sábado, 23 de janeiro de 2016

Dark Souls - Pensando sobre o jogo



Olá! Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje eu vou falar de Dark Souls, jogo lançado em 2011 pela From Software para PS3, Xbox 360 e PC. Eu acredito que, de todas as sugestões que eu recebi até hoje aqui no canal, a mais frequente foi falar de Dark Souls, e finalmente chegou o dia, depois de muito tempo jogando. E esse muito tempo certamente será recompensador, já que existe muita coisa para falar sobre esse jogo.

Antes de começar, entretanto, eu gostaria de dar alguns avisos. O primeiro é que eu joguei Dark Souls no PS3, e, portanto, eu mencionarei problemas dessa versão que podem ter sido resolvidos em outras plataformas, especialmente no PC. O segundo aviso é que eu joguei Dark Souls com a expansão Artorias of the Abyss, o que, na prática, significa o mesmo conteúdo da versão de PC.

O terceiro aviso é que eu vou falar frequentemente de Demon’s Souls, o predecessor de Dark Souls e, por isso, eu recomendo a quem não o conhece ou não lembra muito de como ele é que veja três vídeos que estão indicados na descrição do vídeo: um é do canal Gameempauta, o outro é do canal do Romain e o terceiro é meu mesmo, provavelmente o menos instrutivo dos três.

Por fim, o quarto aviso é que este vídeo terá um verdadeiro universo de spoilers, porque eu pretendo entrar bastante no mérito da história de Dark Souls, do tratamento dos NPCs, enfim, da capacidade do jogo de construir uma narrativa e, por isso, eu vou mencionar diversas coisas que estão escondidas no jogo. Portanto, se você não jogou Dark Souls ainda, ou simplesmente não gosta de spoilers, pode fechar o vídeo aqui. Eu agradeço pela sua disposição de clicar nele, e eu entendo se você quiser preservar a sua experiência. Em grande medida, este é um vídeo para outros jogadores de Dark Souls.

Dito tudo isso, podemos começar. E vamos direto para os spoilers. Dark Souls não tem uma forma direta de narrativa, e raramente o jogo se põe a explicar coisas ao jogador e, quando ele faz isso, ainda faltam diversos pedaços de informação. O momento mais claro de narrativa direta do jogo é a introdução que aparece logo após a definição do personagem principal, e que eu vou passar aqui para vocês agora só para todos termos os detalhes dela mais ou menos claros antes da discussão começar. São só uns três minutos, então eu peço que vocês assistam.

Existem várias coisas a dizer sobre essa introdução, mas a mais importante delas é o seu caráter de lenda e quase de cosmogonia, já que ela se dedica a explicar o nascimento do mundo como o jogador vai conhecer. Vale, antes de tudo, comparar essa introdução com a de Demon’s Souls, que coloca a situação de um reino específico infestado, ou seja, é um caso isolado que, embora tenha repercussões em todo o universo, se encontra localizado num ponto só. Já em Dark Souls, o jogo procura se dedicar quase sobre o mundo inteiro, e esse fôlego épico é já dado aí.

Enquanto conteúdo, a introdução de Dark Souls me lembra muito escritos de teor religioso, com o tom de sua explicação do mundo remetendo ao tom da Bíblia e, principalmente, aos escritos de mitologia grega sobre o assunto. A coisa mais importante a ressaltar aqui é que, como nesses textos religiosos, o tom mítico não se importa muito em explicar os detalhes, e em Dark Souls funciona exatamente assim. Em nenhum momento é explicado quem criou a era antiga, com os dragões e as árvores, e muito menos quem criou o fogo ou as criaturas que o dominaram.

A era de fogo a que o jogo alude ao final claramente indica o começo da história humana, com o devido registro dos personagens que moldam o mundo e que são responsáveis pelo seu funcionamento. O fogo que esses personagens dominam é o responsável por criar as disparidades, o que é fundamental também para a mente humana, já que a gente sempre aprende por comparação. Nós só temos uma ideia do que é o frio porque nós também conhecemos o quente.

