Olá!
Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Apotheon, jogo da Alientrap lançado
neste ano para PS4 e PC. Ele é um jogo muito interessante, com uma mecânica
bastante profunda e cheia de detalhes, e cria uma experiência épica cheia de
significado.
A
primeira coisa que chama a atenção no jogo é a sua estética, que representa os
personagens em preto e o cenário em cores bem pouco convencionais, como laranja
ou verde. Essa estética, na verdade, mimetiza as artes plásticas da Grécia
Antiga, que eram feitas em vasos. Se você não lembra de ter visto isso na vida
real, talvez lembre do filme Hércules,
da Disney, que cria alguns vasos com essa mesma estética. No jogo, ela cria uma
identidade única e bela, e que, além disso, já estabelece o clima de lenda
grega em que se passa o jogo.
Apotheon se passa na Grécia mitológica,
num suposto momento em que os deuses viram as costas para os humanos e negam
todos os seus benefícios, que são absolutamente vitais para a civilização e a
própria existência da raça humana. O jogador controla Nikandreos, um guerreiro
que acorda no momento em que sua cidade está sendo atacada por bandidos que
tentam pilhar o que resta daquela civilização. Com isso, ele se põe a lutar
para defender sua cidade.
Ao
conseguir triunfar sobre os inimigos, Nikandreos atrai a atenção de Hera, a
rainha dos deuses, que diz ser contra a partida dos deuses, explica ao herói
que o único jeito de a humanidade poder sobreviver é aniquilando Zeus e os
outros deuses do Olimpo e então recruta Nikandreos para esse trabalho. Graças
aos poderes de Hera, o protagonista ascende ao Monte Olimpo e tem como missão
obter tesouros dos deuses para aumentar seu poder e restaurar o mundo dos
mortais.
Se
você lembrou de God of War enquanto
eu fazia esse resumo da premissa do jogo, não foi por acaso, já que a ideia de
matar deuses da mitologia grega foi popularizada pelo jogo da Sony. Na verdade,
se você tiver boa memória, vai reparar que os dois jogos começam com quase a
mesma frase: em Apotheon, é “os
deuses abandonaram vocês” e, no primeiro God
of War, é “os deuses do Olimpo me abandonaram”. É uma semelhança
impressionante, e que, na verdade, já revela muito sobre a diferença entre os
dois jogos.
Em
God of War, essa frase revela que o
Kratos se sente pessoalmente abandonado e “pessoalmente” é o termo correto,
porque tudo se passa num nível muito pessoal na história de God of War. O que provoca o pacto de
Kratos com Ares é a ameaça de morte do espartano; o que muda a história da vida
dele é o assassinato da sua família; é especificamente dele que os deuses
precisam para matar Ares, o que calha perfeitamente com a vingança pessoal do
Kratos. E isso se repete pela série toda: tudo tem alguma relação com a vida
dele.
Talvez
os desenvolvedores de Apotheon
estivessem interessados em dialogar com a perspectiva de God of War ao retomar essa fala, mas eles a transformaram de forma
a mudar completamente o ponto de vista que pauta o jogo. A frase “os deuses
abandonaram vocês” implica grupo e não sujeito, e é justamente a ideia de grupo
que está na base de Apotheon: o
Nikandreos não luta por si, mas para salvar a raça humana, e isso fica explícito
até o final do jogo. Além disso, quando ele encontra Hera, fica bem claro que
ela não estava esperando por ele especificamente, mas por um guerreiro qualquer
que fosse capaz de vencer aqueles inimigos.
Esses
elementos só deixam claro que o Nikandreos não tem uma identidade forte, e que,
na verdade, não interessa contar a história da pessoa dele, mas dos feitos que
ele, representando a humanidade, foi capaz de executar contra os deuses. Como
os melhores heróis épicos da cultura grega, ele representa uma cultura, no
caso, a dos homens, que se rebelam por sua própria sobrevivência. O próprio
nome Nikandreos significa “homem vencedor”.
Aliás,
Apotheon, como um todo, parece ter
vindo de um estudo bastante amplo da cultura grega, embora tenha também, é
claro, uma perspectiva moderna. Afinal, histórias de humanos matando deuses não
fazem parte da mitologia grega. Entretanto, tudo que circunda essa premissa
parece muito condizente com a cultura que nós conhecemos.
