Olá!
Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Tearaway, jogo da Media Molecule,
lançado em 2013 para PS Vita. Ele é um jogo muito belo e interessante, e
discute uma questão óbvia, mas que passa despercebida pela imensa maioria dos
jogos.
A
primeira coisa que o jogador vai poder notar ao começar sua experiência com Tearaway é a sua incrível beleza visual.
A exemplo do que acontece em Little Big
Planet, que é a série pela qual a Media Molecule ficou famosa, a estética
de Tearaway é toda baseada em tentar
se apropriar do visual de produções artísticas manuais. Enquanto, em Little Big Planet, me parece que a
ênfase dos materiais estava em tecidos e madeira, Tearaway nitidamente se foca em obras de arte com papel, como
dobraduras ou scrapbooks.
Nesse
sentido, eu acho que a estética de Tearaway
se moveu para um paradigma mais frágil do que o de Little Big Planet, e eu acho que isso tem algumas implicações
interessantes no que diz respeito à experiência do jogo: trabalhar com papel me
parece que evoca mais um sentimento de familiaridade ao jogador, porque eu
acredito que muito mais gente já tentou fazer dobraduras ou origamis do que
trabalhar com tecido ou madeira. Aliás, o jogo até incentiva o jogador a trazer
as formas de Tearaway à vida, com um site que fornece os modelos de coisas do
jogo para você imprimir e montar por si mesmo.
O papel é um dos
materiais mais presentes no nosso dia a dia, e evoca um pouco a nossa infância,
nossa época de escola, em que tanto mexemos com papel, dobramos, rasgamos,
pintamos, desenhamos, etc. E, evocando esse sentimento da infância, Tearaway acaba evocando também nossa
criatividade da época da infância. Pelo menos no meu caso, o jogo foi capaz de
desarmar muitas das minhas defesas de adulto e, assim, eu pude me surpreender e
emocionar com várias coisas do jogo. Eu acho que o primeiro passo nesse sentido
foi justamente essa escolha estética visual tão interessante.
Essa escolha de se
pautar pelo papel também deixa o jogador num estado de constante expectativa e
surpresa em relação ao design das
criaturas e cenários que ainda estão para aparecer. É sempre muito interessante
e divertido ver aquelas figuras construídas a partir de papel, um material tão
frágil e que consegue se transformar em coisas tão interessantes com a ajuda de
uma técnica afiada.
A trilha sonora do jogo
também não foge ao mesmo princípio e tenta dar um ar artesanal à experiência
toda. Falando como um total amador na arte de discutir música, a grande maioria
das faixas do jogo parece ser dominada por um só instrumento e, mesmo aquelas
que parecem mais complexas em composição, sempre dam um ar de simplicidade, sem
nenhuma pretensão de dar um tom épico a qualquer momento do jogo.
Por conta dessas
escolhas estéticas que permeiam toda a experiência, Tearaway já se torna um jogo cheio de alegria e simplicidade, que
ganha imediatamente o jogador e o conduz como quer por todo o tempo em que os
dois estão unidos. E, curiosamente, essa ideia de união, de entrega, é
justamente o tema do jogo todo, mostrando toda a estrutura amarrada que está na
base de Tearaway.
A história do jogo é
muito peculiar, por assim dizer. Na verdade, a trama parece completamente
inventada por dois NPCs que vivem num mundo de fantasia, e que estão cansados
de ouvir e ver as mesmas histórias se repetirem naquele mundo. Por isso, eles
pensam em uma coisa nova, algo totalmente inédito.
A forma de fazer isso é
convidando o próprio jogador para participar do jogo. E esse é o primeiro
elemento central da trama de Tearaway:
o jogador desempenha um papel imenso dentro da história, mas não apenas
controlando um avatar dentro daquele mundo, e sim sendo o próprio jogador.
A câmera do Vita é
acionada frequentemente para mostrar o próprio rosto do jogador, que aparece
num buraco no meio do Sol daquele mundo de papel. Os NPCs que guiam o início da
história mandam um convite para aquele mundo, com uma mensagem para o jogador.
E essa mensagem ganha vida, na forma de um mensageiro, que é o protagonista que
o jogador controla.
