Olá!
Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou fazer um vídeo de
teoria, algo que eu não fazia há um bom tempo. Para servir de tema a esse
vídeo, eu escolhi algo que eu considero uma forte tendência da produção de
jogos hoje, e que é uma coisa extremamente complexa, embora às vezes pareça
excessivamente simples. Eu estou falando das chamadas narrativas minimalistas.
Eu
acredito que, para começar direito, vai ser necessário definir esse conceito, e
aí fica difícil. Segundo o dicionário, minimalismo é a ideia de reduzir ao
máximo o uso de certos elementos ou recursos. Entretanto, é difícil depreender
o que é reduzir ao máximo, já que cada narrativa conta coisas diferentes, tem
um número de personagens específico, etc.
Para
tentar simplificar, eu vou usar um conceito agora que vai valer para montar o
meu raciocínio neste vídeo, mas ele com certeza pode ser mais bem trabalhado, e
eu, inclusive, aguardo contribuições de vocês nos comentários para o caso de
vocês não estarem satisfeitos com o conceito. Quero também, é claro, que vocês
citem exemplos de narrativas minimalistas que façam vocês conceberem essa ideia
de determinada forma.
Bom,
para mim, narrativa minimalista em jogos significa construir uma história, na
maioria das vezes, relativamente enxuta de personagens e trama, e sem delimitar
claramente as motivações ou origens dos seus personagens. Por isso,
frequentemente, uma narrativa minimalista pode ser resumida em breves palavras,
e ela deixa uma série de elementos incompletos, o que geralmente compromete o
processo de entendimento total de um personagem ou de uma ação. Ou seja, uma
narrativa minimalista requer interpretação. Do contrário, não haverá muito
sentido, não importando o tamanho do escopo da trama.
Para
isso ficar um pouco mais claro, eu queria fazer uma comparação rápida para
mostrar como o número de personagens ou a vastidão da trama não significam
minimalismo. Vamos pensar, por um momento, em ICO e Spec Ops: The Line,
dois jogos que já apareceram aqui no canal. Ambos têm histórias compostas por
pouquíssimos personagens. Se eu não me engano, The Line tem mais ou menos uns 5 personagens, enquanto ICO tem 3. Nenhum deles tem side quests e, na verdade, eles se
encaminham diretamente para o desfecho, com uma visão muito clara de objetivo.
O
que faz The Line não ser visto
imediatamente como minimalista é o fato de que a história, embora enxuta, é bem
explicada, não deixando lacunas para interpretação. Você sempre sabe o que os
personagens estão fazendo em Dubai, quais são seus objetivos, qual papel eles
desempenham de fato na história e até o que eles estão sentindo enquanto agem.
Em
ICO, há um universo de lacunas: o
jogador não sabe por que o Ico tem chifres, por que quem tem chifres é levado
para aquele castelo, qual é exatamente a natureza da Yorda, por que ela fala
outra língua, ou mesmo o que acontece no final do jogo. São perguntas
fundamentais para entender o que se passa, e o jogo não se dá ao trabalho de
responder.
Por
conta dessa diferença, ICO sempre vem
à cabeça quando se pensa em narrativa minimalista, e Spec Ops: The Line, não. Por isso também, eu acho que ter uma trama
muito simples não é o fundamental, embora seja um fator recorrente; o que
realmente define uma narrativa minimalista é a escassez de detalhes.
Qualquer
um que conheça um pouco a história dos jogos vai dizer, com razão, que o
minimalismo é uma tendência história da nossa indústria, especialmente no
período entre as décadas de 80 e 90. Isso se deveu, é claro, às limitações de hardware, que não permitiam armazenar
tanta informação. Por isso, as tramas eram enxutas, os detalhes eram escassos e
muita coisa ficava relegada a elementos fora do jogo, como o manual ou a caixa.
Ainda assim, alguns jogos faziam um esforço especial para fornecer detalhes: o
manual do primeiro Fallout, por
exemplo, tem mais de cem páginas.
Por
conta dessas limitações conhecidas, eu não gostaria de falar de minimalismo
usando exemplos de um passado tão distante, justamente porque é difícil
rastrear com mais perfeição exatamente o que era uma decisão deliberada de
deixar poucos detalhes e o que era simplesmente falta de possibilidades
técnicas para explorar uma história. Seria o mesmo que falar de design de jogos difíceis usando essa
mesma época como exemplo: é praticamente impossível saber com certeza o que é
plenamente deliberado e o que é influência externa ao projeto do jogo.
