sábado, 23 de janeiro de 2016

Uncharted: Drake's Fortune - Pensando sobre o jogo



Olá! Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Uncharted: Drake’s Fortune, jogo da Naughty Dog lançado para PS3 em 2007. Ele não é um jogo extremamente bem realizado, mas tem seu valor e mostra algumas tendências importantes que a gente pode encontrar na indústria.

Uncharted conta a história da relação de três personagens: Nathan Drake, Victor Sullivan e Elena Fisher, que estão determinados a encontrar o tesouro perdido de El Dorado investigando pistas deixadas por Sir Francis Drake, um explorador inglês real, que viveu no século XVI. Entretanto, enquanto exploram, os três precisam tomar cuidado com bandidos que estão atrás do mesmo tesouro.

Dentro dessa proposta bastante simples, Uncharted brilha na forma como dinamiza a relação dos seus personagens. Muita gente fala que esses personagens são a melhor coisa do jogo, e que eles são bem construídos, mas faz tempo que eu penso exatamente o que faz desses personagens algo tão bom, e isso eu acho que ainda falta ser dito.

O que faz de Drake, Elena e Sully personagens realmente interessantes é o fato de que a independência deles está sempre em questão no jogo; eles nunca parecem totalmente alinhados com ninguém. Por isso, existe sempre uma certa tensão em cada diálogo, mas é uma tensão que não implica violência, mas sim humor.

Isso se manifesta de diversas formas. Durante o jogo, há uma série de conversas em tom sarcástico entre os personagens e, especialmente, entre os protagonistas e os vilões. Tudo parece ser uma disputa um tanto esportiva, mesmo quando há vidas em jogo. Situações de vida e morte acabam sendo tratadas como meras batalhas a disputar num meio de uma guerra muito maior. E isso é bastante adequado ao enredo do jogo, que é povoado por conflitos armados que, na maioria das vezes, não resolvem nada, e só levam a mais uma parte de exploração, mas eu volto a isso mais tarde.

O que mais me chama a atenção nos personagens do primeiro Uncharted é como o jogador nunca consegue ter certeza do que eles estão pensando ou de que eles estão do lado um do outro: haverá momentos em que o jogador se questionará sobre a lealdade do Sullivan; haverá outros em que o Drake parecerá mais um aproveitador do que um herói; e haverá pontos em que a Elena parece mais uma viciada em adrenalina do que uma repórter.

Tudo isso cria uma série de desconfianças que deixa sempre um suspense na cabeça do jogador em relação a quem são esses personagens. Isso porque, quando não estão perto do Drake, o comportamento deles é imprevisível e isso, aliado a esse humor e coragem com que eles encaram todas as situações de perigo, faz deles sempre personagens algo charmosos, no sentido de que eles parecem apenas mostrar uma pequena parte sua para o jogador e sempre parece haver algo mais a descobrir sobre eles; eles parecem mais humanos dessa forma.

Esse comportamento mais humano desses personagens acaba aproximando Uncharted definitivamente das obras que são obviamente a sua inspiração, que são os filmes da série Indiana Jones. Para quem está bem familiarizado com os filmes e com o jogo, fica bastante clara a semelhante absurda de Uncharted com Caçadores da Arca Perdida, que é o primeiro filme do Indiana Jones.

Isso não é um demérito do jogo; na verdade, é um sucesso, na medida em que recriar personagens como aqueles não é exatamente um trabalho muito fácil. De qualquer forma, tanto o Drake quanto o Jones têm um bom coração, mas também um lado um tanto canastrão e que não se importa tanto com o sofrimento dos inimigos.

Já a Elena e a Marion têm em comum o jeito muito aventureiro, apesar do seu aparente despreparo. Em muitos casos, elas parecem mais corajosas do que os protagonistas. Olhando as duplas de personagens agindo juntos, é bem clara a semelhança do humor ácido com que eles se tratam.

Numa medida de bom gosto, a Naughty Dog eliminou a presença de nazistas de Indiano Jones, já que Uncharted se passa num tempo muito mais próximo ao nosso, e tenta demonstrar o que seriam verdadeiros bandidos hoje em dia. Contudo, mesmo com a mudança, ainda é possível criar vilões que parecem realmente uma encarnação do mal, mas ainda bem humorada e que se diverte em ver as dificuldades dos protagonistas. E, para quem gostar de nazistas, o jogo ainda dá um jeitinho de mencioná-los.

Por conta dessas semelhanças, Uncharted é, provavelmente, uma das mais bem executadas tentativas de adaptar um cenário de filme para um jogo. O enredo, que é um lado geralmente muito criticado quando filmes e jogos são comparados, acaba sendo muito bem feito e rivaliza com Indiana Jones.

É claro que uma discussão sempre pode surgir sobre que real valor existe em transpor, mesmo que bem, uma trama de mais de 25 anos. Para mim, esse primeiro Uncharted é como um exercício da Naughty Dog, como um esforço de criação de personagens realmente interessantes, e que possam se articular num formato de video game de forma natural. Isso provavelmente ajudou na elaboração dos outros personagens e tramas que viriam daqui para frente no portfólio da empresa.

