Olá!
Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Call of Juarez: Gunslinger, jogo da
Techland, lançado para PS3, Xbox 360 e PC em 2013. Ele é um jogo competente nos
fundamentos de um FPS, e que faz algumas coisas bem interessantes em relação à
sua narrativa, o que acaba fazendo com que ele se destaque na nossa mídia.
Gunslinger conta a história de Silas
Greaves, um caçador de recompensas que viveu no Velho Oeste americano, e que
chega num bar e começa a contar histórias sobre suas aventuras. Tudo isso,
claro, graças a um convite dos frequentadores do bar, que se oferecem a pagar
bebidas ao velho Greaves em troca das histórias.
Eu
fiquei bastante surpreso ao notar como Gunslinger
tem um domínio bem grande do que significa criar uma história no Velho Oeste, e
não é nem um pouco raro que o jogo faça referência ao estilo que a gente
encontra nos filmes clássicos de western.
Na verdade, todos os lugares comuns estão lá, e bem adaptados a uma estrutura
de jogabilidade.
Gunslinger retoma o básico do que um FPS
moderno faz: o jogador pode usar dois tipos de arma por vez, uma arma grande e
uma pistola. A própria pistola pode ser usada em dupla, o que contribui
bastante para o estilo western, que
favorece um pouco o tiroteio desenfreado. Além disso, o jogador conta com
dinamite para jogar nos inimigos e causar bastante dano.
De
resto, o jogo tem as mecânicas básicas de mira, agachamento, corrida,
recuperação de vida com o tempo, etc. A partir desses fundamentos, Gunslinger retoma outras mecânicas, que
talvez não sejam propriamente típicas de um FPS, mas que cabem muito bem no
gênero.
Primeiro,
aparece a mecânica de pontuação, que oferece certos pontos a cada ação do
jogador, conforme a dificuldade do feito: mortes comuns, tiros na cabeça,
mortes com explosões, tudo tem uma pontuação específica, até atirar numa
galinha andando pelo cenário. Essas pontuações ainda mudam se o jogador conseguir
emendar combos e, quanto maior o combo, maior a pontuação será.
Essa
mecânica, em si, não é nada demais, mas ela se encaixa perfeitamente no gênero
do western, que sempre retrata cenas
de bandidos sendo mortos em sequência e com velocidade, o que serve para
construir a imagem de máquinas de matar que os grandes personagens do gênero
sempre têm.
E
o mesmo vale para a segunda mecânica interessante de Gunlinger, que é chamada de concentração, e nada mais é do que a
possibilidade de diminuir a velocidade do jogo, permitindo mirar e matar
diversos inimigos de uma só vez. Quem assiste western sabe também que os protagonistas, além de matarem muitos
vilões em sequência, também são capazes de matar vários num piscar de olhos.
Então, em termos de jogo, é uma mecânica bem coerente, e capaz de salvar o
jogador em algumas enrascadas.
Além
dessas duas mecânicas, Gunslinger
ainda oferece outra ferramenta, chamada de pressentimento. Quando o
protagonista está quase morrendo, ele ganha a possibilidade de diminuir a
velocidade do jogo e ver uma bala sendo disparada em sua direção; se ele
conseguir acertar a direção correta para desviar, a sua vida é recuperada e ele
pode continuar o combate. Mas, é claro, isso só é possível de tempos em tempos.
Mecânicas
como a do pressentimento são muito coerentes com a proposta do jogo, porque
contextualizam um pouco a possibilidade dos grandes personagens do western de simplesmente desviarem de
balas no último segundo ou mesmo escaparem ilesos de situações impossíveis.
Enfim, como eu tenho mostrado até agora, Gunslinger
se esforça excepcionalmente para criar um clima de western pelas suas mecânicas mesmo.
E
nunca isso é tão claro quanto nos momentos de duelo do jogo. Como eu disse, em
termos de design, Gunslinger é um FPS tradicional, com
combates contra vários inimigos e até um chefe ou outro. De tempos em tempos, entretanto,
o jogo propõe situações de duelo, em que o protagonista precisa matar um
adversário como nos grandes filmes do gênero.
Para
conseguir vencer um duelo, o jogador precisa estar atento a várias coisas.
Primeiro, ele precisa ter o seu foco sempre no oponente, o que significa usar
uma espécie de mira que precisa permanecer no adversário, mesmo com ele se
mexendo constantemente. Segundo, ele precisa posicionar sua mão corretamente
sobre a arma, para adquirir o máximo de velocidade ao sacá-la. Como estamos
falando de uma situação muito tensa, é normal que a mão trema e pequenos
desvios aconteçam; então, o jogador precisa estar atento a isso.
Por
fim, o jogador precisa estar atento ao momento certo de sacar a arma. Se quiser
matar de forma desonrosa, pode sacar primeiro; se preferir o modo honroso, tem
que esperar o momento exato em que o inimigo saca sua arma. Nos casos em que o
inimigo é muito mais rápido, ainda vai ser necessário um desvio de última hora
para sobreviver e atirar.
Toda
essa situação do duelo é muito interessante, porque eu acho que replica
perfeitamente esse lugar comum dos filmes do gênero western: a tensão de não saber quem vai atirar primeiro, a
concentração simultânea na arma e no adversário, os desvios impossíveis de
última hora, etc. Está tudo lá, e de uma forma muito bem executada, que reflete
com muita inteligência aquilo que é considerado essencial para o gênero.
