Olá!
Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Child of Light, jogo da Ubisoft Montreal
lançado para PS3, PS4, PS Vita, Xbox 360, Xbox One, Wii U e PC em 2014. Ele é
um jogo que sabe unir complexidade e simplicidade, e que sabe contar sua
história por meio de uma alegoria muito bem montada.
A
primeira coisa que chama a atenção no jogo é a sua estética visual lindíssima.
Literalmente cada momento de Child of
Light parece ter vindo de uma pintura, com um uso muito complexo das cores,
que parecem muito vivas e mais contrastantes. Os planos de fundo são cheios de
detalhes, e dão uma personalidade visual ao jogo que poucos outros títulos têm
até hoje. É de uma beleza tal que, acredito eu, vai ser difícil encontrar
equivalente tão cedo. Mesmo um jogo como Valiant
Hearts, que usa a mesma engine
gráfica e também é lindo, acaba ficando para trás em comparação com Child of Light.
A
coisa mais próxima que eu consigo comparar ao visual do jogo seriam livros
infantis que são pintados com aquarela, e têm matizes de cor parecidos. E eu
acho que essa semelhança é fundamental para entender Child of Light, porque ela dá uma dica sobre o público e o tom que
o jogo quer estabelecer: em grande medida, o jogo quer um tom infantil, ou
melhor, de livro voltado para crianças, o que não necessariamente significa que
a experiência é totalmente voltada para um público infantil, e sim que é dessa
forma que Child of Light se
apresenta.
Na
verdade, o plano dos desenvolvedores do jogo foi criar uma experiência que
pudesse ser aproveitada em dois níveis: infantil e maduro. A primeira pista que
nós temos disso é justamente o visual, que é extremamente agradável para todas
as idades, além de criar uma identificação fácil com obras a que as crianças
têm acesso, e de ter uma técnica apurada que um adulto poderia apreciar sem
nenhum impedimento da idade.
Uma
segunda pista dessa estrutura que permite uma experiência em vários níveis está
também na música, que é doce e simples aos ouvidos tanto de crianças quanto de
adultos. Em termos de sonoridade, cabe destacar também que o texto do jogo é
todo rimado, o que pode ser divertido para uma criança, e capaz de admirar um
adulto com um texto bem elaborado. Há, porém, o problema de que as rimas às
vezes elevam o vocabulário, fazendo com que ele fique meio difícil e afetado.
No entanto, o jogo sabe se redimir em alguns momentos com um personagem que usa
a rima na sua caracterização, pois, como ele é atrapalhado, fica errando a rima
o tempo todo.
A
terceira pista dessa estrutura que permite uma experiência em vários níveis
aparece no próprio gameplay do jogo.
A rigor, a jogabilidade de Child of Light
é cheia de variedade e de escolhas, mas, ao mesmo tempo, essa riqueza só é
aproveitada por quem quiser, porque o jogo é extremamente fácil.
Resumindo
rapidamente, é possível dividir o gameplay
de Child of Light em duas partes:
exploração e combate. Na parte de exploração, o jogador controla a menina
Aurora se aventurando pelo reino de Lemuria. Nessas sessões, o jogador
geralmente precisa ir de um ponto A a um ponto B, eventualmente resolvendo
algum puzzle para liberar a passagem.
Não é difícil achar para onde ir, ou mesmo como resolver os quebra-cabeças.
Para
facilitar ainda mais, depois de um tempo a Aurora ganha a habilidade de voar, o
que facilita ainda mais a movimentação e, ao mesmo tempo, dá uma sensação de
liberdade grande, que combina com a beleza e a tranquilidade que a experiência
de Child of Light proporciona como um
todo. É muito legal sair voando, olhando para o cenário ou mesmo apreciando os
movimentos da Aurora.
Entretanto,
quem quiser pode deixar de avançar em termos lineares e pode explorar os
cenários que, apesar de serem em 2D e sem muita complexidade, contêm um número
inacreditável de itens escondidos. É impressionante como conseguiram esconder
tanta coisa em mapas relativamente tão pequenos. Por conta disso, um trajeto
que levaria menos de cinco minutos para ser atravessado pode levar uns vinte se
o jogador se dedicar a encontrar diversas coisas.