Esse mensageiro tem
como missão levar sua mensagem até o Sol onde está o jogador, mas ele nunca
conseguirá fazer isso sozinho; ele precisa do jogador, que deve usar suas
habilidades para fazer o mensageiro chegar lá. Você provavelmente pensou,
então, que precisa controlar o protagonista até o seu objetivo, e você está
certo, mas não param aí as interações de Tearaway.
O jogador não controla
apenas o mensageiro, mas também algumas partes do mundo de Tearaway e essas partes são controladas com a ajuda das
funcionalidades específicas do PS Vita. Assim, o jogo usa constantemente as
duas telas de toque do portátil, além do seu sensor de movimentos.
Mas, o uso dessas
ferramentas não é tão simples assim. Tearaway
utiliza essas funcionalidades para reforçar a experiência e a história que quer
contar. E isso se dá com o simples procedimento de fazer com que essas
interações sejam organicamente integradas ao que está de fato acontecendo na
tela.
Por exemplo: o jogador
vê um objeto gigante impedindo o avanço do mensageiro. Ele pode, então, usar a
tela de toque nas costas do Vita e arrastar seu dedo para mover o objeto. Se
fosse só isso, essa interação não teria nada demais. Entretanto, quando o
jogador arrasta seu dedo pela tela de toque, um dedo, parecido com o do
jogador, aparece dentro do jogo, rompendo o chão, e arrasta o objeto para
longe.
Isso pode parecer
apenas um efeito lateral, mas ele faz todo sentido dentro da proposta do jogo,
que é justamente a de o mensageiro e o jogador trabalharem juntos para que a
mensagem possa ser entregue ao destinatário. Dessa forma, mesmo nunca deixando
de ser jogador, a pessoa de alguma forma entra no mundo de Tearaway.
É um tipo de imersão
que, a meu ver, é completamente novo: o jogo não está tentando fazer você
esquecer que está jogando; ele quer que você pense que o ato de jogar é
justamente o que te coloca dentro daquele mundo. Você não deve esquecer que o
que está vendo é um jogo; deve lembrar disso mais do que nunca.
Esse tipo de interação
é bastante variado para o tempo do jogo e sempre tenta ser orgânico, de forma
que cada movimento do jogador pareça realmente concreto. Foi essa filosofia de game design que me fez pensar, pela
primeira vez, como as interações em jogos são abstratas. Você aperta um botão
para um personagem pular ou para dar um soco. Não há nenhuma relação concreta
entre uma coisa e outra. Existem esforços em outros sentidos, como o controle
do Wii ou os diversos acessórios na história dos jogos, mas eles parecem casos
isolados.
Embora Tearaway também tenha esse tipo de
interação abstrata, ele se limita ao controle do mensageiro, como se os
comandos fossem interpretados pela mente dele. Já as interações com as telas e
o sensor de movimentos funcionam exatamente como se o mundo levasse em conta a
existência física do jogador: você desliza os dedos para abrir um pacote de
papel da mesma forma que faria na vida real, ou então tomba o portátil para um
lado ou outro para fazer algum objeto se mover para esse lado. Tudo é pensado
para lembrar o jogador da sua identidade física.
Para além dos
controles, os NPCs do jogo estão fazendo referência constante à presença do
jogador, pedindo para ele tirar fotos, mandar sinais diversos para eles saberem
que o jogador está ouvindo e, principalmente, pedindo para ele fazer desenhos
que lhe deem algo importante.
A mecânica de desenho é
mais uma forma de o jogador participar do mundo de Tearaway. Em certos momentos, o jogador é levado para uma espécie
de mesa de desenho, em que ele pode selecionar papeis de cores diferentes e
cortar desenhos que servem para ajudar alguns NPCs, ou mesmo para criar alguns
adereços divertidos para o mensageiro.
Essa mecânica também
funciona pela tela de toque, e permite algumas coisas bem legais. Mesmo eu
sendo péssimo em desenho, gostei bastante de experimentar com as diversas
formas possíveis. Além dessa ferramenta, o jogador ainda pode usar alguns
desenhos já prontos se comprá-los com confetes que estão espalhados por todo o
mundo do jogo.
