sábado, 23 de janeiro de 2016

Lone Survivor - Pensando sobre o jogo



Olá! Bem-vindo ao canal TheasaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Lone Survivor, jogo desenvolvido pela Superflat Games e lançado em 2012 para PC; em 2013 para PS3 e PS Vita; e em 2014 para PS4 e Wii U. A partir de 2013, as versões do jogo foram ampliadas e consideradas “Director’s Cut”, e é dessas versões que eu vou falar.

Lone Survivor é um jogo que desafia uma série de conceitos estabelecidos sobre os jogos survivor horror e consegue entregar uma experiência interessante e criativa, e que inclusive pode servir como um exemplo muito rico para quem gosta de analisar o significado dos jogos.

Lone Survivor conta a história de um personagem sem nome, chamado apenas de “você”, que vive num prédio abandonado após alguma espécie de apocalipse zumbi, que não é explicada, até porque o protagonista não tem muita ideia de quando ou como tudo isso aconteceu. Nesse mundo, ele precisa se virar, achar mantimentos para sobreviver, fugir dos monstros e, quem sabe, escapar da cidade infestada.

Essa proposta me parece bastante tradicional e não está muito longe daquilo que outros jogos do gênero procuram produzir. Mas, o que chama muito a atenção e destaca Lone Survivor de seus semelhantes são a perspectiva e a estética do jogo. O jogo se coloca como em terceira pessoa num universo 2D, com um ou outro momento em que uma perspectiva 3D ameaça aparecer, quando é preciso se esquivar de monstros.

Essa estética afasta Lone Surivor da perspectiva tradicional do survivor horror em 3D, protagonizada pelas séries Resident Evil ou Silent Hill, e também da nova tendência que os jogos de horror têm seguido, que é assumir a primeira pessoa, como é possível ver em Amnesia, Slender, Outlast e outros.

Isso faz de Lone Survivor uma obra muito estranha dentro desse gênero, e eu confesso que eu não conheço nenhum jogo de terror que assuma essa perspectiva. Aliás, se alguém conhecer, fale nos comentários. E, não bastando a escolha pelo 2D, Lone Survivor se distancia ainda mais adotando um visual extremamente pixelado, e cria uma estética absolutamente nova, que eu, aliás, creio não ter visto até hoje também.

É difícil descrever exatamente como a parte visual desse jogo funciona, e provavelmente vocês podem perceber muito melhor apenas olhando o gameplay ao fundo do que eu posso explicar com palavras, mas é como se a unidade de pixel de Lone Survivor fosse maior do que a gente vê tradicionalmente, como se a imagem fosse ampliada.

Isso fica especialmente claro no protagonista e nos monstros, que aparecem sempre muito grandes na tela e deixam bem clara a quantidade de pixels que são necessários para construí-los. É como se o jogo tivesse uma espécie de imagem distorcida, um foco incorreto.

Isso pode parecer um erro estético, ou até mesmo um resultado do pouco dinheiro que jogos indie normalmente tem, mas, na verdade, essa estética estranha de Lone Survivor é extremamente significativa e manda uma mensagem imediata sobre a experiência do jogo. O visual distorcido já diz muito sobre o tema do jogo, que fala muito sobre ver e entender as coisas de forma errada, sem perceber todas as peças do quebra-cabeça.

O próprio 2D pode ser também interpretado como um sinal de perspectivas limitadas na compreensão do que está ocorrendo, o que também tem muito a ver com o conteúdo profundo de Lone Survivor. Enfim, é como se a parte visual do jogo já nos alertasse, desde o momento em que começamos, que o conteúdo ali não deve ser considerado de forma realista, e sim de forma distorcida e alegórica.

Por tudo isso, Lone Survivor é um dos jogos que mais consegue comunicar, por meio da sua estética visual, quais são as suas pretensões gerais e como se deve interpretar o jogo como um todo. Não é estranho ver jogos que usam o visual apenas como um apoio ou como um personagem lateral, que apenas ajuda a entregar a experiência ou cria uma marca visual que faz o jogador reconhecer aquele determinado jogo em qualquer contexto.