Por
conta disso, eu escolhi três jogos relativamente recentes, bem distintos, e que
usam o minimalismo na sua narrativa, mas com características bem diferentes, o
que vai me permitir falar dos ganhos e dos riscos de se usar essa estratégia
para contar uma história. Os jogos são Shadow
of the Colossus, de 2005, Dark Souls,
de 2011 e Hotline Miami, de 2012.
Antes
de começar a falar deles em detalhe, eu gostaria de dar só mais um adendo: eu
acredito que o senso comum seja a ideia de que, quanto mais detalhe uma
história tiver, mais rica e interessante ela pode ser, porque ela dá ao mundo
criado uma impressão de complexidade e riqueza que, se bem feita, traz o
jogador para dentro e faz com que ele viva a experiência como se fosse quase um
tour por todo aquele universo, e os
personagens apresentados se tornam quase seus amigos.
Entretanto,
não revelar tantas coisas pode criar efeitos específicos em quem acompanha a
narrativa, e isso acaba tendo os seus ganhos também. Muitas vezes, uma
narrativa pode ganhar por aquilo que ela não diz, mas isso só acontece se ela
souber usar essas lacunas com habilidade. Vamos, então, ver como isso é feito.
É claro que, se alguém não quiser ouvir spoilers
de nenhum dos jogos que eu mencionei, é melhor não continuar. Eu agradeço por
você ter visto o vídeo até aqui.
O
primeiro jogo de que eu vou falar em detalhe é Shadow of the Colossus. Eu acredito que qualquer um que tenha jogado
esse jogo consiga detectar diversas lacunas na construção da narrativa. Para
mencionar só algumas: o jogador nunca fica sabendo qual é a relação do
protagonista e da moça que ele busca ressuscitar; nunca é revelado exatamente o
que é o Dormin ou por que ele foi aprisionado; nunca é explicado como os
colossos foram trazidos à vida; não se sabe quais eram os papéis dos
personagens do jogo fora da Terra Proibida, etc.
Por
conta da falta desses elementos, a trama do jogo poderia ser severamente
debilitada. Afinal, faltam detalhes sobre as motivações daqueles personagens e
uma explicação sobre o que está acontecendo com o mundo. Entretanto, não é isso
que acontece e o jogador raramente tem essa sensação de incompletude. E isso
acontece por um motivo fundamental, que é a natureza da história que é contada
em Shadow of the Colossus.
A
trama do jogo não quer entrar em detalhes porque ela busca ser o mais genérica
possível, para poder adquirir um status
de alegoria, ou seja, para significar mais do que o roteiro do jogo
inicialmente prevê. Graças a isso, em vez de contar a história de um garoto que
busca ressuscitar uma garota por um determinado motivo, Shadow of the Colossus acaba abarcando todo e qualquer sentimento
de perda e de revolta quando alguém importante é sacrificado, quando algo
valioso é perdido.
Por
conta disso, em vez de termos uma história que é exibida ao jogador, nós temos
uma trama em que está impressa também a vida do próprio jogador, porque todo
mundo tem uma lembrança de perda, de revolta, de vontade de superar o que for
para conseguir algo importante que se perdeu. Graças à falta de detalhes, o
jogador pode preencher as lacunas com os seus próprios sentimentos, e isso se
completa perfeitamente com o fato de que é o jogador quem controla o
protagonista. Ele preenche as ações e as motivações dele. De alguma forma, eles
se tornam um só.
A
receita para o sucesso desse minimalismo narrativo de Shadow of the Colossus é muito parecida com a de Journey: a história pode ser vaga e
efetiva, contanto que ela saiba apelar para um sentimento muito próximo do
jogador, algo que faça com que ele preencha as lacunas rapidamente e com o seu
próprio conteúdo. Nesses casos, o apelo da trama não está em contar uma
história excepcional, algo inédito e épico, no sentido de uma história que vale
a pena ouvir por ser única.
O apelo da trama de Shadow of the Colossus está em fazer o
jogador se ver um pouco refletido na história, sentir que ela faz parte dele, e
que, apesar de cheia de monstros, mágica e aventuras fantásticas, ela é uma
história do mundo real, talvez mais real do que o que a gente vê na própria
vida, porque mais organizada e fácil de entender. É graças a isso que esse jogo
consegue tocar as pessoas tão diretamente, mesmo que não tenha muitas palavras
ou ações complexas. No fundo, poucos jogos poderiam parecer mais simples.
Com isso, nós passamos
ao segundo jogo de que eu vou falar, que é Hotline
Miami. Em muitos aspectos, eu considero Hotline
Miami como estando na ponta oposta a Shadow
of the Colossus num longo conjunto de técnicas para criar narrativas
minimalistas. Em grande medida, os dois jogos trabalham com ferramentas
semelhantes: ambos trazem poucas explicações sobre os motivos dos personagens e
apelam para sentimentos muito próximos ao jogador.