O mensageiro também tem
suas próprias habilidades, que geralmente estão restritas à sua movimentação
naquele mundo, além da capacidade de pegar e arremessar objetos, principalmente
os inimigos do jogo, os scraps. O
jogo não é desafiador, e esses confrontos funcionam mais como um momento
dramático para criar certo suspense ou para propiciar situações para o
mensageiro e o jogador serem úteis aos NPCs. De uma forma geral, Tearaway é um jogo muito relaxante.
A habilidade única do
mensageiro está na forma de uma câmera, que permite que ele registre os NPCs
com seus novos adereços, as belíssimas paisagens do jogo, devolva cores a
alguns objetos envolvidos em branco, e até faça selfies, que servem quase como um álbum de recordações do que
acontece no jogo, pois você tira fotos nos mais diversos momentos, e com
aparências distintas.
Isso novamente une
mensageiro e jogador, porque, como eu falei, alguns NPCs também pedem que o
jogador tire fotos de si ou do seu mundo e isso une o protagonista e o jogador
na dinâmica de um mesmo universo.
Todos esses elementos
da experiência que Tearaway monta tem
uma finalidade muito específica: criar um laço entre o jogador e o mensageiro,
ainda que os dois tenham a sua existência independente assegurada. A questão
não é fazer o jogador confundir sua existência com a do mensageiro ou
vice-versa. A ideia é fazer com que o jogador sinta que ele e o mensageiro são
amigos, parceiros numa missão comum, que é entregar a mensagem. Esse sentimento
se prolonga, e na verdade só aumenta até o final do jogo.
Essa proposta é
realmente audaciosa. A cada dia a gente vê mais jogos que prezam pela imersão,
que buscam um realismo gráfico sempre mais avançado, ou então um mundo permanente,
ou várias outras ferramentas para o jogador sentir que faz parte do mundo do
jogo, que ele se transportou para lá e agora está encarnado num personagem.
Há também aqueles jogos
que querem que você apenas comande as criaturas, e lembre sempre que está
jogando um jogo, e que aquilo é só uma experiência voltada para criar diversão,
sem que o jogador precise mergulhar no mundo proposto.
Tearaway
apresenta uma terceira via, algo único e revolucionário. O jogo não quer que o
jogador se sinta encarnado no mensageiro, mas também não quer que ele encare a
experiência que está vivendo como algo totalmente externo. A mensagem mais
profunda de Tearaway é que, quando
uma pessoa joga um video game, ela
não deixa de ser ela mesma, mas também não está imune ao que está acontecendo.
Quando jogamos um video game, fazemos um investimento
emocional grande, sofremos com as partes difíceis, comemoramos quando superamos
um desafio, rimos quando algo engraçado acontece. O fato de jogos serem uma
mídia interativa faz com que o envolvimento do jogador seja potencialmente
maior do que o de qualquer outra forma de arte.
E é desse envolvimento
que Tearaway fala: quando nós
começamos um jogo, nós investimos uma parte de nós no personagem que
controlamos; pode ser nosso tempo, nosso esforço, nosso raciocínio, nossas
emoções, o que for. Sem isso, o jogo não funcionaria. E, por sua vez, sem
aquele personagem para controlarmos, nós também não poderíamos fazer nada.
É desse contrato que Tearaway fala, dessa energia que nós
colocamos no jogo, e nas experiências únicas que eles nos proporcionam. De
alguma forma também, é uma declaração dos próprios desenvolvedores, que sabem
do poder do seu trabalho, e também precisam desesperadamente do jogador. Um
jogo que ninguém nunca jogou ou jogará nunca se realiza como jogo. E uma pessoa
que não joga não é jogadora, nunca se exporá a essas experiências únicas.
Por conta disso, Tearaway é o jogo que mais complexamente
usa metalinguagem, que usa um jogo para falar do que é jogar. Provavelmente, seu
irmão mais próximo é The Stanley Parable.
Entretanto, enquanto The Stanley Parable
foca especificamente a estrutura dos jogos, Tearaway
fala do impacto emocional de jogar, do que significa ser um jogador, do que
significa fazer jogos.
É uma experiência muito
simples, mas que emociona ao final, ao fazer o jogador perceber um pouco o
quanto o ato de jogar significa entrega, dedicação e disposição a se aventurar
por coisas diferentes.
E era isso que eu
queria dizer sobre Tearaway. É um
jogo incrível, belo e tocante, e também cheio de inteligência.
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