sábado, 23 de janeiro de 2016

The Witch's House - Pensando sobre o jogo



Olá! Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de The Witch’s House, jogo criado por um desenvolvedor japonês chamado Fummy e lançado em 2012 para PC. Ele é um jogo extremamente interessante, não exatamente pelas mecânicas, mas pelo paradigma narrativo que propõe, e que, indiretamente, acaba discutindo alguns dos hábitos mais arraigados da nossa indústria.

Antes de eu começar, porém, eu queria retomar o que eu disse no meu vídeo de aviso há uns dias atrás: nesta análise, eu vou fazer referência a diversos spoilers do jogo – mais especificamente, ao final verdadeiro do game, que, caso você tenha dúvida de como obter, está descrito no detonado que fica na mesma página em que se pode baixar o jogo. Se você não conseguiu esse final, o save logo antes de finalizar o jogo permite voltar para o momento em que é possível ativá-lo.

Enfim, se você não jogou The Witch’s House ainda, que é um jogo gratuito cujo endereço para baixar está na descrição do vídeo, eu recomendo que nem assista a este vídeo, porque eu vou gastar só dois minutos do tempo desse vídeo falando de jogabilidade, e isso acrescenta pouco sobre o valor do game. Se você quiser pausar o vídeo e jogar, eu recomendo; o jogo dura só umas duas horas.

Vamos ao jogo, então. The Witch’s House começa com uma garota acordando no meio do caminho entre uma certa casa e uma floresta. O lado da floresta está bloqueado por uma roseira imensa, então a única opção é entrar na casa, algo que um estranho gato falante recomenda à menina.

A partir do momento em que a menina entra na casa, o jogo efetivamente começa. Na prática, The Witch’s House é um jogo de puzzle com fortes elementos de terror. Ele não tem o elemento de gestão de itens que um jogo survival horror costuma ter, e se limita exclusivamente a prover alguns quebra-cabeças para que a menina chegue ao quarto da bruxa que vive na casa, e que fica no último andar.

Durante esse processo, entretanto, o jogo oferece alguns sustos fortes, o que eu acho um feito mais ou menos excepcional, considerando que a estética de The Witch’s House é feita no RPG Maker, e tem uns recursos bem limitados a fofuras. O jogo nem mesmo usa sons altos para dar susto, o que é uma estratégia clássica para assustar o jogador. É tudo baseado em animações inesperadas.

Esses sustos normalmente acontecem se o jogador não prestar bastante atenção nas condições dos puzzles e cometer algum deslize, ou então não ligar para algum aviso, como uma marca de sangue aparecendo na parede. Ou seja, há ameaças que dependem de certo comportamento do jogador, e há aquelas que vão ser ativadas pelo próprio progresso no jogo. Por isso, é essencial ficar atento e fazer algo só quando houver certeza do que se está fazendo.

Claro, há também a possibilidade de jogar The Witch’s House com base em tentativa e erro, e, no começo do jogo, é bem normal jogar dessa forma, já que as regras não estão bem estabelecidas. Mas, conforme o jogador abandona o primeiro andar da casa, o raciocínio dos puzzles e das ameaças já está bem definido.

Os puzzles do jogo são bem inteligentes, embora simples. Eles sempre requerem andar de um lugar para outro coletando itens ou resolvendo charadas, mas também interpretando dicas enviesadas, que revelam apenas parte da solução. Seguir algo ao pé da letra pode significar morte imediata e essa multiplicidade de interpretações é algo que faz com que os puzzles ganhem uma complexidade que as próprias mecânicas do jogo não permitem. É um uso inteligente da lógica para fazer valer ao máximo aquilo que certas mecânicas têm a oferecer.

É importante explicar também o conteúdo desses puzzles, que normalmente envolvem apenas recolocar itens e mexer em certos objetos da casa, mas há algumas coisas bem sombrias, como mexer em corpos mortos e, em diversos momentos, o jogo vai obrigar o jogador a fazer algumas coisas bem macabras, como insinuar mutilação ou até o assassinato de algumas das criaturas que vivem naquela casa.

Esses elementos macabros dão um tom muito especial ao jogo, como se coisas horríveis precisassem acontecer para o jogador progredir e vencer. Em diversas ocasiões, eu fiquei relutante em completar certas ações para solucionar algum puzzle, e constantemente o jogo me deixou com a sensação de que eu estava atravessando uma série de limites que eu não deveria atravessar.

E essa sensação está na base da própria história do jogo, de que eu vou falar agora – então, um último aviso para quem quiser discutir só depois de jogar The Witch’s House. Vamos lá. Esses puzzles de conteúdo tão macabro, que fazem o jogador se sentir um tanto desconfortável, são a principal pista para que o jogador entenda exatamente o que está se passando na história de The Witch’s House.

