Olá!
Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Fallout, jogo de PC lançado em 1997 pela
Interplay Entertainment. Ele é um RPG muito agradável de jogar, e que aposta
muito em criar um sentimento de experiência única para cada jogador.
A
trama de Fallout acontece num futuro
pós-apocalíptico mais ou menos tradicional: no século XXI, acontece uma disputa
intensa por petróleo e urânio, que são, simultaneamente, o maior tesouro do
mundo e o combustível para as armas. Ou seja, riqueza significa poder e
vice-versa. Por conta do caráter limitado desses recursos, as nações declararam
uma guerra nuclear e, em questão de horas, a civilização como a conhecemos foi
quase totalmente destruída, com exceção das pessoas que conseguiram se abrigar
em algumas construções subterrâneas, chamadas de vaults.
Décadas
depois, o jogo começa. O protagonista pertence a uma das famílias que
sobreviveram ao se abrigar em um vault,
do qual ninguém jamais saiu. O vault,
em si, é autossuficiente, capaz de produzir seus alimentos e reciclar água.
Entretanto, num determinado momento, uma peça essencial para o processo de
reaproveitamento de água se quebra, e é impossível consertá-la. Alguém precisa,
então, ir à superfície e buscar uma reposição.
É
nesse ponto que o protagonista entra. Ele é especialmente destacado pelo líder
do vault para procurar essa peça num
intervalo de 150 dias, que é a quantidade de tempo possibilitada pelo que resta
de água ao vault. E essas duas
informações são os elementos iniciais e fundamentais de Fallout: o jogador precisa achar a peça necessária e só tem 150
dias para isso.
Isso
cria uma dinâmica muito interessante ao jogo e o distingue bastante dos outros
RPGs que eu conheço, porque jogos desse tipo geralmente gostam de dar tempo ao
jogador, para que ele possa explorar livremente e conhecer aquele mundo. Fallout, entretanto, deixa o jogador
sempre inseguro, sem saber se deve topar alguma missão, pois ela pode ser
secundária e, assim, atrasar o protagonista. Mas, essa mesma missão pode ser
fundamental para o progresso; o jogador nunca sabe.
Essa
sensação de desnorteamento é fundamental para a experiência inicial de Fallout, porque coloca o jogador bem
próximo da condição do protagonista. Supostamente, o personagem quer salvar
seus conhecidos com urgência, e ficaria agoniado em ser desviado dessa missão.
Deixando o jogador com o mesmo senso de urgência, o jogo consegue despertar o
sentimento exato para criar uma experiência altamente imersiva em termos de estabelecer
uma harmonia entre o sentimento do jogador e de quem ele controla.
Isso
é muito importante porque é uma lição interessante que Fallout deixa aos jogos de mundo aberto contemporâneos, que às
vezes criam situações de urgência e desespero na sua história, mas
imediatamente as suspendem para o caso do jogador querer fazer alguma side quest ou procurar algum colecionável.
Nesse tipo de jogo mais
liberal, cria-se uma separação entre o sentimento do personagem e o desejo do
jogador, o que prejudica a unidade da experiência, mas é algo tão comum hoje em
dia que muitos nem reparam. Fallout,
entretanto, busca essa ligação antes de tudo, porque, para Fallout, o mais importante é criar no jogador a sensação de que ele
está vivendo aquela situação. Nesse sentido, Fallout investe muito na ideia de role playing, de incorporar um papel, que está na sigla RPG.
Mas não é só limitando
que Fallout faz o jogador se integrar
à trama. A receita genial de Fallout
é justamente saber onde limitar e onde libertar o jogador, e a ideia de
liberdade no jogo é tão grande que é até difícil lembrar dos pontos em que o
jogo apresenta alguma limitação.
A primeira grande
liberdade de Fallout é na criação de
personagens. No começo do jogo, são oferecidos três padrões de personagem para
o jogador escolher. Cada um deles tem uma força e uma ou mais fraquezas, e o
mais importante é que escolher cada um deles ou criar um novo personagem do
zero implica jogar de forma totalmente diferente.
O primeiro momento em
que isso se dá é na divisão do jogo em atributos e habilidades. Existem apenas
7 atributos na criação de personagem, e eles têm relativamente pouco espaço de
variação. Entretanto, as habilidades são muitas e é nelas que o jogador reina
absoluto. Conforme o jogador cumpre missões ou sai vitorioso de combates, o
protagonista aumenta seu nível, liberando pontos para investir nas suas
habilidades e, assim, é possível criar um personagem exatamente como se quer.
