segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Call of Juarez: Gunslinger - Pensando sobre o jogo



Olá! Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Call of Juarez: Gunslinger, jogo da Techland, lançado para PS3, Xbox 360 e PC em 2013. Ele é um jogo competente nos fundamentos de um FPS, e que faz algumas coisas bem interessantes em relação à sua narrativa, o que acaba fazendo com que ele se destaque na nossa mídia.

Gunslinger conta a história de Silas Greaves, um caçador de recompensas que viveu no Velho Oeste americano, e que chega num bar e começa a contar histórias sobre suas aventuras. Tudo isso, claro, graças a um convite dos frequentadores do bar, que se oferecem a pagar bebidas ao velho Greaves em troca das histórias.

Eu fiquei bastante surpreso ao notar como Gunslinger tem um domínio bem grande do que significa criar uma história no Velho Oeste, e não é nem um pouco raro que o jogo faça referência ao estilo que a gente encontra nos filmes clássicos de western. Na verdade, todos os lugares comuns estão lá, e bem adaptados a uma estrutura de jogabilidade.

Gunslinger retoma o básico do que um FPS moderno faz: o jogador pode usar dois tipos de arma por vez, uma arma grande e uma pistola. A própria pistola pode ser usada em dupla, o que contribui bastante para o estilo western, que favorece um pouco o tiroteio desenfreado. Além disso, o jogador conta com dinamite para jogar nos inimigos e causar bastante dano.

De resto, o jogo tem as mecânicas básicas de mira, agachamento, corrida, recuperação de vida com o tempo, etc. A partir desses fundamentos, Gunslinger retoma outras mecânicas, que talvez não sejam propriamente típicas de um FPS, mas que cabem muito bem no gênero.

Primeiro, aparece a mecânica de pontuação, que oferece certos pontos a cada ação do jogador, conforme a dificuldade do feito: mortes comuns, tiros na cabeça, mortes com explosões, tudo tem uma pontuação específica, até atirar numa galinha andando pelo cenário. Essas pontuações ainda mudam se o jogador conseguir emendar combos e, quanto maior o combo, maior a pontuação será.

Essa mecânica, em si, não é nada demais, mas ela se encaixa perfeitamente no gênero do western, que sempre retrata cenas de bandidos sendo mortos em sequência e com velocidade, o que serve para construir a imagem de máquinas de matar que os grandes personagens do gênero sempre têm.

E o mesmo vale para a segunda mecânica interessante de Gunlinger, que é chamada de concentração, e nada mais é do que a possibilidade de diminuir a velocidade do jogo, permitindo mirar e matar diversos inimigos de uma só vez. Quem assiste western sabe também que os protagonistas, além de matarem muitos vilões em sequência, também são capazes de matar vários num piscar de olhos. Então, em termos de jogo, é uma mecânica bem coerente, e capaz de salvar o jogador em algumas enrascadas.

Além dessas duas mecânicas, Gunslinger ainda oferece outra ferramenta, chamada de pressentimento. Quando o protagonista está quase morrendo, ele ganha a possibilidade de diminuir a velocidade do jogo e ver uma bala sendo disparada em sua direção; se ele conseguir acertar a direção correta para desviar, a sua vida é recuperada e ele pode continuar o combate. Mas, é claro, isso só é possível de tempos em tempos.

Mecânicas como a do pressentimento são muito coerentes com a proposta do jogo, porque contextualizam um pouco a possibilidade dos grandes personagens do western de simplesmente desviarem de balas no último segundo ou mesmo escaparem ilesos de situações impossíveis. Enfim, como eu tenho mostrado até agora, Gunslinger se esforça excepcionalmente para criar um clima de western pelas suas mecânicas mesmo.

E nunca isso é tão claro quanto nos momentos de duelo do jogo. Como eu disse, em termos de design, Gunslinger é um FPS tradicional, com combates contra vários inimigos e até um chefe ou outro. De tempos em tempos, entretanto, o jogo propõe situações de duelo, em que o protagonista precisa matar um adversário como nos grandes filmes do gênero.

Para conseguir vencer um duelo, o jogador precisa estar atento a várias coisas. Primeiro, ele precisa ter o seu foco sempre no oponente, o que significa usar uma espécie de mira que precisa permanecer no adversário, mesmo com ele se mexendo constantemente. Segundo, ele precisa posicionar sua mão corretamente sobre a arma, para adquirir o máximo de velocidade ao sacá-la. Como estamos falando de uma situação muito tensa, é normal que a mão trema e pequenos desvios aconteçam; então, o jogador precisa estar atento a isso.

Por fim, o jogador precisa estar atento ao momento certo de sacar a arma. Se quiser matar de forma desonrosa, pode sacar primeiro; se preferir o modo honroso, tem que esperar o momento exato em que o inimigo saca sua arma. Nos casos em que o inimigo é muito mais rápido, ainda vai ser necessário um desvio de última hora para sobreviver e atirar.

Toda essa situação do duelo é muito interessante, porque eu acho que replica perfeitamente esse lugar comum dos filmes do gênero western: a tensão de não saber quem vai atirar primeiro, a concentração simultânea na arma e no adversário, os desvios impossíveis de última hora, etc. Está tudo lá, e de uma forma muito bem executada, que reflete com muita inteligência aquilo que é considerado essencial para o gênero.

