sábado, 23 de janeiro de 2016

The Unfinished Swan - Pensando sobre o jogo



Olá! Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de The Unfinished Swan, jogo da Giant Sparrow em parceria com o Studio Santa Monica da Sony e lançado em 2012 para PS3 e em 2014 para PS4 e Vita. Ele é um jogo muito criativo, que trabalha com um minimalismo estético muito rico e, graças a isso, cria uma experiência muito interessante.

Antes de começar a falar do jogo em si, eu vou indicar um outro vídeo sobre o jogo, que eu acho que contribui bastante para destacar algumas das questões centrais do game. Não é uma análise extensiva, mas é um conjunto de impressões sobre os primeiros segmentos da experiência e que pode dar uma visão um pouco mais imediata sobre como The Unfinished Swan consegue pegar o jogador de surpresa com a sua estrutura. O endereço para esse vídeo está na descrição aqui embaixo. Se tiver paciência, assista e depois volte aqui.

Bom, vamos ao jogo em si. The Unfinished Swan conta a história de Monroe, um jovem órfão que acabou de perder a mãe, e que tem como única lembrança física dela um quadro inacabado de um cisne, que era o quadro preferido da mãe dele. Numa noite, Monroe acorda no orfanato e percebe que o cisne sumiu do quadro; ele, então, pega o pincel da sua mãe e entra por uma porta desconhecida. Aí o jogo realmente começa.

E esse começo é o momento mais provocador e bem executado de todo o jogo. Logo após o fim da cutscene contando a história do Monroe, o jogo já começa, mas tudo que o jogador vê é uma tela branca, sem praticamente nenhum indicativo de que o jogo começou. Na verdade, parece mais uma tela de loading que nunca acaba até que o jogador decida tentar alguma coisa. E, testando os botões, o jogador percebe que o jogo já carregou, mas ele se encontra em um mundo totalmente branco, e que ele só consegue enxergar se pintá-lo com uma tinta preta.

Por isso, por um bom pedaço da experiência, The Unfinished Swan vai ser composto por uma estética visual que mistura apenas preto e branco, graças à qual o jogador vai poder distinguir o caminho certo a seguir e o terreno e os objetos que o cercam. Há inúmeras coisas interessantes nessa estratégia estética e de jogabilidade, e todas encaminham um jogo para algo realmente poderoso.

A consequência mais interessante dessa estratégia é que a própria criação do cenário parece partir do jogador, ou seja, embora todo aquele mundo já esteja construído, ele só passa a existir de forma significativa no momento em que a tinta do Monroe o toca. Mas, claro, se não houvesse cenário, a tinta nada poderia revelar.

Assim, a própria estética visual e a jogabilidade de The Unfinished Swan parecem indicar algo como um meio do caminho entre uma concepção de realidade pré-existente e uma realidade que parte do indivíduo. Isso é especialmente interessante por dois motivos.

O primeiro tem a ver com a nossa indústria e com um padrão muito antigo dela, que é o de fazer o jogador se aventurar num determinado mundo criado para ele. Ou seja: ao jogar um certo game, o jogador assume um papel num mundo já estabelecido e aprende a dominar as suas regras. Em grande medida, é um processo reativo: as ações do jogador são determinadas pelas formas previstas pelo jogo, e que são determinadas antes mesmo de ele ligar o video game.

É claro que The Unfinished Swan também é assim, pois essa é a natureza de toda forma de arte: toda obra é um conjunto racional de elementos que, por isso, tem um significado, ou mesmo vários. Mas, algumas obras conseguem esconder essa natureza e fazer o jogador sentir, por um instante, que talvez aquele mundo não existiria sem ele e que a ação dele é determinante. The Unfinished Swan é uma dessas obras.

Embora, conforme as regras do jogo, Monroe esteja apenas revelando uma realidade pré-existente, é inevitável o sentimento de que ele e o jogador estão criando aquele mundo ou, pelo menos, de que eles estão ajudando a criá-lo. Nesse sentido, despertar esse sentimento pelo elemento visual foi uma jogada de mestre, porque, mesmo em jogos em que o espectro de comandos do jogador e a liberdade dada a ele são imensos, você ainda pode ver as formas do mundo desde o início; talvez você veja também dicas de comando na tela, etc.

Em Unfinished Swan, o jogador não vê o mundo no momento de começar. Por isso, o sentimento de que ele inexiste é muito mais poderoso – afinal, a maior parte do feedback que nós recebemos de qualquer jogo se dá pela visão, pelas animações que o jogo produz e a partir das quais o jogador reage.

Em grande medida, a mensagem maior nessa estética é próxima da que está por trás de Tearaway, ou seja: um jogo não existe sem que o jogador possa jogá-lo, ele só se realiza com o esforço do jogador. Para que a experiência dos video games se realize, é preciso que existam desenvolvedores e jogadores. Quebrar a ilusão imersiva nesse caso é muito interessante, e são raros os jogos que fazem isso.

O mais interessante, entretanto, é que isso não é um aceno ao jogador, como acontece em Tearaway, mas faz parte de uma história que, em nenhum momento, reconhece a existência dele. Quem está pintando é sempre o Monroe. E isso se encaixa perfeitamente, porque, também na história do jogo, o tema central é a necessidade de alcançar um meio termo com o outro, de reconhecer que muito da nossa vida parte de nossos esforços e experiências, mas muito também parte do mundo e das pessoas que nos cercam e com quem nós interagimos.

Isso se reflete, especialmente, na dicotomia entre branco e preto nas primeiras fases. Como eu disse, o branco cobre todo o cenário e impede que o jogador possa distinguir qualquer forma que seja. Graças à tinta preta, o jogador pode começar a perceber os detalhes do terreno e do cenário.