O fogo é uma peça central na mitologia grega, e está associado justamente ao início da civilização e ao domínio do homem sobre a natureza, e esse motivo é retomado em Dark Souls, porque a era de Fogo é justamente a era em que a civilização é construída, mas não pelos humanos, e sim por esses deuses que dominaram o fogo.

Entretanto, sem motivo aparente, o fogo começa a se apagar, o que é natural, na verdade, visto que todo fogo se apaga quando o combustível se esgota. Essa é a marca de que o jogo se propõe como histórico, deixando bem claro a marca do tempo e como o elemento que criou as regras do mundo não está imune a essas mesmas regras. O fogo também pode morrer. O processo que ele mesmo começou não pode ser parado.

Simultaneamente ao decair do fogo, mortos-vivos começam a aparecer, mas a introdução não deixa claro qual a relação entre o fim do fogo e essa maldição, deixando novamente as coisas em suspenso. Pensando exclusivamente nessa introdução, o tom é perfeitamente bem realizado, porque o seu ar de mito permite essa indefinição, e torna a narrativa cheia de mistérios. E, mesmo sem detalhes, o jogo deixa perfeitamente claro quem são esses personagens e o que eles representam.

Quando o jogo de fato começa, já se passou muito tempo desde que o fogo começou a decair, pelo menos mil anos. Por isso, o que a gente vê no jogo é só uma sombra daquele mundo da introdução, é só uma versão destruída, em que quase não há mais ninguém além de monstros.

Essa é uma saída muito interessante, porque casa perfeitamente com a forma de Dark Souls contar sua história. Enquanto em Demon’s Souls, a destruição data de alguns anos, em Dark Souls, o fim daquela civilização vem de séculos atrás, e faz mais sentido que o registro das coisas tenha se perdido, e só seja possível encontrar escassos pedaços de informação, que precisam ser descobertos depois de investigação cuidadosa. Com isso, o mundo de Dark Souls faz bastante sentido, o que aumenta a imersão.

Entretanto, eu acredito que esses elementos que eu citei são os únicos da técnica narrativa de Dark Souls que funcionam perfeitamente bem no jogo, e não apresentam nenhuma ressalva. O final é bem executado também, mas vamos deixar isso para o fim do vídeo. Por agora, vamos nos concentrar na narrativa de durante o jogo.

A primeira grande ressalva em termos de narrativa que Dark Souls apresenta é uma inconsistência forte nas regras do seu mundo no que se refere aos itens. No geral, os itens contam histórias de uma forma passiva e de uma forma ativa. A forma passiva funciona bem, e geralmente está relacionada aos locais em que eles aparecem. Faz sentido que cada item de Dark Souls esteja no lugar em que está e eles ajudam a contar a história.

Já a forma ativa não faz sentido dentro do funcionamento do mundo. Quando você coleta algum item, você pode checar a sua descrição no inventário, e muitos deles contam histórias que são absolutamente fundamentais para entender quem são os personagens que vivem em Lordran, o mundo em que se passa o jogo.

A existência dessas descrições não faz sentido, porque não existe a possibilidade de aquelas informações estarem contidas no item, e é claro que o seu personagem não sabe aquilo. De onde vêm essas informações? Elas vêm dos desenvolvedores para o jogador, sem a mediação do jogo. Para que elas fizessem sentido dentro da proposta altamente imersiva de narrativa de Dark Souls, seria preciso uma forma de conhecer o passado dos itens pelo jogo, talvez com NPCs que pudessem contar essas histórias, contanto que você tivesse o trabalho de coletar o item antes.