Por conta desses elementos da jogabilidade, eu acho que Gunslinger fez um papel excepcional de se apresentar como uma verdadeira adaptação de um modelo de outra mídia para os jogos. Os mais diversos lugares comuns estavam lá, e não só como motivos narrativos, mas como mecânicas mesmo, transpostos de forma a fazer sentido dentro do jogo.

Mesmo sendo um jogo considerado curto e sem pompa nenhuma, Gunslinger consegue se igualar, nesse esforço de adaptação, aos jogos recentes do Batman, por exemplo. Então, considerando só isso, Gunslinger já seria um jogo extremamente memorável. Mas, não é só isso.

Para mim, o que realmente destaca Gunslinger é a sua narrativa. Como eu disse, a história do jogo é, na verdade, uma narrativa do Silas Greaves aos frequentadores do bar. E, graças a essa estrutura, o jogo vira um comentário incessante sobre o que está sendo contado e, assim, ganha uma autoconsciência muito interessante.

Flashbacks não são estranhos a nenhum tipo de arte narrativa: a gente vê em livros, seriados, filmes, e jogos. Mas, a forma mais comum de flashback é como um parêntese: para-se a cronologia normal, volta-se ao que se quer contar, e depois o fluxo normal é retomado.

Em Gunslinger, o fluxo normal nunca é abandonado, porque o jogo faz sempre questão de que o jogador se lembre de que a verdadeira história está se passando no bar naquele momento. Graças a isso, cenas que seriam só uma sequência de tiroteios acabam ricas com a construção dos personagens do Silas e dos que estão ouvindo a história.

Mais legal ainda é o fato de que esses personagens estão em constante tensão, já que a narrativa do Silas é das mais improváveis, pois é cheia de coisas impossíveis e feitos extremamente grandiosos para o padrão de western. Por conta disso, a plateia se divide entre ficar admirada com os feitos ou simplesmente achar que o Silas é um mentiroso.

Aliás, o próprio Silas já está um tanto velho e nem sempre se lembra das coisas corretamente, e isso acrescenta um elemento ainda mais interessante a Gunslinger, que é mudança da história em tempo real. Quando alguém corrige o Silas, ou ele mesmo se corrige, a trama simplesmente se reconstrói enquanto o jogador está jogando. É muito interessante, por exemplo, ouvir o caso do assassinato de alguns bandidos bem conhecidos, em que cada participante da mesa tem sua versão: o dono do bar tem uma, um dos rapazes conhece a história por um livro, e o próprio Silas tem a sua versão.

Por conta disso, o jogador acaba passando pela fase três vezes, mas cada uma delas é tão diferente, que acaba sendo algo totalmente novo. Em outros casos, elementos mudam radicalmente para se adequar à narrativa: o jogador pode estar num local cercado por pedras altas e, do nada, um caminho se abre para ele. Tudo isso dá um ar de inacabado e de inesperado aos eventos narrados, e nenhum jogador pode prever o que virá em seguida.

Mas, acima de tudo, essa estrutura de Gunslinger chama a atenção para o que se conhece como “narrador não confiável”, que é um narrador que conta coisas implausíveis, ou que simplesmente tem motivos para contar algo diferente dos fatos. Esses dois elementos se personificam na figura do Silas: primeiro, tudo que ele conta é altamente improvável; segundo, ele está contando histórias em troca de bebida, então é melhor que elas sejam muito empolgantes, mesmo que, para isso, a realidade tenha que ser abandonada.

Embora esse narrador não confiável não seja algo inovador em termos de narrativa, já que ele está presente em várias obras de arte, ele é relativamente raro em jogos. Aliás, se alguém conhecer mais exemplos, cite aí nos comentários, por favor. O fato é que a nossa indústria valoriza muito a ideia de imersão e, por conta disso, acaba abandonando qualquer forma diferente de narrativa, e isso inclui qualquer coisa que diga que o que está sendo contado é apenas uma mentira.

E, por conta disso, a nossa indústria recusa um instrumento muito interessante para criar situações inteligentes e empolgantes, como acontece em Gunslinger: cada discussão e cada mudança na estrutura da história é algo interessante e que deixa o jogador curioso para ver como tudo isso se resolverá.

E, além disso tudo, eu considero Gunslinger um comentário bem interessante sobre as tramas dos nossos jogos hoje, embora eu ache que isso vem mais da minha cabeça do que da intenção da experiência. É muito divertido ver alguém dentro de um jogo falando como aquelas situações narradas são absurdas, quando, na verdade, elas não são fundamentalmente distintas de uma parcela gigante das narrativas de outros jogos.

É sempre muito curioso como uma parcela bem significativa da nossa indústria cobra um realismo cada vez maior, especialmente na parte visual, mas se conforma com as mesmas histórias completamente absurdas que são contadas. Enquanto isso, num jogo sem nenhuma pretensão realista, como Gunslinger, essa discussão aparece de forma tão interessante. No fundo, o jogo deixa clara a questão de que talvez a gente não precise se questionar sobre realidade ou não na arte, e sim sobre como fazer de cada obra uma experiência realmente interessante.


E era isso que eu queria dizer sobre Call of Juarez: Gunslinger. Ele é uma excelente adaptação de um formato de outra mídia, e que ainda encontra oportunidades interessantes para se colocar contra a prioridade da imersão e do realismo na nossa indústria.

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