O que eu não falei ainda é que, se o jogador jogar tinta demais num determinado local, o preto tornará os contornos quase tão indistinguíveis como o branco antes fazia. Por isso, a ideia que o jogo reproduz nessa estrutura, que alia mecânicas e estética visual, é que o jogador precisa dosar as suas ações também, não é possível agir desenfreadamente; do contrário, perde-se algo.

Ou seja, as mecânicas e o visual do jogo incentivam que o jogador encontre um meio termo com o mundo, que é exatamente a mensagem que o jogo tem sobre a indústria de games e sobre aquele mundo que ele retrata. Um pequeno detalhe que eu acho extremamente interessante é que os cenários desses primeiros trechos são construídos de forma que o jogador sempre possa ver, de uma perspectiva panorâmica, o cenário pelo qual ele acabou de passar, e que agora está todo pintado.

Esses são alguns dos momentos mais belos do jogo, revelando o quanto o preto e o branco conseguem criar quadros belíssimos. Aliás, The Unfinished Swan parece um jogo concebido por pessoas que tinham claramente alguns quadros na cabeça, porque a noção de enquadramento dos cenários é muito correta e cria algumas paisagens que poderiam perfeitamente estar numa moldura.

Infelizmente, esse poder expressivo tão contundente de The Unfinished Swan dura apenas um quarto do jogo, mais ou menos, porque, conforme a necessidade de variar a proposta e prosseguir com a história, o jogo acaba deixando um pouco de lado a ideia de pintura e se torna um pouco mais sobre outras coisas, que, embora curiosas e interessantes, não chegam ao alto nível que a integração do começo do jogo permitiu.

As novas ideias que o jogo propõe daí em diante continuam sendo voltadas para a mensagem principal da história e para a experiência visual, mas nunca mais haverá uma integração poderosa entre elas como há no começo do jogo. Os cenários seguintes pelo quais o Monroe passará são mais variados e amplos do que o começo do jogo, mas eles não têm o mesmo efeito significativo que acompanha a história.

Em termos de enredo, a busca pelo cisne inacabado leva Monroe a um estranho reino em que um certo rei lutava para tentar deixar as coisas sempre do seu jeito, e ele lutava contra o desejo das pessoas para conseguir: o começo do jogo é todo branco porque o rei não conseguia achar a cor certa para pintar aquele mundo; a segunda parte é branca também, mas já tem sombras, que o rei criou para evitar que seus súditos pintassem tudo para não se machucarem.

Mas, mesmo com todo esse esforço de controle, ervas daninhas aparecem e invadem o reino, quebrando a harmonia que o rei deseja e contra a qual os próprios súditos lutavam. Já a terceira parte representa a fuga do rei e seu esforço de criar um mundo seu em pequena escala, com uma família, que também é marcada por certa incompatibilidade entre o controle e o idealismo do rei e os desejos da sua amada.

Enfim, a mensagem profunda de The Unfinished Swan já estava toda dada em seu primeiro segmento, mas ela é reforçada em diferentes formas na história que se desenrola em toda a experiência: a ideia de que o controle total, de que o indivíduo tentar ditar como tudo vai ser criado, é algo errado e só traz frustrações, porque o resto do mundo sempre lutará de volta para obter alguma independência.

Essa história é contada com um tom de livro infantil muito belo e divertido, que se encaixa com o tom do jogo e cria uma experiência belíssima e agradável, mas, para mim, ela sempre é assombrada pelo começo genial da experiência, que é tão poderoso e é um exemplo corretíssimo de como aliar mecânicas, história e visual para criar algo realmente forte.

Quando eu penso na experiência de The Unfinished Swan como um todo, é como se eu visse uma grande ideia inicial, representada pelo começo do jogo, que precisou ser alargada ou expandida, seja porque a mecânica de pintar o cenário pareceu se esgotar mais rápido do que a história precisava, ou simplesmente porque os desenvolvedores acharam que variedade é algo essencial num jogo.

Nesse processo de alargamento, entretanto, o brilho maior se perdeu e é como se o começo do jogo se colocasse sempre como um desafio ao resto da experiência, como se a desafiasse a superá-lo ou, pelo menos, a manter seu alto nível. E esse desafio The Unfinished Swan não foi capaz de vencer.

Contudo, algo me diz que os próprios desenvolvedores sabiam um pouco disso e, na parte final da experiência, o jogador passa por tudo que já tinha vivido naquele mundo, como se os desenvolvedores quisessem que o jogador pudesse relembrar de novo o poder daquela experiência, dessa mistura tão interessante dos mais diversos elementos de um jogo, que acabou formando um dos inícios mais impactantes da indústria.

The Unfinished Swan é um jogo que foi capaz de criar um começo de excelente qualidade, e que manteve um nível muito interessante até o seu final, mas foi incapaz de acompanhar a própria genialidade produzida no início. É uma bela história, que conta lindamente o esforço do homem contra o mundo para conseguir deixar a sua marca e o quanto esse forço é, simultaneamente, necessário e doloroso.

Além disso, seu visual minimalista é extremamente belo, não importando as variações que ele proponha. É só triste lembrar que, num determinado momento, esses dois elementos foram um só e fizeram da experiência algo maravilhoso, mas depois se separaram. É quase como se esse processo representasse involuntariamente os esforços do homem no mundo: às vezes a realidade pode ser benevolente conosco e nos fazer sentir como se estivéssemos no controle, mas, outras vezes, ela se revolta e parece que lutamos contra ela.

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