Lone Survivor é o oposto disso: é um jogo que busca comunicar todo o seu significado no visual. Talvez isso não fique exatamente claro para quem está jogando pela primeira vez, mas, em retrospecto, é impressionante a carga semântica que está contida apenas na estética visual.

Por tudo isso que eu disse, não deve ser surpresa eu dizer que Lone Survivor não é um jogo com pretensões realistas e que, na verdade, está o tempo todo apenas acompanhando a perspectiva do protagonista, e a mente dele está claramente perturbada por sonhos estranhos ou por alucinações que povoam o mundo que ele deve explorar.

Mas, em vez de essas alucinações fazerem sentido para o personagem e revelarem um pouco sobre quem ele é ou foi, elas aparecem como incompreensíveis para ele, o que deixa também o jogador sem entender exatamente o que está acontecendo por baixo dos panos daquele mundo. Isso cria uma motivação bastante grande para a experiência, e leva o jogador a buscar sempre avançar no jogo, para conseguir ter uma ideia do que realmente está acontecendo, mas ainda sem saber se essa descoberta vai salvar ou destruir o protagonista.

Lone Survivor tem vários finais, com a versão do diretor acrescentando mais alguns. No geral, qual deles o jogador vai ver ao final da experiência é algo que depende de como o protagonista se comportou naquele mundo durante sua jornada. Depois de visitar a wiki do jogo, eu percebi que nem o pessoal mais experiente tem uma ideia exata do quais são os fatores mais importantes a considerar para escolher seu final e como eles de fato afetam o final. Ainda existe um grande mistério no jogo, mesmo para quem já domina as mecânicas.

Eu não vou entrar aqui no mundo dos spoilers, mas o que eu posso dizer é que o final é determinado conforme o protagonista interage com o mundo ao seu redor e com os desafios que o cercam. E esses são inúmeros fatores com que o jogador precisa se acostumar. A primeira coisa a observar em Lone Survivor são as necessidades fisiológicas do protagonista, que se refletem em comer e dormir.

De tempos em tempos, o protagonista vai expressar seu cansaço ou sua fome e o jogador precisa tomar uma decisão: no caso de dormir, é possível forçar o protagonista a continuar progredindo, mas ele ficará progressivamente mais cansado e instável; no caso de comer, é preciso escolher entre alimentá-lo com frequência ou não, ou mesmo ainda escolher o que ele pode comer, já que os tipos de comida são muito variados no jogo.

Os desafios do jogo são baseados em como lidar com os monstros do cenário. Normalmente, eles estão espalhados por toda parte e ficam no caminho de objetos necessários para progredir. No começo, o protagonista apenas pode atrair os monstros para um lado e passar sorrateiramente até ir aonde quer; depois, é possível usar uma arma para matar os monstros e, mais adiante no jogo, você encontra sinalizadores, que não causam dano aos monstros, mas podem imobilizar vários de uma vez.

Os monstros são relativamente variados para o tamanho do mundo, oferecem diferentes métodos de ataque e apresentam um bom desafio ao jogador; cada um deles é uma ameaça respeitável, a não ser que você esteja decentemente preparado com os itens necessários.

No mundo que você explora, existem ainda algumas criaturas que parecem ser sobreviventes do apocalipse zumbi, e o protagonista pode escolher como interagir com elas, o que pode ou não incluir recompensas no gameplay.

O cenário do jogo afeta um mundo 3D, com diversas portas e ramificações, e, incrivelmente, isso se reproduz bem no ambiente 2D de Lone Survivor, porque é possível ao jogador ter uma noção mais ou menos correta de para onde está indo, mas nunca uma certeza total. Por isso, os cenários têm sempre algum elemento labiríntico.

Como eu disse, dependendo da forma como o jogador escolhe conduzir o gameplay, ele verá um final distinto e, em relação a isso, Lone Survivor parece ser extremamente bem-sucedido, porque, embora haja finais considerados bons e outros tidos como ruins, nenhum final parece fora da realidade para a experiência proposta; todos parecem válidos, fazem sentido e oferecem uma explicação do que foi a experiência toda.