Dessa
forma, o jogo divide perfeitamente a experiência em níveis de novo: um nível,
digamos, mais casual, em que o jogador simplesmente avança do ponto A para o
ponto B, e um nível mais engajado, em que é possível explorar o mapa e
desvendar inúmeros segredos.
O único problema que
essa riqueza de coisas escondidas apresenta é que o jogador acaba com uma
quantidade de itens muito acima da necessária para continuar o jogo.
Felizmente, Child of Light apresenta
também algumas side quests que exigem
vasculhar os cenários com um outro intento, e aí a exploração ganha mais
significado para esse jogador que está no nível que eu chamei de engajado.
A segunda parte do gameplay é o combate, e ele funciona
exatamente como o resto do jogo, permitindo um estilo casual e outro, engajado.
Na prática, Child of Light funciona
como um RPG em turnos em tempo real, em que o segredo do sucesso é saber
explorar o timing dos ataques.
Quando uma batalha
começa em Child of Light, os personagens
são colocados numa arena e uma barra aparece embaixo da tela. Essa barra indica
o tempo de espera e de conjuração dos ataques. Quando o símbolo de um dos
personagens da party do jogador entra
na parte de conjuração, o jogador pode escolher a ação desse personagem. Quando
o símbolo chegar ao final da barra de conjuração, a ação é executada. Cada ação
tem uma velocidade específica, bem como cada personagem também tem.
A parte mais
estratégica disso tudo é que, se alguém é golpeado enquanto seu símbolo está na
barra de conjuração, a ação escolhida é cancelada, e o personagem volta para a
barra de espera. Com isso, um timing
preciso permite que o jogador impeça os inimigos de atacarem e, assim, torne as
batalhas mais confortáveis.
Falando dos inimigos em
si, além de variados e com um design
que mistura algumas criaturas tradicionais, como rochas, até seres um tanto
assustadores, eles têm suas especificidades no combate também: além de
velocidades e ataques distintos, eles têm fraquezas e forças variáveis. Alguns
inimigos recebem muito mais dano com magia, enquanto alguns são resistentes a
mágica e fracos contra golpes físicos.
Inclusive, alguns têm
contramedidas para certos ataques: certos inimigos podem dar contra-ataques
instantâneos casos sejam golpeados por certos tipos de ataque. Além disso, em
momentos mais avançados do jogo, cancelar a ação de um inimigo pode fazê-lo
ganhar algum bônus que torna a luta mais difícil para o jogador. Tudo isso faz
do combate uma coisa bem complexa e cheia de níveis para explorar e testar estratégias.
E isso sem contar a
imensa árvore de habilidades que cada personagem tem, com habilidades
totalmente únicas. Aliás, Child of Light
faz um excelente trabalho ao criar membros da party que sejam completamente distintos na forma como funcionam nas
batalhas.
No combate, apenas dois
personagens do jogador podem atuar por vez, embora haja um número muito maior
para escolher. Por um lado, essa limitação existe para não tornar as
possibilidades de combinação muito complexas, mas, ao mesmo tempo, incentiva o
jogador a testar as mais diversas combinações com um feedback praticamente instantâneo sobre o que funciona ou não.
Por fim, o jogo ainda
conta com pedras preciosas que aumentam os status
dos personagens ou conferem características elementares aos seus ataques, como
fogo, água, etc. Conforme o jogador avança, ele encontra diversas dessas
pedras, que podem, inclusive, ser combinadas para possibilitar efeitos maiores
ou diferentes. Então, existe uma ampla gama de customização e complexidade em
todo o combate de Child of Light.
Entretanto, o jogador
não precisa se debruçar sobre toda essa complexidade, não é estritamente
necessário dominar todas essas variantes para avançar no jogo. Os inimigos em
cada cenário são relativamente poucos, há possibilidade de recuperar pontos de
vida e magia em inúmeros locais e o número de itens de recuperação, como eu
falei, são muito acima do necessário.