A diferença entre focar
em atributos e focar em habilidades é que, se o foco está nos atributos, o
jogador só escolhe se o personagem vai ser mais forte, mais rápido, mais
sortudo, mais resistente, mais inteligente, etc. Isso pode resultar em experiências
diferentes, mas é tudo muito simples: se o jogador investe em força, o
personagem vai focar em combate; se investe em inteligência, o personagem usará
mais magia ou diálogos, etc.
Com o foco nas
habilidades, é possível criar um personagem multifacetado ou, pelo contrário,
incapaz de dominar toda uma área de conhecimento. Por exemplo: se seu
personagem em Fallout tiver alta
inteligência, pode significar que ele é bom em operar tecnologias, mas pode ser
que ele prefira focar em opções de diálogo, ou mesmo as duas coisas. Se o
personagem estiver focado em força, pode ser que ele seja especialista em
armas, mas talvez só em armas pesadas, e não em armas leves ou armas de laser.
Ao longo do jogo,
conforme o protagonista vai evoluindo, é possível torná-lo alguém ainda mais
complexo. Meu personagem, quando eu terminei de jogar, tinha foco em armas
pequenas, diálogos e um pouco de stealth.
Entretanto, ele era péssimo em armas pesadas, arrombamento e cura. Isso, claro,
sem contar as outras habilidades em que ele era mediano.
Resumindo, ao focar
mais num conjunto vasto de habilidades do que em atributos primários, Fallout cria múltiplas opções que, como
eu disse, deixam o jogador extremamente livre dentro da pesada restrição de
tempo que é imposta. Assim, enquanto o jogo cria uma história que sabe despertar
o sentimento certo no jogador, ele também dá a liberdade para fazer o jogador ficar
perfeitamente imerso, como se ele estivesse controlando um personagem próprio e
único.
Entretanto, isso
adiantaria muito pouco se a estrutura do jogo não possibilitasse que o jogador
pudesse moldar a sua experiência da sua forma. Um jogo como Deus EX: Human Revolution, por exemplo,
falha nesse conceito, porque, apesar de ser bem aberto a opções de diálogo e stealth, exige que o protagonista esteja
afiado no combate para vencer os chefes; do contrário, o jogador vai sofrer
muito.
Fallout
não comete esse erro, e o seu acerto é uma coisa absurda, que me parece quase
irreal quando eu paro para pensar. Para deixar muito claro, vou falar duas
afirmações: a primeira é que, até onde eu sei, o protagonista pode matar todos
os personagens do jogo; e a segunda é que é possível zerar o jogo sem disparar
um único tiro.
E, para além desses
extremos, o jogo permite todo um espectro que depende apenas do jogador, seja
pelos atributos e habilidades que escolheu, seja pela sua paciência de procurar
elementos que detalhem as opções. O fato é que a maioria das missões de Fallout, inclusive as da missão
principal, pode ser abordada de formas radicalmente distintas, a depender das
capacidades do personagem e da forma como o jogador planeja conduzir a
experiência.
Um exemplo simples: o
protagonista pode chegar numa cidade e ouvir o pedido de um líder que precisa
de ajuda com um bandido. Ele pode recusar e seguir o jogo tranquilamente; pode
aceitar sem pedir nada em troca; pode aceitar, mas tentando extorquir o líder
para obter o máximo de recompensa possível; e pode ir falar com o bandido, que
talvez ofereça uma recompensa se o protagonista matar o líder.
Esse caso que eu citei
parece mais limitado ao diálogo, mas as coisas podem ser bem mais complexas do
que isso. O protagonista pode ser colocado numa missão em que precisa alcançar
um determinado objetivo, e a forma primordial para obter êxito é o combate,
mas, se o jogador tiver as habilidades necessárias, ele pode conseguir o mesmo
resultado por meio do diálogo, usando conhecimento em tecnologia ou até
roubando e passando despercebido.
Isso faz de cada missão
de Fallout um tesouro de descoberta
impressionante: toda vez que eu acessava uma nova missão, ficava extremamente
curioso para saber que diversas formas de resolução ela permitia, e o jogo
praticamente nunca desapontou. Se eu tivesse que apontar algum momento em que
isso não se realiza perfeitamente, seria só na última missão, que tem uma das
opções de resolução meio mal-resolvida, mas é uma exceção, e não a regra.
Por coisas como essas, Fallout é o verdadeiro paraíso das
pessoas interessadas em jogar múltiplas vezes e testar as diversas
possibilidades do jogo. Chutando por baixo, eu acho que serio necessário jogar
três ou quatro vezes para explorar todos os caminhos. E tudo é tão diferente
que até choca; antes de fazer este vídeo, eu estava assistindo a trechos de um gameplay com um personagem sem nenhuma
inteligência e parece completamente outro jogo: enquanto o meu personagem, ao
conversar, tinha sempre umas três ou quatro opções de resposta, o protagonista
sem inteligência fica só falando “dã” e coisas parecidas.
