dois jogos saíram num intervalo
de pouco mais de dois meses, o que eu considero absurdamente pouco num ciclo de
desenvolvimento de jogos e, portanto, acho improvável a influência de Lone Survivor ter sido dominante sobre Home. Entretanto, como Home é um jogo relativamente curto, eu também
não descartaria a possibilidade de ele ter sido feito num intervalo pequeno de
tempo.
Independente
de datas, Home e Lone Survivor guardam semelhanças, e, no geral, a comparação entre
os dois geralmente acaba fazendo Home
sair perdendo, no sentido de que ele é um jogo muito menos ambicioso do que Lone Survivor e, no geral, menos bem
pensado em termos de estrutura. O trabalho de significação de Lone Survivor incluía um tipo de
estética visual completamente novo, além de um trabalho complexo que misturava
2D e 3D de uma forma ao mesmo tempo simples e confusa. O visual e o espaço em Home funcionam de forma completamente
diferente.
O
que une esses dois jogos, na verdade, é o esforço que eles têm em criar
múltiplos finais de forma consistente, de modo que cada final pareça
verdadeiro. Nesse sentido, enquanto Lone
Survivor parece uma obra pensada em termos completos, Home parece mais uma experiência na construção de uma mecânica em game design.
Agora,
antes de começar mesmo, eu preciso avisar que esta análise vai ser um festival
de spoilers, não tanto de eventos do
final do jogo, mas sim de como o jogo funciona. Isso porque o jogo cria uma
série de expectativas não cumpridas, mas que exercem um certo papel na
experiência. Por isso, se você tem algum receio de jogar Home com algum conhecimento prévio, eu recomendo parar por aqui.
Como eu disse, eu não
vou dizer nenhum spoiler sobre a
história aqui, mas sim sobre elementos que podem mudar a sua expectativa em
relação ao jogo, ou seja, podem mudar a forma como você vai encará-lo na hora
de jogar. Eu não considero que o jogo pode ser estragado por causa disso, mas
não quero ninguém se sentindo lesado por este vídeo, mesmo que seja por um
pequeno elemento. Se você tiver algum receio, eu agradeço por você ter clicado
no vídeo e a gente se vê numa próxima análise.
Vamos ao jogo, então. Em
Home, o jogador controla um
protagonista que acorda em um prédio que não conhece, e não sabe como chegou
lá. A sua missão, basicamente, é voltar para casa, onde está a sua esposa,
Rachel. A partir daí, as possibilidades são várias.
Na
prática, Home é um jogo 2D de
suspense, em que o trabalho do protagonista é ir do ponto A ao ponto B, o que
normalmente implica procurar alguns itens para desbloquear o caminho. Note que
eu disse que Home é um jogo de suspense, e não de terror ou horror,
como ele é chamado no seu subtítulo. Isso porque não há qualquer presença de
criatura perseguindo o protagonista, ou mesmo uma ambientação suficientemente
assustadora.
Isso
cria uma situação muito interessante, que eu honestamente não sei se foi
intencional: no subtítulo do jogo, está dito que Home é uma aventura de horror e isso coloca o jogador dentro de uma
certa expectativa, só que essa expectativa não é cumprida, o que faz o jogador
ficar com medo de alguma criatura aparecer para matá-lo a qualquer momento do
jogo.
Na
verdade, o horror de Home está ligado
à história do jogo, ou seja, aos seus temas, e não às suas mecânicas, pois não
será incomum ao protagonista encontrar corpos de pessoas mortas, esqueletos,
etc. Eu gostaria de saber se isso foi uma intenção do desenvolvedor, que queria
que as pessoas tivessem medo ao jogar, o que replicaria o sentimento do
protagonista, que não sabe onde está ou o que está fazendo, ou se foi
simplesmente o caso de usar a palavra “horror” numa acepção um tanto mais
diferente do que se pratica na indústria.
De
qualquer forma, isso ajuda na ambientação da experiência, pelo menos na
primeira vez que se joga Home. Os
cenários que o personagem atravessa também ajudam, com uma boa escolha de
lugares opressores, como prédios abandonados, florestas e, é claro, a própria
noite. O fato é que o jogador nunca sabe o que vai encontrar ao entrar ou sair
de algum cômodo ou prédio no jogo.
Em
termos de gráficos, o jogo cria uma estética bem sóbria, com a única fonte de
luz sendo a lanterna do protagonista. Os tons são sempre escuros e os sprites são bem feitos. A trilha sonora
colabora para o clima de tensão, mas não com músicas tensas, e sim quase que só
usando o silêncio e os sons do ambiente, o que reforça a ideia de solidão que
está na base da experiência mesmo.
Se,
em Home, o principal desafio em
termos de jogabilidade é prosseguir a caminhada até a casa do protagonista, o
verdadeiro desafio do jogador é entender o que aconteceu na vida do
protagonista nesse período de que ele não lembra. Ou seja, o verdadeiro foco de
Home, como eu já disse, está na
história.