Além disso, Child of Light tem os personagens que
mais passam de nível num jogo que eu já vi em toda a minha vida. A cada uma ou
duas batalhas, pelo menos um dos personagens da party passa de nível. Isso faz com que eles se fortaleçam bem
rápido.
Por fim, o jogador
ainda tem acesso a um personagem que facilita ainda mais a sua vida enquanto
joga: Igniculus. Ele pode ficar voando durante as batalhas e, se o jogador
quiser, ele pode ou curar os seus aliados ou diminuir a velocidade dos
inimigos. É claro que essas habilidades não são eternas, mas elas são
facilmente restauráveis. Com essa ajuda em tempo real, o jogador pode dispensar
mais facilmente o conhecimento sobre as mecânicas do jogo. Em alguns casos, o
jogador nem precisa se preocupar em controlar o Igniculus junto com os outros
membros da party, já que ele pode ser
controlado por um segundo jogador que queira participar.
E tudo isso cria a
divisão do jogo em dois níveis: por um lado, o combate é muito complexo e, por
outro, dominar essa complexidade não é estritamente necessário para avançar.
Algumas pessoas podem interpretar isso como uma falha do jogo, mas, segundo a
visão que eu tenho tentado explicitar até agora neste vídeo, Child of Light toma essas decisões
conscientemente, e procurando um determinado efeito.
Esse efeito é poder
criar um jogo que possa interessar um público maduro e um mais infantil. O
infantil, no caso, não vai querer manipular tantas variáveis, que poderiam ser
confusas; e o maduro vai ter muitas coisas para testar e explorar. Ele não vai
ter o desafio de se sentir pressionado a dominar tudo, mas a relativa
facilidade dá uma liberdade até maior para testar possibilidades sem medo de errar,
o que permite aproveitar tudo que o jogo tem a oferecer em vez de se restringir
apenas a uma ou outra estratégia que funciona, pois há um medo de errar e
morrer.
Resta falar agora, da
história do jogo, que está igualmente fundada nessa estrutura de dois planos de
que eu tenho falado. Child of Light,
como eu disse, conta a história da menina Aurora em uma aventura por um mundo
mágico, com uma rainha má e criaturas fantásticas e cheias de carisma. Não é
muito diferente de um desenho clássico da Disney e isso imediatamente atrairia
a atenção do público infantil. Esse é o primeiro plano da trama.
Entretanto, a história
de Child of Light é muito mais do que
isso, porque cada um desses elementos se liga num sistema de significação
alegórico, ou seja, a história contada, na verdade, esconde uma outra narrativa
que é possível explorar caso o jogador tenha o interesse de conhecer.
Child
of Light começa com um dos inícios mais chocantes da
história dos jogos: do dia para a noite, uma menina morre, o que faz seu pai
entrar numa espiral depressiva. Isso é dito tão rapidamente, e é seguido do
fato de que a Aurora, em vez de efetivamente morrer, acorda no reino de
Lemuria, mas eu acho impossível ignorar esse elemento, até porque ele guia a
aventura da Aurora, que busca voltar para o mundo do pai e salvá-lo da
depressão.
Poucas histórias
infantis começariam com uma perspectiva tão chocante: a morte de uma criança e
um pai depressivo. Isso soa mais como um certo jogo maduro de PS3 do que algo
infantil. De qualquer forma, a história de Child
of Light fornece uma motivação bem específica: é preciso salvar o pai de
Aurora.
Essa centralidade da
família é muito importante na trama de Child
of Light, e não se limita apenas à Aurora, mas está presente em
praticamente todos os outros membros da party.
Uns querem provar seu valor aos mais velhos; outros procuram um irmão perdido;
há também quem lute para superar a morte de um familiar e mesmo quem se aventure
para conseguir formar uma família. Todos agem por causa dessa conexão com outro
personagem.
E, com isso, novamente
a gente retorna à questão da narrativa infantil, porque, em contos de fada, por
exemplo, não é estranho que as histórias envolvam fortes ligações familiares,
mesmo as antagonistas: o núcleo do Pinóquio é a sua relação com o Gepeto; a
vilã da Branca de Neve e da Cinderela é a madrasta; a Chapeuzinho Vermelho vai
visitar a avó; a Bela vai ao castelo da Fera por causa do pai, etc. Nesse aspecto,
a trama de Child of Light está
profundamente envolvida na literatura infantil.