Isso cria uma incongruência de que Dark Souls nunca se livra, porque, na hora de limitar a informação para o jogador, a narrativa o coloca na posição de alguém que vive nos tempos em que o protagonista está, mas, na hora de fornecer informações pelos itens, a mecânica do jogo para isso coloca o jogador numa posição exterior ao mundo. Por isso, eu não consegui entender se Dark Souls quer que o jogador fique dentro ou fora do mundo, se quer que você encare a aventura como uma viagem da qual você faz parte ou como um jogo em que se controla um personagem, mas se assiste a tudo de fora.

A segunda ressalva da narrativa de Dark Souls é relativa ao tratamento das histórias e dos NPCs daquele mundo. Embora o tratamento dos personagens seja bastante coerente com a proposta do jogo, eu não consigo deixar de considerá-la limitadora e capaz de reprimir o potencial daquele mundo.

Durante toda a experiência de Dark Souls, seu personagem encontra diversos NPCs, seja hostis ou amigáveis, e cada um deles tem uma história e muitas delas são realmente interessantes, a ponto de você querer saber muito mais. Entretanto, o fato de o jogo preferir muito mais narrar do que mostrar acaba limitando o desenvolvimento dos personagens.

Em Demon’s Souls, isso era ainda pior. Alguns personagens só eram citados na introdução do jogo e numa batalha, e quase não há nada que nos faça conhecer o que aconteceu nesse meio tempo. Meu clássico exemplo para isso é a Maiden Astraea, que é citada como santa na introdução e depois se torna um demônio que você precisa vencer. Você pouco sabe sobre o que aconteceu com ela e, mesmo assim, as informações obtidas vêm de diálogos com outros personagens, mas você não vê as coisas acontecerem, as decisões sendo tomadas, e isso acaba limitando o potencial efeito que a presença desses personagens poderia ter na experiência do jogador.

Quando eu penso nesse aspecto de Demon’s Souls e Dark Souls, eu não consigo deixar de lembrar de Bioshock, que coloca uma situação semelhante para o jogador, mas a resolve de outra forma, que é mais efetiva, na minha opinião. Em Bioshock, você também ingressa num mundo em ruínas, em que há poucas pessoas capazes de fornecer informações.

Entretanto, quando você confronta um personagem significativo, geralmente você tem um tempo entre a introdução e o confronto, e nesse período você coleta gravações que contam como o personagem chegou ao estado em que chegou, e essas informações muitas vezes vêm de gravações do próprio personagem em questão. Com isso, nós vamos conhecendo esse personagem pelas suas ações e pelo seu pensamento. Quando nós o encontramos de fato, o impacto desse confronto é muito mais significativo para o jogador. É esse impacto que eu sinto que é negligenciado em Demon’s Souls e Dark Souls.

Em defesa de Dark Souls, é preciso dizer que a equipe da From Software detectou esse problema em Demon’s Souls e tentou criar um certo meio termo entre a marca registrada da sua narrativa e as possibilidades de mostrar mais os personagens. Com isso, nós acompanhamos algumas trajetórias de personagens durante a experiência e, conforme nós encontramos esses personagens, nós sentimos que os conhecemos cada vez mais. O maior exemplo disso é o arco do Solaire of Astora, que é um personagem que você encontra em diversos pontos do jogo e cujas ambições e sofrimentos você acompanha. Não à toa, ele é um dos personagens favoritos dos jogadores.

Ainda falando em Solaire, uma nova estratégia bem-sucedida no processo de criar uma ligação entre jogador e NPCs foi possibilitar que eles ajudem em certas batalhas, e é inevitável que você crie um vínculo com eles graças a essa ajuda. Nesse sentido, o Solaire se destaca novamente, mas esses personagens que ajudam nem sempre aparecem em outros contextos, e aí a eficácia dessa estratégia acaba sendo reduzida.

Mas, o desperdício maior nesse sentido para mim está nos chefes. Existe uma parte deles que parece tão potencialmente rica e que poderia criar uma narrativa memorável, e que simplesmente não é aproveitada, e, para quem gostou do jogo como eu gostei, isso soa como algo realmente triste. Foi assim com a Maiden Astraea em Demon’s Souls, e é assim em Dark Souls, com Artorias, Ornstein, Smough, Seath e outros.