Como eu não costumo
analisar as coisas pelo ponto de vista de quem gosta de jogar várias vezes, o
que mais me impressiona nessa estrutura de Fallout
são duas coisas: a primeira é como ele consegue fazer valer perfeitamente a
multiplicidade de habilidades e atributos na experiência toda; não há um
momento em que a experiência do jogador não esteja condicionada às escolhas que
ele assume. Até os personagens do mundo reagem ao protagonista de forma
diferente, dependendo das suas ações.
A segunda coisa que me
impressiona nessa multiplicidade de caminhos é como ela dá um sentimento de que
aquele personagem principal pertence ao jogador, é um reflexo das escolhas de
quem está jogando. Raros foram os jogos que me colocaram numa situação de
imersão tão forte, porque há espaço para o jogador pensar e se colocar no
personagem que ele quer criar. A qualquer momento, o jogador pode pensar “bem,
o que esse personagem faria agora?” e efetivamente executar o que achar
condizente.
A verdade é que todo o
mundo de Fallout é criado com a ideia
de oferecer opções. A principal é a que eu expliquei até agora: a
multiplicidade de habilidades e de opções de resolver um problema no jogo. Mas,
existem diversos outros elementos que são moldados com a mesma finalidade. Os
NPCs do jogo funcionam de forma parecida: em quase toda situação do jogo em que
há conflito de pessoas, cada parte envolvida oferece complexidade, seja de
caráter, seja de recompensa.
No mundo
pós-apocalíptico de Fallout, existe
todo tipo de NPCs: os dedicados ao roubo, os que praticam o comércio comum, os
que protegem alguns enquanto violentam outros, os que se dedicam à religião, os
que se voltam para a pesquisa científica, os que buscam entender a história,
etc. Todos esses personagens se inserem num mesmo mundo em que faltam recursos
e a lei do mais forte é o que impera.
E, embora Fallout padeça um pouco do mal de deixar
um pouco claro demais o que é o bem e o que é o mal dentro daquele mundo –
coisa que tramas pós-apocalípticas presentes hoje já superaram –, a trama do
jogo prefere se concentrar mais na perspectiva de que existem diversos tipos de
caráter do que na ideia de que bem e mal são uma questão de ponto de vista.
Nesse sentido, é um jogo de moral forte, mas que não policia moralmente o
jogador.
Por fim, a ideia da multiplicidade
de opções está presente também no próprio combate, que, como eu falei, é ele
mesmo só uma opção no jogo. Na prática, a mecânica de combate se dá por turnos,
com cada envolvido tendo uma certa quantidade de pontos de ação a serem gastos
em cada turno. Os pontos não usados até o final do turno se convertem em pontos
de defesa para o personagem.
Durante os combates, é
possível se esconder atrás de objetos, usar ataques específicos com uma mesma
arma, como atirar a esmo ou tentar um tiro preciso, além, é claro, de usar
itens e tentar fugir. As armas mesmo são muitas, com opções de combate corpo a
corpo, armas contemporâneas nossas e até armamento futurista. Todas essas
opções de combate são válidas e podem causar dano considerável. Vale dizer também
que, ao longo do jogo, o protagonista pode recrutar companheiros para segui-lo
em sua jornada, e eles efetivamente ajudam em combate.
Contudo, o controle do
jogador sobre esses NPCs é bem limitado; não dá para escolher qual arma ou
armadura eles usarão ou mesmo as estratégias deles em combate. Eles são
realmente personagens que estão lá para te ajudar, mas que não pertencem ao
jogador, por assim dizer. Em teoria, isso é uma coisa boa, porque a ideia de
imersão que o jogo permite não combina muito com parties de RPG tradicional. Entretanto, às vezes as burrices dos
seus parceiros são meio irritantes.
Fallout
é um jogo que controla o jogador desde o primeiro minuto depois da criação do
personagem. Existe um limite de tempo a princípio e as side quests não são tantas que possibilitem ao jogador uma ideia de
sand box. Entretanto, a quantidade de
opções colocadas em cada momento do gameplay
faz esse jogo ter uma complexidade que assusta, e que faz de cada momento uma
experiência que cada jogador sente ser sua. É um jogo agradável para os olhos e
ouvidos até hoje, quase 20 anos após o seu lançamento, e que, em termos de design, é mais atual do que nunca na sua
lição de que liberdade não precisa estar desligada da concisão e da unidade da
experiência.
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