Por
conta desses elementos da jogabilidade, eu acho que Gunslinger fez um papel excepcional de se apresentar como uma
verdadeira adaptação de um modelo de outra mídia para os jogos. Os mais
diversos lugares comuns estavam lá, e não só como motivos narrativos, mas como
mecânicas mesmo, transpostos de forma a fazer sentido dentro do jogo.
Mesmo
sendo um jogo considerado curto e sem pompa nenhuma, Gunslinger consegue se igualar, nesse esforço de adaptação, aos
jogos recentes do Batman, por exemplo. Então, considerando só isso, Gunslinger já seria um jogo extremamente
memorável. Mas, não é só isso.
Para
mim, o que realmente destaca Gunslinger
é a sua narrativa. Como eu disse, a história do jogo é, na verdade, uma
narrativa do Silas Greaves aos frequentadores do bar. E, graças a essa
estrutura, o jogo vira um comentário incessante sobre o que está sendo contado
e, assim, ganha uma autoconsciência muito interessante.
Flashbacks não são estranhos a nenhum
tipo de arte narrativa: a gente vê em livros, seriados, filmes, e jogos. Mas, a
forma mais comum de flashback é como
um parêntese: para-se a cronologia normal, volta-se ao que se quer contar, e
depois o fluxo normal é retomado.
Em
Gunslinger, o fluxo normal nunca é
abandonado, porque o jogo faz sempre questão de que o jogador se lembre de que
a verdadeira história está se passando no bar naquele momento. Graças a isso, cenas
que seriam só uma sequência de tiroteios acabam ricas com a construção dos
personagens do Silas e dos que estão ouvindo a história.
Mais
legal ainda é o fato de que esses personagens estão em constante tensão, já que
a narrativa do Silas é das mais improváveis, pois é cheia de coisas impossíveis
e feitos extremamente grandiosos para o padrão de western. Por conta disso, a plateia se divide entre ficar admirada
com os feitos ou simplesmente achar que o Silas é um mentiroso.
Aliás,
o próprio Silas já está um tanto velho e nem sempre se lembra das coisas
corretamente, e isso acrescenta um elemento ainda mais interessante a Gunslinger, que é mudança da história em
tempo real. Quando alguém corrige o Silas, ou ele mesmo se corrige, a trama
simplesmente se reconstrói enquanto o jogador está jogando. É muito
interessante, por exemplo, ouvir o caso do assassinato de alguns bandidos bem
conhecidos, em que cada participante da mesa tem sua versão: o dono do bar tem
uma, um dos rapazes conhece a história por um livro, e o próprio Silas tem a
sua versão.
Por
conta disso, o jogador acaba passando pela fase três vezes, mas cada uma delas
é tão diferente, que acaba sendo algo totalmente novo. Em outros casos,
elementos mudam radicalmente para se adequar à narrativa: o jogador pode estar
num local cercado por pedras altas e, do nada, um caminho se abre para ele.
Tudo isso dá um ar de inacabado e de inesperado aos eventos narrados, e nenhum
jogador pode prever o que virá em seguida.
Mas,
acima de tudo, essa estrutura de Gunslinger
chama a atenção para o que se conhece como “narrador não confiável”, que é um
narrador que conta coisas implausíveis, ou que simplesmente tem motivos para
contar algo diferente dos fatos. Esses dois elementos se personificam na figura
do Silas: primeiro, tudo que ele conta é altamente improvável; segundo, ele
está contando histórias em troca de bebida, então é melhor que elas sejam muito
empolgantes, mesmo que, para isso, a realidade tenha que ser abandonada.
Embora
esse narrador não confiável não seja algo inovador em termos de narrativa, já
que ele está presente em várias obras de arte, ele é relativamente raro em
jogos. Aliás, se alguém conhecer mais exemplos, cite aí nos comentários, por
favor. O fato é que a nossa indústria valoriza muito a ideia de imersão e, por
conta disso, acaba abandonando qualquer forma diferente de narrativa, e isso
inclui qualquer coisa que diga que o que está sendo contado é apenas uma
mentira.
E,
por conta disso, a nossa indústria recusa um instrumento muito interessante para
criar situações inteligentes e empolgantes, como acontece em Gunslinger: cada discussão e cada
mudança na estrutura da história é algo interessante e que deixa o jogador
curioso para ver como tudo isso se resolverá.
E,
além disso tudo, eu considero Gunslinger
um comentário bem interessante sobre as tramas dos nossos jogos hoje, embora eu
ache que isso vem mais da minha cabeça do que da intenção da experiência. É
muito divertido ver alguém dentro de um jogo falando como aquelas situações
narradas são absurdas, quando, na verdade, elas não são fundamentalmente
distintas de uma parcela gigante das narrativas de outros jogos.
É
sempre muito curioso como uma parcela bem significativa da nossa indústria
cobra um realismo cada vez maior, especialmente na parte visual, mas se
conforma com as mesmas histórias completamente absurdas que são contadas.
Enquanto isso, num jogo sem nenhuma pretensão realista, como Gunslinger, essa discussão aparece de
forma tão interessante. No fundo, o jogo deixa clara a questão de que talvez a
gente não precise se questionar sobre realidade ou não na arte, e sim sobre
como fazer de cada obra uma experiência realmente interessante.
E
era isso que eu queria dizer sobre Call
of Juarez: Gunslinger. Ele é uma excelente adaptação de um formato de outra
mídia, e que ainda encontra oportunidades interessantes para se colocar contra
a prioridade da imersão e do realismo na nossa indústria.
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