Com tudo isso que eu falei, a narrativa de Dark Souls se caracteriza como extremamente ambiciosa, mas, ao mesmo tempo, toma decisões que limitam a sua eficácia e a tornam falha. Por isso, ela não é quase inexistente, como alguns falam, e também não é genial e revolucionária, como afirmam outros. Ela tem uma identidade própria, em que se misturam diversos acertos e erros.

Eu acredito que essa ideia de que Dark Souls tem uma identidade própria muito forte é, provavelmente, a coisa mais importante para entender como esse jogo funciona e como as suas decisões estéticas são tomadas. O jogo é claramente autoral, no sentido de que ele demonstra uma visão bastante focada e não tem medo de errar, porque acredita no poder dos seus acertos.

E, nesse sentido, o gameplay funciona como a narrativa, com decisões que demonstram confiança, mesmo que conscientes dos seus problemas. A parte mais importante da jogabilidade de Dark Souls está relacionada ao combate, em que os botões L1 e L2 representam os movimentos da arma da mão esquerda, enquanto R1 e R2 executam ações da arma da mão direita. Essas ações normalmente são mais lentas do que na imensa maioria dos jogos, de forma que o jogador sente o peso da sua decisão por alguns segundos.

Decisão é uma palavra importante no contexto de Dark Souls, porque praticamente cada ação do jogo consome a importante barra de stamina e, por isso, praticamente metade da ciência do combate de Dark Souls está na gestão dessa barra, o que reflete nas decisões de quando atacar, quando defender, quando rolar, quando correr, etc.

Uma decisão errada nesse sentido e o jogador é punido, o que normalmente resulta em grande dano, e até morte. Dark Souls não é tanto um jogo difícil, no sentido de que ele exige demais do jogador. Particularmente, eu sinto muito mais dificuldade em jogos que exigem timing preciso ou sequências de botões rápidas e exatas.

A dificuldade do jogo está em não se deixar levar pela empolgação e sempre encarar cada momento com cautela e atenção. Se o jogador se colocar nesse estado de espírito, o jogo raramente o deixa na mão. Há inimigos e armadilhas por toda parte, mas, se o jogador se colocar numa posição cautelosa, raramente será atingido. E, quando algum obstáculo parece intransponível, o jogo está dizendo que talvez aquele não seja o lugar para você ir naquele momento.

O grande drama para o jogador de Dark Souls está na punição ao morrer. Quando um jogador morre, ele perde todas as suas almas, que são a moeda de troca e a experiência para subir de nível, seus itens utilizados não voltam, os inimigos retornam da morte, a criatura que te matou fica com vida máxima de novo e você volta para o último checkpoint, normalmente bem longe de onde se morreu. É um conjunto bem grande de punições, voltadas para fazer o jogador levar cada movimento a sério e, em caso de vitória, sentir uma alegria bem grande.

Muitos jogadores reclamam desse conjunto de castigos que o jogo impõe e, em alguns casos, eles têm uma certa razão, especialmente quando o assunto é a distância dos checkpoints. Dark Souls tem como checkpoints as bonfires, em que o jogador também pode aumentar seu nível, reaver seus itens de recuperação de vida. Essas bonfires ficam bem distantes numa linha reta até o chefe da fase, mas o jogo tem uma série de atalhos que recompensam quem está disposto a explorar a fase para além do necessário.