Entretanto, para quem
jogou os dois jogos a comparação possivelmente soa como absurda. E a razão
disso está nos sentimentos que os dois jogos buscam explorar. Embora os dois
jogos persigam a ideia de uma violência devastadora, Shadow of the Colossus oferece uma justificativa que está na base
do sentimento que ele busca discutir. Já a base de Hotline Miami está justamente em não oferecer justificativa para a
violência.
Não oferecendo essa
informação fundamental, o jogo cria um imediato descolamento do jogador em
relação ao protagonista, o que, por sua vez, estabelece um conflito com o fato
de que, em termos de jogabilidade e proposta, há um apelo muito forte para um
sentimento básico do ser humano, que é o prazer na violência.
Com isso, o jogador
fica numa situação interessante: ele se sente seduzido pela violência e pelo
ritmo frenético que o gameplay e a
trilha sonora oferecem, e, ao mesmo tempo, se sente distante por não reconhecer
uma mente como a sua dentro do jogo. Conforme o jogo avança, vai ficando claro
que a mente do protagonista é completamente perturbada, mas isso só deixa
explícito algo que já estava no sentimento do jogador, algo que já estava na
base da narrativa, e que era construído justamente pela ausência de
informações.
Ao mesmo tempo, esse
estranhamento, essa incerteza de qual é a natureza exata do protagonista criava
um tom meio misterioso ao jogo, como algo vindo de outro mundo, algo totalmente
estranho. O protagonista de Hotline Miami
é um dos raros personagens controláveis em jogos que parece empurrar o jogador
para longe, em vez de criar simplesmente uma empatia.
O mais curioso e feliz
sobre essa estrutura de Hotline Miami
é que ela existe simplesmente pelo minimalismo, pelo apagamento das relações de
causa e consequência, que são a base do raciocínio lógico da raça humana.
Quando a mente de alguém não funciona assim, ela não parece humana. E, dessa
forma, por não revelar as motivações do seu personagem ou a sua origem, o jogo
cria um dos personagens mais originais e fascinantes.
E aí, neste ano de
2015, uma coisa muito interessante aconteceu: o pessoal que desenvolveu Hotline Miami demonstrou como eles
tinham pouco controle sobre esse processo de criação, e simplesmente
preencheram todas as lacunas do jogo dentro da história de Hotline Miami 2. Graças a isso, nós entendemos a formação do
primeiro protagonista, quais eram as suas motivações e, inclusive, até que
ponto a sua mente se manteve sob controle no primeiro jogo. Entretanto, esse
entendimento, em grande parte, empobreceu o material do jogo anterior.
Quem jogou o primeiro Hotline Miami sabe que, em determinado
momento, fica difícil saber o que aconteceu ou não no jogo, visto que
acontecimentos conflitantes começam a ser exibidos. Isso tinha uma significação
fundamental no jogo, porque a indefinição era importante para indicar que as
consciências que guiavam o jogo não eram confiáveis, e isso estava na base do
distanciamento que o jogador mantinha dos protagonistas. Ao fazerem Hotline Miami 2, os desenvolvedores
apontaram claramente quais eram os acontecimentos canônicos, e todo o mistério
e estranhamento se perderam.
Com isso, enquanto o
primeiro Hotline Miami dá uma lição
extremamente profunda sobre como construir uma narrativa minimalista, usando a
escassez de informações para criar um sentimento muito específico, Hotline Miami 2 dá a lição de que
informação demais pode simplificar um elemento que antes era complexo.
Para terminar o vídeo,
falta falar de Dark Souls. Ele talvez
seja o caso mais curioso de narrativa minimalista na nossa indústria, porque,
ao contrário da tendência de produzir histórias enxutas e minimalistas, Dark Souls cria uma trama vastíssima,
porém minimalista. Pode parecer uma contradição em termos, mas quem conhece o
jogo sabe que a contradição é um elemento que está nas suas mais diversas
bases.
A história de Dark Souls acontece num mundo cheio de
personagens fundamentais, em que muita coisa já aconteceu. Entretanto, esse
mundo se encontra deteriorado, e a maioria de seus grandes personagens já
morreu ou se encontra praticamente irreconhecível. É um universo hostil, em que
conversas buscando muitas explicações são inviáveis e, francamente, pouco
realistas. É um mundo em que o vilão não explica suas motivações antes de
atacar, e em que as pessoas mais confiáveis são vagas.
Isso cria no jogador um
espírito de historiador, de arqueólogo e de detetive, de alguém que busca
pistas o tempo todo para poder se situar. Assim, embora obviamente as
informações sejam cedidas pelos desenvolvedores, cada pequeno elemento
descoberto soa como uma conquista do jogador, até porque, frequentemente, as
informações são pouco mais do que pistas. É preciso que o jogador interprete.