Mas, esse exercício de articulação ainda tem alguns problemas, que me fazem pensar que, às vezes, Uncharted se comporta um pouco demais como um filme. Em termos de jogabilidade, Uncharted é um jogo de tiro e aventura em terceira pessoa, em que geralmente se alternam três tipos de segmentos: combate, escalada e puzzle.

Em termos de gameplay, o único momento em que me parece haver um maior número de acertos do que erros é no combate. Nesses momentos, a ideia é que o jogador faça com que o Drake use a cobertura para se esconder e atirar no inimigos, e isso funciona com uma certa competência, exceto quando você manda o Drake rolar e ele acaba aderindo a alguma cobertura sem querer.

De qualquer forma, o que chama a atenção é inteligência artificial dos inimigos: eles sabem flanquear muito bem, e é muito interessante como alguns deles fazem pequenos movimentos que realmente podem livrá-los da morte. Por exemplo: no geral, as pistolas do jogo matam um inimigo com três tiros. Mas, se o jogador atirar os três tiros direto, pode ser que o inimigo abaixe a cabeça, ou então se mova rapidamente. É algo bem impressionante de ver.

Mas, nem tudo são flores com essa inteligência artificial, porque nem sempre ela esconde que sabe o que você está fazendo. Além de ser um fato um tanto recorrente alguns inimigos desviarem de balas de costas, o que chama mais a minha atenção é um movimento que eles às vezes fazem. Digamos que um inimigo esteja escondido atrás de um pilar.

O jogador, controlando o Drake, opta por esperá-lo se expor de novo, e provavelmente vai escolher um lado para mirar. O inimigo sempre vai sair pelo outro lado, não importa se ele tinha como ver ou não onde o Drake estava mirando. É um efeito muito artificial, mas, ao mesmo tempo, me faz pensar se os desenvolvedores não tinham em mente colocar à disposição dos inimigos o mesmo tipo de câmera que o jogador usa. Afinal, mesmo quando está na cobertura, o jogador pode ver além do ângulo de visão do Drake.

Outra coisa dos combates que me cansa um pouco é a quantidade meio grande de rodadas de inimigos. Em certas partes do jogo, você precisa esperar até três ondas de inimigos, e essas batalhas muitas vezes funcionam quase como filler para a história, não significam muita coisa para o que está acontecendo, e nem servem para exibir melhor o comportamento dos personagens.

Já os segmentos de escalada funcionam de uma forma extremamente scriptada, de modo que retira toda a naturalidade da situação e, em grande medida, fere as próprias regras que o jogo ensina a obedecer. Isso fica claro na diferença das animações e dos resultados quando o Drake pula no lugar correto para prosseguir com a escalada e quando ele pula no lugar errado.

Se o Drake pula no lugar errado, ele dificilmente vai atravessar uns 2 metros de distância; agora, se ele pular no lugar certo, ele pode tranquilamente passar o dobro dessa distância. Isso cria um certo sentimento de confusão no jogador, porque distâncias facilmente atravessáveis em certos momentos ficam impossíveis caso não seja isso que o jogo quer que seja feito.

É claro que todo jogo tem regras e é linear em certa medida, mas uma grande parte da técnica de fazer um jogo realmente recompensador é fazer com que o jogador não sinta o peso dessas limitações e muito menos com que ele sinta que as regras estabelecidas mudam conforme o interesse da história ou do level design. É um erro cabal de um jogo como Beyond: Two Souls, e que já estava presente em Uncharted.

Por fim, os segmentos de puzzle são muito curtos e espaçados durante a experiência toda e, quando aparecem, são muito fáceis; é quase como se fosse um embrião de puzzle, como se estivessem faltando umas duas ou três etapas para finalizá-lo. E, com isso, essas partes ficam no meio do caminho entre um filler e uma mera variedade de gameplay sem muitas consequências. Numa história de explorar tesouros escondidos, sempre é legal ter mais puzzles.

Com isso, Uncharted acaba se configurando, para mim, como um experimento da Naughty Dog, em que eles tentaram criar um tipo de jogo mais linear e cinematográfico. Eles, com certeza, conseguiram sucesso na criação dos personagens, mas a jogabilidade luta bastante para chegar no ponto correto, e ela flutua entre a boa execução, o filler e a linearidade excessivamente restritiva.

Essa flutuação é um problema muito sério de jogos que buscam uma experiência mais cinematográfica e scriptada. Ter um script bem claro não é um problema, mas, se ele é tão importante, é preciso que a jogabilidade seja pensada a partir dele, e buscando torná-lo mais interessante e renovado a cada momento. Um grande script trabalha com cada cena contando algo importante e com cada desenvolvimento parecendo algo natural.

E era isso que eu queria dizer sobre Uncharted: Drake’s Fortune. Ele é um jogo com vários pontos bem realizados em termos de enredo, e com uma estética muito bonita, que prioriza cenários bem coloridos, numa época em que predomina o cinza nos jogos. Mas, era preciso elaborar melhor a jogabilidade para que esse enredo tivesse a chance de brilhar mais.

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