E, enquanto a forma é
infantil, as próprias questões dos personagens são, ao mesmo tempo, maduras: a
desaprovação das pessoas que amamos, o luto pela morte de alguém, a busca por
alguém perdido são sentimentos que podem atingir adultos com frequência.
Mas não é só nessa
questão de simpatia com os personagens que está o aspecto maduro de Child of Light, mas, para explicar em
detalhes, eu vou precisar entrar em spoilers
das últimas cenas do jogo e, por isso, eu recomendo que quem quiser
experimentar o jogo sem nenhum conhecimento prévio pare por aqui. De qualquer
forma, eu acho que já expliquei praticamente tudo do jogo e da sua estrutura
bem construída, que alia dois planos, um infantil e um maduro, e como isso cria
uma experiência especial. Se você quiser parar por aqui, eu agradeço por ter
visto o vídeo e a gente se vê numa próxima análise.
Agora vamos aos spoilers. Perto do final de Child of Light, a vilã oferece a Aurora
a chance de voltar para seu pai e salvar a vida dele, mas, para salvar seus
amigos, a protagonista decide ficar e lutar, o que, em última instância,
resulta na morte do pai dela. Isso é um choque muito grande, já que salvá-lo
era a motivação principal do jogador e da Aurora.
Por conta desse
momento, a história do jogo vira de cabeça para baixo e assume significado
completamente novo: em vez de ser uma história infantil tradicional, que fala da
ligação familiar que eu descrevi agora há pouco, o final mostra justamente essa
libertação em relação à família, que só o ato de se tornar adulto permite.
Isso fica claro na
recusa da Aurora em salvar o pai em detrimento dos amigos. A Aurora sabe que
tem uma responsabilidade, algo que ela recusa quando ainda está na sua forma
infantil lá pela metade do jogo. Dessa vez, ela sabe que precisa estar ao lado
dos amigos que fez por conta própria e honrar essa amizade.
A libertação da família
acontece com os outros membros da party
também, que têm suas missões pessoais resolvidas antes da batalha final. A
partir desse momento, eles deixam de ser pessoas buscando algo relacionado à
sua família e passam a buscar algo para si e para o mundo em que vivem.
E isso fica
perfeitamente claro no final do jogo, em que a Aurora, além de salvar o reino
de Lemuria, também retorna ao mundo real e salva os súditos de seu pai, se
tornando, de fato, uma princesa, um título que ela sempre recusou até então,
mas essa recusa acaba se tornando não uma recusa das suas responsabilidades, e
sim um posicionamento político, de quem não quer governar ninguém, mas sim
colaborar.
Tudo isso cria a ideia
de que a história do jogo não é exatamente sobre uma criança, mas sobre o
crescimento dela, sobre a formação de um adulto e o fim da infância. O fato de
que a Aurora ganha as feições de uma adulta ao longo da história deixa isso bem
claro e o fato de que ela reencena a morte de Jesus, renascendo três dias
depois, na Páscoa, indica justamente essa ideia de transformação.
Toda essa complexa
questão está perfeitamente mascarada numa história com tom e elementos
infantis, que pode passar como perfeitamente comum para uma criança acostumada
com histórias infantis. Entretanto, para o adulto que sabe ver, está lá uma
descrição do processo de crescer e viver no mundo mais amplo do que a família.
Filmes como A viagem de Chihiro e O serviço de entregas da Kiki funcionam
de forma semelhante, e criam também narrativas que podem ser aproveitadas por
vários públicos.
E era isso que eu
queria dizer sobre Child of Light. É
um jogo muito belo, que sabe trabalhar em diversos níveis para criar uma
experiência agradável e rica para diversos públicos. Na nossa indústria, muito
se fala sobre atingir o máximo de público possível; Child of Light ensina a fazer isso, sem comprometer sua experiência
ou autenticidade.
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