Olá!
Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de The Unfinished Swan, jogo da Giant
Sparrow em parceria com o Studio Santa Monica da Sony e lançado em 2012 para
PS3 e em 2014 para PS4 e Vita. Ele é um jogo muito criativo, que trabalha com
um minimalismo estético muito rico e, graças a isso, cria uma experiência muito
interessante.
Antes
de começar a falar do jogo em si, eu vou indicar um outro vídeo sobre o jogo,
que eu acho que contribui bastante para destacar algumas das questões centrais
do game. Não é uma análise extensiva,
mas é um conjunto de impressões sobre os primeiros segmentos da experiência e
que pode dar uma visão um pouco mais imediata sobre como The Unfinished Swan consegue pegar o jogador de surpresa com a sua
estrutura. O endereço para esse vídeo está na descrição aqui embaixo. Se tiver
paciência, assista e depois volte aqui.
Bom,
vamos ao jogo em si. The Unfinished Swan
conta a história de Monroe, um jovem órfão que acabou de perder a mãe, e que
tem como única lembrança física dela um quadro inacabado de um cisne, que era o
quadro preferido da mãe dele. Numa noite, Monroe acorda no orfanato e percebe
que o cisne sumiu do quadro; ele, então, pega o pincel da sua mãe e entra por
uma porta desconhecida. Aí o jogo realmente começa.
E
esse começo é o momento mais provocador e bem executado de todo o jogo. Logo
após o fim da cutscene contando a
história do Monroe, o jogo já começa, mas tudo que o jogador vê é uma tela
branca, sem praticamente nenhum indicativo de que o jogo começou. Na verdade,
parece mais uma tela de loading que
nunca acaba até que o jogador decida tentar alguma coisa. E, testando os
botões, o jogador percebe que o jogo já carregou, mas ele se encontra em um
mundo totalmente branco, e que ele só consegue enxergar se pintá-lo com uma
tinta preta.
Por
isso, por um bom pedaço da experiência, The
Unfinished Swan vai ser composto por uma estética visual que mistura apenas
preto e branco, graças à qual o jogador vai poder distinguir o caminho certo a
seguir e o terreno e os objetos que o cercam. Há inúmeras coisas interessantes nessa
estratégia estética e de jogabilidade, e todas encaminham um jogo para algo
realmente poderoso.
A
consequência mais interessante dessa estratégia é que a própria criação do
cenário parece partir do jogador, ou seja, embora todo aquele mundo já esteja
construído, ele só passa a existir de forma significativa no momento em que a
tinta do Monroe o toca. Mas, claro, se não houvesse cenário, a tinta nada
poderia revelar.
Assim,
a própria estética visual e a jogabilidade de The Unfinished Swan parecem indicar algo como um meio do caminho entre
uma concepção de realidade pré-existente e uma realidade que parte do
indivíduo. Isso é especialmente interessante por dois motivos.
O
primeiro tem a ver com a nossa indústria e com um padrão muito antigo dela, que
é o de fazer o jogador se aventurar num determinado mundo criado para ele. Ou
seja: ao jogar um certo game, o
jogador assume um papel num mundo já estabelecido e aprende a dominar as suas
regras. Em grande medida, é um processo reativo: as ações do jogador são
determinadas pelas formas previstas pelo jogo, e que são determinadas antes
mesmo de ele ligar o video game.
É
claro que The Unfinished Swan também
é assim, pois essa é a natureza de toda forma de arte: toda obra é um conjunto
racional de elementos que, por isso, tem um significado, ou mesmo vários. Mas,
algumas obras conseguem esconder essa natureza e fazer o jogador sentir, por um
instante, que talvez aquele mundo não existiria sem ele e que a ação dele é
determinante. The Unfinished Swan é
uma dessas obras.
Embora,
conforme as regras do jogo, Monroe esteja apenas revelando uma realidade
pré-existente, é inevitável o sentimento de que ele e o jogador estão criando
aquele mundo ou, pelo menos, de que eles estão ajudando a criá-lo. Nesse
sentido, despertar esse sentimento pelo elemento visual foi uma jogada de
mestre, porque, mesmo em jogos em que o espectro de comandos do jogador e a
liberdade dada a ele são imensos, você ainda pode ver as formas do mundo desde
o início; talvez você veja também dicas de comando na tela, etc.
Em
Unfinished Swan, o jogador não vê o
mundo no momento de começar. Por isso, o sentimento de que ele inexiste é muito
mais poderoso – afinal, a maior parte do feedback
que nós recebemos de qualquer jogo se dá pela visão, pelas animações que o jogo
produz e a partir das quais o jogador reage.
Em
grande medida, a mensagem maior nessa estética é próxima da que está por trás
de Tearaway, ou seja: um jogo não
existe sem que o jogador possa jogá-lo, ele só se realiza com o esforço do
jogador. Para que a experiência dos video
games se realize, é preciso que existam desenvolvedores e jogadores.
Quebrar a ilusão imersiva nesse caso é muito interessante, e são raros os jogos
que fazem isso.
O
mais interessante, entretanto, é que isso não é um aceno ao jogador, como
acontece em Tearaway, mas faz parte
de uma história que, em nenhum momento, reconhece a existência dele. Quem está
pintando é sempre o Monroe. E isso se encaixa perfeitamente, porque, também na
história do jogo, o tema central é a necessidade de alcançar um meio termo com
o outro, de reconhecer que muito da nossa vida parte de nossos esforços e
experiências, mas muito também parte do mundo e das pessoas que nos cercam e
com quem nós interagimos.
Isso
se reflete, especialmente, na dicotomia entre branco e preto nas primeiras
fases. Como eu disse, o branco cobre todo o cenário e impede que o jogador
possa distinguir qualquer forma que seja. Graças à tinta preta, o jogador pode
começar a perceber os detalhes do terreno e do cenário.