Por
exemplo, a capacidade de um mortal ferir um imortal com a ajuda de outro
imortal está presente na literatura grega. Além disso, alguns deuses no Olimpo
deixam claro que os deuses não podem existir sem os humanos e, caso não tenham
sacrifícios ou pessoas para quem conceder seus dons, esses deuses perdem também
sua razão de existir e sua relevância. Essa relação de mútua necessidade está
presente também na cultura grega e está na base da visão do mundo em Apotheon.
Por
tudo isso, esse jogo é capaz de criar uma aventura que, embora absurda para os
padrões clássicos, parece retomar tantas coisas que quase soa plausível a sua
existência dentro desse cânone. E isso cria uma experiência muito instigante
para quem gosta dessa civilização antiga e gostaria de um jogo que soubesse
entender essa cultura. E tudo isso se encontra resumido no sentimento de
aventura épica que o jogo desperta.
A
grande inovação em termos de cultura grega que Apotheon procura criar é justamente nesse conceito de épico que
está na experiência do jogo. Segundo a mitologia, o Nikandreos pertence à
chamada Raça de Ferro dos homens, que é a que se passa depois da raça dos
grandes heróis gregos que a maioria das pessoas conhece, como Ulisses, Aquiles,
Édipo, Hércules e vários outros.
Na
Raça de Ferro, não existem propriamente heróis, mas sim homens dispostos a
trabalhar ou a agredir. Não existe grande proeza em batalhas ou grandes viagens
heroicas; existe apenas a vida comum. E aí é que se coloca a pergunta: como
fazer uma história épica de uma pessoa comum?
Apotheon responde a essa pergunta de
várias formas. A primeira é saber misturar perfeitamente a ideia de poder e de
impotência na figura do Nikandreos. Ao mesmo tempo em que ele é capaz de vencer
batalhas extremamente desfavoráveis, ele também é vencido com se não passasse
de uma criatura insignificante.
A
forma de ele superar essas situações é manter sua força de vontade e procurar a
ajuda de outras divindades. Os deuses gregos são um grupo cheio de tensões e
divergências, e não é raro um atrapalhar a vida do outro por diversão ou
vingança. Nikandreos precisa saber usar essas divergências para conseguir
aliados no momento certo.
Nikandreos
não tem a força absoluta de um Hércules ou Aquiles, e também não tem a
inteligência de um Ulisses e, por isso, ele frequentemente precisa de ajuda, ou
então deve mudar suas estratégias. E essas situações ajudam a criar o
Nikandreos como um herói falho, e que, ao mesmo tempo, representa os interesses
de muitos, de um universo em que homens e divindades sabem conviver
pacificamente.
Talvez
isso não seja propriamente novo num jogo, mas é bem curioso dentro de uma obra
que discute a cultura grega. É como um adendo interessante. Uma visão do que
seria uma aventura épica na época menos épica da mitologia.
Se,
por um lado, Apotheon relativiza
bastante as habilidades do protagonista, criando uma história épica diferente,
por outro, ela cria um mundo épico que dá uma ideia de imensidão e variedade.
Quando Nikandreos ascende ao Olimpo, ele pode viajar de lá até os reinos de
cada deus e cada um desses lugares funciona de uma forma diferente, segundo a
divindade que o comanda.
Assim,
o mundo de Atena exigirá raciocínio e habilidades de estratégia; o de Ares tem
muito combate; o de Hades exige tomar cuidados com os mortos, e por aí vai. O
jogador navega por um mundo 2D, com um estilo parecido com o chamado
metroidvania, em que se tem um mapa imenso para explorar conforme se avança,
mas Apotheon é um pouco mais linear
do que a maioria dos jogos desse gênero. Por exemplo, não há necessidade de
ficar retornando para os mesmos espaços, a não ser que seja para encontrar
algum segredo opcional.
No geral, assim que o
protagonista chega ao cenário novo, ele recebe indicações de objetivos a
cumprir para poder acessar a área do deus. Esses objetivos variam em cada
cenário e criam a sensação de variedade. Cada espaço de Apotheon tem objetivos específicos que condizem com o local. E o
ápice desse processo é justamente o confronto com cada um dos deuses, que
funciona de forma radicalmente distinta a cada vez. São momentos únicos, que eu
não vou spoilar aqui, mas que levam
em consideração a característica de cada inimigo para criar uma experiência
memorável.
E,
com isso, eu chego ao momento de falar do combate do jogo, que, para mim,
cristaliza essa experiência do épico de uma raça falha que eu descrevi até
então na história. Mecanicamente, Apotheon
parece se inspirar muito em Dark Souls,
o que se reflete bastante no esquema de controles, em que os botões de ombro e
os gatilhos são usados para o combate.