Durante
toda a experiência, o protagonista encontrará uma série de objetos e anotações
que podem auxiliá-lo a entender o que está acontecendo. O mais importante,
porém, é que nenhum desses elementos prova coisa alguma. E esse é o ponto mais
interessante e bem trabalhado de Home.
Quando
o jogador chega ao final, ele é colocado numa situação em que há uma série de
evidências que podem apontar diversas narrativas, e cabe a ele decidir, de
fato, o que aconteceu. Deixando mais claro: existe um conjunto de fatos na
história de Home, ou seja, coisas que
efetivamente acontecem, independente de qualquer interpretação. Entretanto, a
coisa mais importante é como esses fatos se conectam, porque os fatos não
explicitam motivações ou o caráter dos personagens envolvidos: tudo isso fica a
cabo do jogador.
Por
conta disso, Home cria um mecanismo
muito interessante para criação de narrativa em jogos, porque possibilita que a
narrativa seja, de fato, construída em grande parte pelo próprio jogador, por quantas
pistas ele conseguiu reunir e pelo raciocínio que só ele pode estabelecer.
É
claro que todas as pistas foram concebidas pelo desenvolvedor, mas a reunião
delas e a sua significação dependem do jogador. Inclusive, algumas dessas
pistas mudam dependendo de como o protagonista se comporta durante a
experiência. Com isso, a história de Home
é um mundo de vastíssimas possibilidades, e que o jogador pode explorar
livremente, e inclusive testando múltiplas possibilidades, graças ao fato de a
duração do jogo não ser grande. A experiência mais vasta de Home provavelmente não vai ultrapassar
duas horas.
Dessa
forma, Home cria um balanceamento
entre liberdade do jogador e história fixa que eu considero muito interessante.
Os elementos da história serão combinados pelo jogador segundo a experiência
dele; nada pode ditar o contrário. E, assim, todas as versões dos jogadores são
verdadeiras.
Voltando
à minha comparação com Lone Survivor,
enquanto ele cria finais diferentes mas que parecem igualmente válidos, em vez
de existir, pura e simplesmente, um final bom ou ruim, Home deixa as possibilidades na mão do jogador, para que o próprio
jogador crie o final que lhe parece mais adequado à experiência. Em grande
medida, então, é uma experiência mais libertadora em termos narrativos.
Entretanto,
para criar essa narrativa super-aberta, de múltiplas possibilidades, Home abdica da coesão da sua história,
no sentido de que, embora nenhuma versão da história pareça errada, nenhuma
versão parece a certa. O jogo sempre deixa pontas soltas, coisas não
explicadas, porque a multiplicidade de finais exige multiplicidade de fatores.
Assim,
alguns elementos da interpretação do jogador são passos lógicos a partir de
certas pistas, enquanto outros são verdadeiros tiros no escuro, que
praticamente nada pode sustentar. Voltando mais uma vez a Lone Survivor, muitas das possíveis incongruências do enredo do
jogo podem ser explicadas pelo fato de o jogador duvidar da mente do
protagonista, mas, quando o jogador ou o próprio jogo cria uma teoria, ela se
sustenta baseada em tudo que o jogador viu, porque balançar entre realidade e
delírio está na base do jogo.
Em
Home, ao manter uma trama muito
próxima do ponto de vista do protagonista, a gente se sente tão desamparado
quanto ele, e precisa construir o sentido de uma experiência que, em vários
momentos, simplesmente não pode ser interpretada de forma consistente. Ao
final, como eu disse, o jogador fica com várias hipóteses e nenhuma delas soa
como potencialmente certa. Todas têm algo de certo e de errado.
Assim,
Home cria um interessante mecanismo
de construção de narrativas pelo jogador, que age como um detetive o tempo todo
e cria uma narrativa muito sua, não importa quantas vezes jogue. Entretanto,
esse mecanismo tem uma falha complicada, que é invalidar todas as narrativas,
ao mesmo tempo em que ele as permite. É uma contradição estrutural.
Por
conta disso, eu chamei Home de um
experimento. Talvez esse mecanismo possa ser aprimorado para criar uma
narrativa única e coesa, permitindo também múltiplos caminhos. Por ora, ele
apenas funciona como sendo capaz de mostrar as possibilidades que uma narrativa
em jogos pode ter, mas o resultado sempre deixa o jogador com um vazio na sua
experiência, em vez de um encerramento.
E
não é que jogos precisem ter finais que façam o jogador se sentir bem. O
problema é que, sem um final consistente, a significação da experiência também
fica comprometida. Simplesmente nada parece realmente válido. Ao mesmo tempo em
que o jogo valoriza a interação do jogador, ele deixa bem claro que ela é
insuficiente, falha. É como se, num jogo mais tradicional, o jogador chegasse
ao final da última fase, mas o jogo travasse e voltasse para o começo.
E
era isso que eu queria dizer sobre Home.
Ele é um jogo que apresenta um experimento interessante, complexo, e muito
promissor, mas que contêm seus problemas e que precisa ser aprimorado em
futuros jogos.
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