Isso, em grande medida, já é um grande avanço em relação a Demon’s Souls que, embora também tivesse atalhos, ainda deixava os chefes bem longe e, em algumas fases, simplesmente não apresentava atalho algum. Porém, o problema em Dark Souls não é exatamente a distância, mas sim os inimigos já vencidos que voltam e que precisam ser vencidos para chegar até o chefe. Normalmente, esses inimigos são fracos e o jogador já aprendeu a lidar com eles e, por isso, eles se tornam tediosos, fazendo, muitas vezes, o jogador gastar mais tempo com eles do que com o chefe, que bate forte e pode fazer o jogador morrer em alguns segundos.

Muitos jogadores rebatem essa afirmação dizendo que se pode simplesmente correr dos inimigos e chegar no chefe mais rápido, mas isso é algo que eu considero uma falha de design, porque fugir de inimigos não é algo que o jogo de fato quer que você faça, ainda mais um jogo que prega tanta cautela e paciência. A saída para esse problema, para mim, se apresenta em duas escolhas possíveis: ou criar bonfires do lado do chefe, de forma que se possa retornar rápido à luta, ou criar inimigos desafiadores, que saibam dar trabalho todas as vezes que são enfrentados.

Exemplos práticos dessas duas soluções já são dados pela série mesmo: no caso de colocar inimigos difíceis, eu acredito que um mapa como as Catacombs realiza um bom trabalho, com inimigos que podem te alcançar rapidamente e, caso você dê as costas a eles para correr, você corre sérios riscos. Como exemplo de checkpoints ao lado dos chefes, o melhor caso é o caminho para os archdemons em Demon’s Souls, que, com uma exceção apenas, não apresentam inimigos e, ainda assim, oferecem experiências memoráveis.

Um argumento recorrente contra a colocação de bonfires ao lado dos chefes é que o respawn de inimigos é importante para o caso do jogador querer aumentar seu nível para ficar mais forte. Se esse for o caso, bastaria ao jogador retroceder; não é necessário colocar a bonfire em outro ponto.

Os inimigos em Dark Souls são esplêndidos em termos de design, tanto os chefes quantos as criaturas que rondam os cenários. Existem diversos tipos de criaturas, variando de humanoides normais e criaturas gigantescas, além de toda espécie de monstros, dos fofinhos aos ameaçadores, isso quando ambos fatores não se unem, como com Sif.

Em termos de inteligência artificial, entretanto, esses inimigos funcionam apenas parcialmente, e isso porque, embora Dark Souls seja criado com riquíssimas possibilidades de customização no ataque, o jogo não reage de forma apropriada às múltiplas opções.

Quem joga Dark Souls fica com a clara impressão de que o funciona em seu melhor quando o personagem decide partir para o combate direto, usando espadas, lanças, martelos, machados, etc. É nesses momentos em que a inteligência artificial funciona direito e é possível apreciar o desafio que o jogo apresentou. Entretanto, em outros casos, o jogo não sabe reagir corretamente.

Isso vale especialmente para os ataques a distância, geralmente executados por magos, clérigos ou pyromancers. Como a imensa maioria dos inimigos só segue o jogador até certo ponto, basta correr até esse local e, quando os inimigos virarem as costas, é só atacar de novo.

E ainda fica pior. Quando eu joguei Demon’s Souls, eu tinha um pouco de tudo: usava uma maça para atacar, mas tinha um arco, que eu usava bastante, além de magias e milagres. Meu caráter era extremamente versátil. Quando eu fui começar Dark Souls, decidi que iria usar apenas um arco e armas brancas, sem recorrer a magia até onde fosse possível.

Escolhi a minha classe voltada para isso, embora isso não importe muito, porque qualquer personagem em Dark Souls pode aprender o que quiser se souber evoluir seu personagem da maneira correta. E, quando eu começar a usar o arco, e especialmente depois que eu consegui obter bons itens, eu percebi que ele é uma arma que destrói a inteligência artificial do jogo.

A princípio, me parece que o arco deveria funcionar apenas para ações pequenas, como atirar em um inimigo à distância e fazê-lo vir até você, evitando que muitas criaturas lutem contra o jogador ao mesmo tempo. Entretanto, conforme o jogador obtém arcos e itens que permitem maior alcance, é possível matar um número enorme de monstros apenas com ele e, se a distância for realmente grande, a inteligência artificial nem será ativada, e os inimigos ficarão parados, esperando ser mortos.

E isso não acontece apenas com inimigos normais. Quando eu fui lutar contra a segunda forma do Ornstein, ficamos a uma distância média um do outro e ele começou a usar projéteis contra mim. Eu estava atrás de um pilar quebrado, e os projéteis não me atingiam. Eu, então, comecei a atirar flechas. Duzentas flechas atiradas depois, ele morreu, exatamente naquele mesmo lugar em que ele estava, atirando os mesmo projéteis que não me acertavam.

Por isso, embora o combate de Dark Souls seja bastante justo e funcional, ele não é balanceado de forma que a experiência seja igualmente bem realizada para todos os tipos de personagem. Se um jogador quiser experimentar o que Dark Souls tem de melhor e mais interessante, provavelmente é necessário seguir um caráter de combate a curta distância.

As coisas mais interessantes em Dark Souls, e que funcionam sem problemas por um bom pedaço do jogo, são o level design e os cenários. Uma das coisas que eu mais gosto no jogo é o fato de que ele funciona como um microcosmo. O jogo apresenta uma variação imensa de cenários, com locais altos ou nas profundezas; extremamente escuros ou claros; amplos ou estreitos, etc. Enfim, apesar de estar tudo muito perto, é como se o jogador visse um mundo inteiro durante a sua peregrinação.

E, para dar essa ideia de um mundo grandioso e coeso, o jogo fornece uma série de conexões entre áreas, que fazem o ato de achar esses caminhos um trabalho extremamente recompensador. Já no início do jogo, por exemplo, o jogador tem acesso a diversas áreas, e ele pode decidir por onde vai começar ou quais rotas prefere seguir. É uma liberdade muito grande dada ao jogador, ainda mais considerando que Dark Souls não é exatamente um jogo de mundo aberto.

Em termos individuais, embora alguns deles tenham problemas de queda na taxa de FPS, cada cenário é bem feito, bastante rico e variado, e apresenta uma variedade imensa de tesouros e caminhos escondidos que o jogador pode encontrar e que são extremamente benéficos para a progressão na experiência. Isso é especialmente claro até mais ou menos a metade do jogo, que é Anor Londo. Depois disso, entretanto, algumas áreas parecem excessivamente simplificadas, como é o caso de Demon Ruins ou Lost Izalith, que quase não têm atalhos e quase que são só linhas retas cheias de inimigos.

Aliás, em certo sentido, a primeira ida até Anor Londo e a batalha contra Ornstein e Smough parecem um divisor de águas no jogo em mais de um sentido, não apenas no level design. Esse ponto também parece a altura do jogo em que o desafio parece se tornar bem menor, já que armas e munições excelentes se apresentam ao jogador nesse momento. Daí em diante, o jogador pode se especializar da melhor forma que quiser, e, com isso, o jogo fica menos intenso.

Em termos de multiplayer, Dark Souls ainda conta com a possibilidade de ler e escrever mensagens para outros jogares, além do cooperativo e das invasões, que podem acontecer caso o jogador esteja em forma humana. Isso cria uma relação tensa: caso o seu personagem permaneça na forma de hollow, ele não pode ter ajuda de outros jogadores, mas, caso queira algum auxílio, terá que correr o risco de ser invadido.

Eu, entretanto, joguei no modo single player na maior parte do jogo, e fico feliz em dizer que os desenvolvedores tentaram incluir vários aspectos do multiplayer no próprio single player. Em determinados momentos, o jogador poderá invocar NPCs, como eu já falei, além de ser invadido por outros NPCs e até ser um invasor por um momento. Isso oferece uma ideia do que é multiplayer e pode convencer alguém mais voltado para o single player a dar uma chance ao modo on-line.