Além disso, existe uma
barra de stamina, que diminui sempre
que se dá um golpe. Entretanto, enquanto em Dark
Souls essa barra diminui ao fazer quase qualquer ação, em Apotheon ela só vale para o combate, mas
ela demora muito mais para recarregar, e, conforme você chega ao final dela, a
velocidade dos golpes fica menor.
A verdadeira influência
de Dark Souls que eu vejo em Apotheon, porém, é o fato de que cada
arma parece diferente e cada ataque exige planejamento e comprometimento,
porque, caso ele falhe, pode gerar grandes consequências. Em Apotheon, isso se reflete nas mecânicas
de distância de cada arma. Como cada uma delas tem um alcance diferente, é
preciso saber atacar na hora certa ou o ataque simplesmente não vai tocar o
inimigo.
Assim, um ataque de
lança precisa ser executado a uma distância maior que um ataque de espada, que,
por sua vez, se dá a uma distância maior do que um ataque de faca. Alie isso à
movimentação veloz que jogos 2D normalmente têm, e os combates em Apotheon se tornam uma espécie de dança
entre os lutadores, que precisam saber a hora exata de empenhar seu ataque, ou
então serão abandonados pela sorte.
Esse sentimento se
torna ainda mais forte com a dinâmica da durabilidade das armas. Toda arma em Apotheon pode quebrar e, na verdade,
inevitavelmente quebrará. Se o jogador usá-la por muito tempo ou golpear contra
escudos, ela quebrará. Isso faz com que o jogador precise se habituar a lutar
de várias formas e com equipamentos de vários tipos. Até os escudos podem
quebrar, e escudos distintos têm áreas de proteção diferentes. O combate em Apotheon é, então, bastante baseado em
improviso.
Isso é o completo
oposto do que existe nas histórias da Literatura Grega, em que cada herói tem
um arco único, uma armadura especial, ou um escudo memorável. Cada arma dos
grandes heróis gregos conta uma história e faz parte de quem o seu dono é. Como
Apotheon é o épico de uma geração sem
heróis, o Nikandreos não pode escolher que arma usar e os combates se tornam
uma mistura de habilidade e improviso. Em vez de se devotar a uma arma só, é
preciso ser eclético.
Por conta desses
elementos todos, todo combate em Apotheon,
mesmo os que parecem mais simples, podem se desenvolver em lutas complicadas,
caso o inimigo ou o jogador façam uma ou outra ação inesperada. Mesmo sendo em
2D e contando com uma barra de vida e itens consumíveis para recuperar HP, o
jogo tem uma mecânica de combate que soa muito realista e pouco heroica num
sentido mais estrito.
Não parece muito
heroico usar qualquer arma a seu alcance, de um escudo lendário a uma pedra no
chão, ou comprar armaduras no ferreiro do Monte Olimpo, ou armas no mercado
negro, ou arranjar itens especiais num baú escondido e que é preciso arrombar;
entretanto, vencer um deus gigante ou com armas muito superiores é algo heroico
e que dá uma sensação de épico que poucos jogos alcançam. Ajuda também que a
música é excelente e cria uma sensação de grandiosidade a qualquer momento de
luta.
Apotheon
cria uma experiência interessantíssima: quem gosta de cultura grega vai ver
nele uma interpretação moderna de mitos que ajudaram a criar a nossa
civilização, e que cria, tanto na história quanto nas mecânicas, uma ideia de
épico diferente, que alia grandiosidade e precariedade, força e fraqueza,
superação e dependência. É um jogo dos mais interessantes e que, enquanto jogo
que cria um universo consistente, é dos mais originais, mesmo que baseado numa
cultura de quase três mil anos atrás.
Se eu tenho algo ruim a
falar do jogo, é que ele tem problemas de otimização, que provocaram constantes
crashes enquanto eu jogava no PS4 e
aí eu precisava reiniciar o jogo. Isso nunca gerou perdas catastróficas, até
porque você pode salvar praticamente em qualquer lugar, contanto que não esteja
em combate, mas estar jogando e de repente ser expulso do jogo nunca é bom. Eu
honestamente espero que um patch saia
logo, porque a genialidade do jogo é grande demais para ficar limitada por esse
tipo de coisa.
E era isso que eu
queria dizer sobre Apotheon,
provavelmente uma das mais interessantes coisas já pensadas com base na cultura
grega nas últimas décadas.
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