O
que eu não falei ainda é que, se o jogador jogar tinta demais num determinado
local, o preto tornará os contornos quase tão indistinguíveis como o branco
antes fazia. Por isso, a ideia que o jogo reproduz nessa estrutura, que alia
mecânicas e estética visual, é que o jogador precisa dosar as suas ações
também, não é possível agir desenfreadamente; do contrário, perde-se algo.
Ou
seja, as mecânicas e o visual do jogo incentivam que o jogador encontre um meio
termo com o mundo, que é exatamente a mensagem que o jogo tem sobre a indústria
de games e sobre aquele mundo que ele
retrata. Um pequeno detalhe que eu acho extremamente interessante é que os
cenários desses primeiros trechos são construídos de forma que o jogador sempre
possa ver, de uma perspectiva panorâmica, o cenário pelo qual ele acabou de
passar, e que agora está todo pintado.
Esses são alguns dos
momentos mais belos do jogo, revelando o quanto o preto e o branco conseguem
criar quadros belíssimos. Aliás, The
Unfinished Swan parece um jogo concebido por pessoas que tinham claramente
alguns quadros na cabeça, porque a noção de enquadramento dos cenários é muito
correta e cria algumas paisagens que poderiam perfeitamente estar numa moldura.
Infelizmente, esse
poder expressivo tão contundente de The
Unfinished Swan dura apenas um quarto do jogo, mais ou menos, porque,
conforme a necessidade de variar a proposta e prosseguir com a história, o jogo
acaba deixando um pouco de lado a ideia de pintura e se torna um pouco mais
sobre outras coisas, que, embora curiosas e interessantes, não chegam ao alto
nível que a integração do começo do jogo permitiu.
As novas ideias que o
jogo propõe daí em diante continuam sendo voltadas para a mensagem principal da
história e para a experiência visual, mas nunca mais haverá uma integração
poderosa entre elas como há no começo do jogo. Os cenários seguintes pelo quais
o Monroe passará são mais variados e amplos do que o começo do jogo, mas eles
não têm o mesmo efeito significativo que acompanha a história.
Em termos de enredo, a
busca pelo cisne inacabado leva Monroe a um estranho reino em que um certo rei
lutava para tentar deixar as coisas sempre do seu jeito, e ele lutava contra o
desejo das pessoas para conseguir: o começo do jogo é todo branco porque o rei
não conseguia achar a cor certa para pintar aquele mundo; a segunda parte é
branca também, mas já tem sombras, que o rei criou para evitar que seus súditos
pintassem tudo para não se machucarem.
Mas, mesmo com todo
esse esforço de controle, ervas daninhas aparecem e invadem o reino, quebrando
a harmonia que o rei deseja e contra a qual os próprios súditos lutavam. Já a
terceira parte representa a fuga do rei e seu esforço de criar um mundo seu em
pequena escala, com uma família, que também é marcada por certa incompatibilidade
entre o controle e o idealismo do rei e os desejos da sua amada.
Enfim, a mensagem
profunda de The Unfinished Swan já
estava toda dada em seu primeiro segmento, mas ela é reforçada em diferentes
formas na história que se desenrola em toda a experiência: a ideia de que o
controle total, de que o indivíduo tentar ditar como tudo vai ser criado, é
algo errado e só traz frustrações, porque o resto do mundo sempre lutará de
volta para obter alguma independência.
Essa história é contada
com um tom de livro infantil muito belo e divertido, que se encaixa com o tom
do jogo e cria uma experiência belíssima e agradável, mas, para mim, ela sempre
é assombrada pelo começo genial da experiência, que é tão poderoso e é um
exemplo corretíssimo de como aliar mecânicas, história e visual para criar algo
realmente forte.
Quando eu penso na
experiência de The Unfinished Swan
como um todo, é como se eu visse uma grande ideia inicial, representada pelo
começo do jogo, que precisou ser alargada ou expandida, seja porque a mecânica
de pintar o cenário pareceu se esgotar mais rápido do que a história precisava,
ou simplesmente porque os desenvolvedores acharam que variedade é algo
essencial num jogo.
Nesse processo de
alargamento, entretanto, o brilho maior se perdeu e é como se o começo do jogo
se colocasse sempre como um desafio ao resto da experiência, como se a
desafiasse a superá-lo ou, pelo menos, a manter seu alto nível. E esse desafio The Unfinished Swan não foi capaz de
vencer.
Contudo, algo me diz
que os próprios desenvolvedores sabiam um pouco disso e, na parte final da
experiência, o jogador passa por tudo que já tinha vivido naquele mundo, como
se os desenvolvedores quisessem que o jogador pudesse relembrar de novo o poder
daquela experiência, dessa mistura tão interessante dos mais diversos elementos
de um jogo, que acabou formando um dos inícios mais impactantes da indústria.
The
Unfinished Swan é um jogo que foi capaz de criar um
começo de excelente qualidade, e que manteve um nível muito interessante até o
seu final, mas foi incapaz de acompanhar a própria genialidade produzida no
início. É uma bela história, que conta lindamente o esforço do homem contra o
mundo para conseguir deixar a sua marca e o quanto esse forço é,
simultaneamente, necessário e doloroso.
Além disso, seu visual
minimalista é extremamente belo, não importando as variações que ele proponha.
É só triste lembrar que, num determinado momento, esses dois elementos foram um
só e fizeram da experiência algo maravilhoso, mas depois se separaram. É quase
como se esse processo representasse involuntariamente os esforços do homem no
mundo: às vezes a realidade pode ser benevolente conosco e nos fazer sentir
como se estivéssemos no controle, mas, outras vezes, ela se revolta e parece
que lutamos contra ela.
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