Tudo isso que eu falei até agora mostra como Dark Souls é uma experiência muito interessante, mas também cheia de problemas aqui e ali, que afetam a experiência como um todo. É um jogo cheio de defeitos, como que um diamante bruto, em que se vê grande valor, mas que precisa de reparos.

Em última instância, o resultado da experiência de Dark Souls varia muito de jogador para jogador, e isso é assim porque ele é um conjunto de riquezas e problemas e a forma de interpretar esse conjunto vai depender da forma como cada um acaba vendo o jogo. Como um todo, Dark Souls não é um absoluto sucesso ou um fracasso, ele balança entre um e o outro, sem decidir onde vai ficar.

Intencionalmente ou não, esse resultado do seu todo estético está na mensagem mais profunda que o jogo trabalha na narrativa. Durante o jogo todo, se o jogador souber encontrar os NPCs certos, ele é colocado com uma escolha: suceder Gwyn e manter o fogo aceso para sempre ou permitir que o fogo se apague definitivamente e a era das Trevas de fato comece. Existem diversas implicações para ambas, com seus prós e contras.

Manter a Era de Fogo significa parar o fluxo da história e manter os homens sob o domínio dos deuses, mas, ao mesmo tempo, significa manter longe a influência das serpentes primordiais e seus poderes devastadores. Já trazer a Era das Trevas significa finalmente libertar os homens dos deuses e permitir que a história siga, embora sem saber exatamente para onde; entretanto, o humano primordial, Manus, não parece muito melhor do que qualquer um dos deuses contra quem o jogador lutou.

A verdade é que não existe escolha certa; ambos os lados são ambivalentes. Durante o jogo, a impressão que se tem é que Gwyn foi o protagonista de uma era que, bem ou mal, foi fundamental para o desenvolvimento da humanidade. Se, ao observar as chamas acabando, ele teve medo do futuro, de um mundo sem seus poderes, isso é muito natural e humano. Ele tinha a capacidade de causa dor e progresso.

Essa ambivalência, de ter o bom e o ruim em si ao mesmo tempo, é o que está na base de diversos personagens de Dark Souls, e não apenas do Gwyn. O Solaire é seu grande companheiro na trajetória do jogo, mas ele também pode enlouquecer e te atacar; diversos NPCs que te ajudam acabam tentando te matar em algum ponto do jogo; Sif é um chefe num determinado ponto do jogo, mas é seu companheiro em outra batalha, etc.

O melhor exemplo dessa mensagem do jogo está na batalha contra Artorias. Artorias é um grande herói e que foi o enfrentar o abismo com o objetivo de salvar as pessoas. Entretanto, ao falhar, ele se torna mais uma criatura do abismo. De herói, ele passa a vilão. E, então, o jogador precisa vencê-lo. Quando ele finalmente consegue, seu ato é considerado uma coisa boa, como se o jogador tivesse libertado Artorias. A morte se torna algo bom. E Artorias, o herói da luta contra o abismo, passa de vilão para herói novamente. A mistura é constante.

E assim, ao final de Dark Souls, o jogador é colocado diante de duas possibilidades, e as duas são ambivalentes: elas poderão resultar em vantagens e problemas, e não é possível aceitar a parte boa sem a ruim. O jogador tem que fazer sua escolha consciente do peso das consequências.

O peso da consequência e a ambivalência são os dois aspectos mais importantes da experiência de Dark Souls: a consequência e a escolha estão na base de cada pequeno aspecto do gameplay, seja de para onde ir, quais armamentos usar, quais atributos priorizar, e até quando atacar, quando desviar, quando escolher determinada arma ou armadura.

Já a ambivalência tem a ver com a experiência como um todo: a história direciona essa mensagem, que sintetiza o jogo todo, com suas escolhas relativamente extremas, mas quase sempre conscientes dos prós e contras, e confiando nos seus acertos.

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