Isso é uma característica muito importante em jogos cujos finais o jogador pode determinar e é uma característica que mostra o poder narrativo dos jogos: como o jogador pode imprimir a sua marca na narrativa e escolher os destinos dela, a narrativa desse tipo de jogo se torna algo menos preocupado em contar uma história específica, e passa a focar em armar um determinado cenário, com cada resultado dele podendo ser uma história igualmente poderosa e rica, porém diversa.

Isso é muito difícil de executar, e mesmo estúdios relativamente acostumados com a ideia de escolher um determinado caminho patinam quando chegam a esse ponto. Mass Effect 2 e 3 são dois exemplos que contêm problemas que podem vir de uma má execução desse conceito. No caso de Mass Effect 2, nós temos claramente um final bom, e todos os outros são variações do ruim, frustrando o jogador; já Mass Effect 3 apresenta finais que concluem corretamente, mas não soam como algo radicalmente variado e original.

Embora isso seja sempre discutível, para mim, Lone Survivor é capaz de entregar variação e satisfação em todos os seus finais e, se acabam incentivando o jogador a tentar outros procedimentos, é apenas na medida em que faz o jogador ver quão diversificadas são as possibilidades.

Por fim, antes de encerrar a análise, eu queria fazer um brevíssimo comentário sobre a forma alegórica do jogo, e talvez isso seja considerado um spoiler, embora eu ache que nada realmente fundamental é revelado. Por isso, eu gostaria dar este aviso a quem quiser eventualmente jogar Lone Survivor sabendo apenas o mínimo possível. Eu agradeço por você ter visto o vídeo até aqui. A gente se vê numa próxima análise.

A quem quiser prosseguir, vamos agora falar um pouco da estética narrativa do jogo. Como eu falei, a perspectiva de Lone Survivor é fortemente determinada pela condição mental do protagonista, que quase nunca sabe o que está ou não acontecendo e o que é ou não real. Isso cria um sentimento muito interessante porque é impossível determinar o que é real e o que é produto da mente do protagonista. Nos primeiros minutos do jogo, a sanidade do protagonista já é questionada, e é impossível confiar muito nele depois disso.

Isso cria uma experiência muito interessante ao jogador acostumado com jogos de perspectiva simbólica, que transpõe elementos do mundo real para o jogo, e que preza por aquela ideia de imersão simples, que tem a ver com transportar o jogador para uma determinada aventura.

Lone Survivor deixa sempre bem claro que as coisas podem não ser o que parecem e, com isso, o jogador está o tempo todo fazendo o exercício de interpretação de cada cena, de cada personagem, enfim, de cada elemento que faz parte da experiência. Por isso, é um jogo muito interessante, porque expulsa o jogador da imersão e pede que ele interprete, que mantenha uma posição relativamente distante e crítica. Ele faz isso melhor do que qualquer manual ou aula de análise poderia fazer.

E, com isso, Lone Survivor acaba sendo um jogo extremamente cerebral e cujo enredo acaba englobando diversos cenários distintos. No fundo, acaba sendo uma história sobre como a mente humana reage quando se encontra num mundo hostil, constantemente ameaçada e desconfiada dos outros e até de si mesmo.

E, por isso, eu acredito que acaba tratando de um sentimento que deve encontrar um certo eco em situações de depressão, suicidas, paranoicas e outras. É um jogo sobre o indivíduo, mas também sobre como esse indivíduo se relaciona com o mundo. E, sendo um jogo sobre pessoas, apesar de ter claramente um caminho que considera correto, ele consegue apresentar a diversidade que só o comportamento humano consegue.

E era isso que eu queria falar sobre Lone Survivor. É um jogo com cada elemento colaborando para criar uma poderosa experiência alegórica, que busca refletir um pouco sobre como agimos num ambiente hostil e assustador e como essas ações mexem com nossa individualidade.

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