Para começar, é preciso dizer que esse jogo é um dos grandes exemplos de minimalismo narrativo em jogos. Afinal, o que o jogador sabe sobre a menina que ele controla? Nada. Apenas que ela acorda no meio de uma floresta e entra numa casa em que praticamente tudo está tentando matá-la.

Contudo, os próprios atos da menina, resolvendo alguns puzzles de forma muito perturbadora, acabam chamando a atenção para a pergunta: será que essa menina é realmente uma mocinha na história? No final verdadeiro do jogo, nós descobrimos que não; na verdade, ela é a bruxa, que enganou uma menina inocente para trocar de corpos com ela. A pobre menina só está usando a casa para evitar que a bruxa faça algo com seu pai.

E aí está a questão mais interessante de The Witch’s House: o jogador controlou a vilã o tempo todo, uma vilã extremamente sádica, cuja última aparição na história é rir da desgraça da pobre Viola, que levou um tiro na cabeça do próprio pai que ela tentava tanto proteger.

Mas, não é só isso: há textos escondidos que revelam que a própria Ellen, a bruxa, arrancou os olhos e as pernas para que a Viola não pudesse se mexer direito depois da troca de corpos, e depois deu ácido a ela, para que ela perdesse a língua e não pudesse contar nada a ninguém.

O final desse jogo é uma das coisas mais chocantes que eu já vi num jogo até hoje, porque ele apresenta uma protagonista vilã irredimível, que age apenas pelo mal. Nem os vilões de um jogo como GTA ou Song of Saya vão tão longe, porque eles, pelo menos, têm motivações humanas. No caso da Ellen, há um prazer no mal que transcende qualquer vilão que eu já tenha visto num jogo até hoje. Se alguém conhecer algum do mesmo nível, por favor, me fale aí nos comentários.

O mais interessante, entretanto, é que o jogador só descobre isso no final verdadeiro do jogo, algo que ele pode perfeitamente perder se não prestar atenção em tudo e que, no momento em que acontece, não é mais evitável ou consertável. Aliás, considerando as regras que o jogo te dá, o único jeito de não praticar um mal irredimível seria simplesmente não jogar The Witch’s House, mas isso é uma não solução à la The Stanley Parable.

Isso faz com que o jogador tome parte nos atos maléficos da Ellen, e se sinta um pouco responsável por eles, e impotente por não poder ajudar a Viola. Aliás, vasculhando a internet, eu achei muitos e muitos depoimentos de gente que não gostou do jogo porque não havia um final em que a Viola poderia ser salva. O único final aceitável seria o da ignorância, em que a identidade da menina não se revela. Mas, se você conhece a história do jogo, você sabe que ela é a Ellen desde o início. É um dos maiores casos de impotência da história dos jogos, talvez superior em execução a Gone Home.

E essa é uma comparação interessante que eu queria continuar fazendo: Gone Home é uma obra importante porque joga justamente com o fato de que a protagonista não tem como mudar a situação da irmã – no fundo, a experiência do jogo é apenas um esforço para entender uma história; no final, nada foi alterado.

The Witch’s House segue uma tendência completamente oposta, mas alcançando efeito parecido. Em vez das ações da menina serem inúteis, elas são as responsáveis por levar o jogador ao efeito exatamente oposto ao que ele queria, que era salvar a menina. Isso faz o jogador se sentir algo enganado, traído e impotente.

Mas, o jogo não enganou ninguém; as pistas estavam todas lá desde o início, mas fazem sentido só no final. O jogador se engajou no mal apenas porque seguiu o seu impulso de sair resolvendo problemas sem saber exatamente porque estava fazendo isso – apenas porque é isso que se faz num jogo. Seria algo semelhante a pegar um livro e ler, colocar um filme no aparelho de DVD e dar play, etc.

A diferença é que video games são uma mídia interativa, elas simulam decisão e uma posição ativa da parte do consumidor da experiência, e o que o jogo está dizendo é que isso deveria implicar uma maior consciência da parte do jogador. O raciocínio não deve se limitar apenas a decidir qual é a ação mais vantajosa, e sim se o próprio impulso de agir sem conhecer a situação é algo ético ou não.


The Witch’s House é como um manifesto que pede um jogador diferente, alguém que não esteja apenas predisposto a seguir as regras que o jogo dá, ou a viver estritamente como lhe ensinam. Com esse tipo de jogador, talvez nós tenhamos jogos diferentes, que permitam um nível de decisão ainda mais profundo, e um mundo de pessoas que prezem mais pela reflexão. Do contrário, nós continuaremos sendo enganados pela Ellen, como a Viola e todo jogador de The Witch’s House acaba sendo. É um jogo que expõe uma consequência funesta do impulso ativo que todo jogador tem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário