Olá!
Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de That dragon, cancer, jogo desenvolvido
pela Numinous Games e lançado agora em janeiro para PC e Ouya. Em termos
estruturais, ele é um jogo muito simples e, no geral, desinteressante, mas que
se destaca pela temática única na nossa indústria, pela honestidade com que a
trata e que, em alguns trechos, faz com que a jogabilidade crie momentos de
impacto.
A
história de That dragon, cancer é uma
recriação lúdica de um evento dos dois principais envolvidos na criação do
jogo, um casal que perdeu o filho ainda bem pequeno por conta de um câncer. A
experiência tenta, então, contar um pouco sobre os sentimentos vividos por um
casal de pais vendo seu filho sendo lentamente vencido por uma doença terrível
e implacável.
Graças
à escolha de temática, o jogo já se destaca na história da nossa indústria,
pois é muito difícil encontrar um tema tão negativo e que causa tamanha
frustração e impotência, o que, claro, é o contrário dos sentimentos sobre os
quais a história dos jogos se construiu.
Para
tratar um tema tão pouco convencional nessa mídia, o jogo adota diversas
interações, que são abandonadas com frequência em favor de outras, que talvez
expressem a próxima cena de uma forma mais pungente. Isso reflete a própria
estrutura da história, que é contada em capítulos bem distintos. Assim, embora
o jogo prefira adotar uma mistura de mecânicas de jogos de exploração em primeira
pessoa e point and click, não é
estranho de repente passar para um quick
time event, para um minigame de
corrida, ou ainda para um trecho em 2D.
A
quem está jogando, o game parece uma
colagem, uma coleção de momentos, e talvez essa seja a sua pior escolha
estética, e isso em vários níveis. Em termos de jogabilidade, isso significa
uma multiplicidade de mecânicas, mas com nenhuma propriamente implementada de
forma satisfatória. Não raro a movimentação fica arrastada demais ou os
controles não são precisos o bastante.
É claro que um jogo
como That dragon, cancer não se
pretende um jogo de ponta no quesito jogabilidade, mas as limitações das
mecânicas perturbam o jogador num nível tal que ele acaba saindo da experiência;
ele nunca chega a ficar totalmente imerso, e isso é um problema quando o seu
jogo procura passar um sentimento. Para isso, é necessária uma jogabilidade que
funcione bem ou que simplesmente saiba se esconder e deixar o resto da
experiência brilhar. Em That dragon,
cancer, a jogabilidade é como uma pedra no sapato do jogador.
A ideia da coleção de
momentos complica muita coisa também em termos de história, porque o jogo
muitas vezes não dá o tempo necessário ao jogador para sentir o peso de cada cena
apresentada. Muitas vezes, o jogo parece querer comunicar os bons momentos que
uma criança com câncer pode viver e proporcionar aos seus pais, mas é tudo tão
rápido e comunicado por situações que não expressam uma beleza genuína ao
jogador.
Logo no primeiro
capítulo, por exemplo, o jogo abre a possibilidade de o jogador brincar com o
menino Joel, mas essas brincadeiras são quase que unilaterais, com o jogador
clicando uma vez e a brincadeira se realizando sozinha. Uma risada ou outra
pode dar uma satisfação momentânea ao jogador, mas isso acaba sendo muito pouco
em comparação com o que os pais queriam expressar e com aquilo de que o jogo
efetivamente precisava para funcionar.
Era necessário ter mais
tempo em cada cena, e planejamento para que cada uma deixasse uma impressão
suficiente no jogador, para que ele entendesse o conflito que o jogo gostaria
de expressar, que é a luta entre o amor dos pais pelo filho e o sofrimento que
a doença dele causa a todos.
E seria muito bom se
fosse possível realizar isso, mas o fato é que só as cenas negativas têm o
impacto necessário, e mesmo assim nem todas obtêm sucesso. Entretanto, para
além das limitações que a jogabilidade impõe, esses momentos deixam ver uma
honestidade no texto desenvolvido para cada um dos pais, que se dividem em como
encaram a doença do filho, entram em conflito, e se angustiam ainda mais por se
verem unidos na dor, mas, ao mesmo tempo, desunidos pela forma como lidam com
ela. Alguns trechos muito pungentes acontecem nesses momentos.
Há, porém, uma grande
cena no jogo, que eu considero muito poderosa, e que me deu a pista do que ele
poderia ser, mas só foi por breves momentos. Um dos capítulos do jogo coloca o
pai, que é o que encara a doença da forma mais negativa e angustiada, cuidando
do filho doente. Durante todo esse trecho, a criança chora e, por mais que o
jogador e o pai tentem, ela não para de chorar. Aliás, as coisas que o jogador
tenta fazem mais mal do que bem.
Assim, o jogador fica
preso no quarto, com aquele som irritante da criança; ele pode se mover pelo
quarto, mas se mover ou interagir com uma ou outra coisa não vão ajudar. É uma
sensação de angústia e impotência genuínas que acaba sendo passada ao jogador
de forma muito efetiva. É claro que a angústia de ter o filho entre a vida e a
morte é algo totalmente distinto, mas o jogo é feito justamente para capturar a
angústia da convivência com o câncer, e essa cena desperta exatamente esse
sentimento.
Infelizmente, o jogo
nunca vai conseguir replicar o alto nível que essa cena criou. E, pensando após
finalizar as duas horas que compõem a experiência, eu não pude evitar o
sentimento de que o jogo poderia ter sido mais livre e coeso mecanicamente, num
estilo de The Stanley Parable ou Everybody’s Gone to the Rapture, que
fornecesse uma base sólida de interação, mas com margem de manobra para muitos
trechos diferentes.
Como foi realizado, That dragon, cancer é como uma
experiência de liberação emocional para os pais que desenvolveram o jogo, e que
funciona apenas com pais, porque um pai pode acessar suas memórias emocionais e
preencher a frieza que as mecânicas superficiais criam. Enquanto um pai clica e
vê uma criança no jogo se movendo num balanço sozinha, ele pode lembrar de
quando levou seu filho ao balanço; quando o jogo mostra os pais conversando com
o médico, ele pode lembrar de quando levou seu filho doente ao médico pela
primeira vez, etc.
Nesse sentido, é algo
como Journey faz, permitindo ao
jogador colocar suas memórias e dar significado à experiência, mas Journey era muito mais bem-sucedido
nisso por criar uma experiência mecanicamente sólida e extremamente vaga em
termos de trama. That dragon, cancer
trata de uma situação muito específica e que precisava da devida construção
para criar a empatia necessária. Como está, é um jogo que depende demais das
experiências pessoais do jogador.
E era isso que eu
queria dizer sobre That dragon, cancer.
É um jogo inovador em tema, e cheio de honestidade e boas intenções, mas que,
apesar de construir cenas pungentes, tem muita dificuldade em comunicar
verdadeiramente os sentimentos que queria.
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