Assim, o jogador de Dark Souls passa pela experiência de
preencher as lacunas com o seu raciocínio e com as pistas que ele recebeu
graças ao seu esforço de procurar nas descrições dos itens, na disposição do
cenário e nas falas dos personagens. Por isso, a própria história de Dark Souls é uma conquista do jogador;
como tudo nesse jogo, é preciso conquistar a história, arrancá-la dos
desenvolvedores.
E isso cria o efeito
único da estrutura minimalista de Dark
Souls: a própria narrativa se torna fonte de satisfação e conquista. O
jogador se coloca numa posição ativa diante das informações que ele recebe, o
que é algo totalmente distinto de uma narrativa mais tradicional, em que o
jogador pode apertar um botão e receber um rol de informações sobre determinado
assunto. Pense, por exemplo, em como os jogos da série Mass Effect sempre têm uma sessão inteiramente dedicada a
informações sobre as raças que habitam aquele universo. O jogador muitas vezes
sequer precisa procurar por essas informações; elas são cedidas facilmente.
Com isso, o minimalismo
de Dark Souls prova que a falta de
informações pode levar a uma forma totalmente distinta de encarar a trama de um
jogo: a obtenção da trama em si pode ser parte do jogo, pode ser uma parte da
experiência que fornece muito mais do que motivações e circunstâncias que façam
o jogador se sentir devidamente inserido. Graças a isso, embora seja um jogo
que coloca o protagonista como quase insignificante, Dark Souls consegue passar a sensação de que absolutamente tudo
dentro da experiência depende da capacidade do jogador: tudo está em suas mãos.
Entretanto, nesse
processo de esconder informações e deixar tudo em forma de enigma, Dark Souls sacrifica quase todo o efeito
dramático que certas cenas poderiam ter. Quando se encontra um personagem
importante decaído, tudo que o jogador pode ver é o seu estado final, e nunca o
processo que o levou àquilo. O jogador certamente pode entender como esse
processo se deu, mas ele nunca poderá vê-lo, presenciá-lo. Ao final, o jogador
pode dizer que conheceu muito sobre algumas figuras do jogo, mas nunca pode
dizer que as conheceu de fato.
Sem querer extrapolar
muito o tom do raciocínio que eu estou mantendo até agora, mas é quase como se Dark Souls, em termos de minimalismo,
passasse uma visão muito fatalista de mundo, como se a busca por entender a
realidade só tivesse valor como um fim em si mesmo. No momento de agir, o mundo
não vai se importar se você se importou com ele; é uma realidade em que a
indiferença reina.
Por conta de coisas
como essa, eu realmente gostaria que o pessoal responsável pelas entrevistas ao
diretor do jogo passasse menos tempo falando de como o jogo é difícil e
tentasse investigar por que todos os jogos dele têm esse gosto tão amargo, e se
passam em mundos que não se importam com o protagonista, e em que o
protagonista também não precisa se importar com o mundo se não quiser.
Olhando para tudo isso
em conjunto, Dark Souls apresenta uma
forma muito peculiar de minimalismo, e mostra que limitar as informações pode
não somente despertar efeitos diversos no jogador, como também pode mudar a
própria função que a história desempenha no jogo. Em última instância, o jogo
mostra que a forma como se conta uma história pode determinar o que ela é.
Entretanto, e eu
acredito que essa seja, na verdade, a mensagem deste vídeo, Dark Souls também mostra que o
minimalismo vem com um preço e deixa bem claro que a escolha de um
desenvolvedor precisa ser condizente com o tipo de experiência que ele pretende
criar.
Como eu acho que este
vídeo ajudou a deixar claro, o minimalismo pode ser excelente para expressar
estranhamento e pertencimento, dois sentimentos completamente opostos, e que
estão representados em Hotline Miami
e Shadow of the Colossus. Ele também
é útil para remodelar a própria concepção do que seja uma história num jogo.
Contudo, nossa
indústria sempre terá espaço também para jogos como Mass Effect, que são riquíssimos em diálogos e informações e que,
por isso, podem deixar o jogador numa posição mais passiva. Entretanto, os
amigos que ele fará em Mass Effect
são memoráveis num nível que um personagem com pouca exposição dificilmente
seria. E isso é o mais interessante do processo que estamos vivendo na nossa
indústria hoje: vemos como o ato de contar história vem se tornando mais
complexo e formas diversas conseguem conviver e trazer mais coisas
interessantes para serem ainda mais trabalhadas daqui por diante.
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