sábado, 23 de janeiro de 2016

Toren - Pensando sobre o jogo



Olá! Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Toren, jogo da Swordtales lançado neste mês para PC e PS4. Ele é um jogo que ganhou uma expressão especial aqui no nosso país por ter sido produzido por desenvolvedores brasileiros, e que tem um lugar extremamente importante na nossa história, embora não por causa da sua técnica ou da experiência que ele proporciona.

O motivo por que Toren vai ficar na nossa história é o fato de que ele foi o primeiro jogo a conseguir patrocínio com a ajuda da Lei de Incentivo à Cultura, que permite que empresas financiem certos projetos culturais em troco de abono do Imposto de Renda. Esse é uma oportunidade geralmente aproveitada por manifestações culturais mais consagradas, como cinema, teatro, festivais de música, etc.

O fato de Toren conseguir esse patrocínio significa que, para os olhos de quem coordena o programa de incentivo à cultura no Brasil, jogos já podem ser considerados formas de arte e cultura, o que é uma coisa que até vai contra o que uma ex-ministra da Cultura disse há pouco tempo. Ou seja, esse é um avanço sem precedentes, que pode ajudar outros desenvolvedores brasileiros a conseguir somas bem razoáveis de dinheiro.

Esse é um primeiro passo não só para conseguirmos aumentar a possibilidade de estúdios serem fundados no Brasil e produzirem jogos sem passar fome, mas também para sonhar em um dia termos mais iniciativas de difusão de conhecimento e memória de jogos, como exposições e museus. Depender só da BGS para juntar as pessoas envolvidas em cobertura de jogos no Brasil não dá, por exemplo.

Por tudo isso, Toren será algo a ser lembrado sempre por nós, brasileiros interessados em jogos. É um marco na nossa limitada comunidade, que sofre com preços altos, demoras na alfândega, pirataria disseminada, localização ainda começando e muitas outras coisas.

Contudo, afora esse valor representado pela forma como Toren foi financiado, o jogo reserva problemas demais para conseguir sustentar uma experiência realmente interessante.

Começando pela jogabilidade, Toren é um jogo que luta bravamente para implementar um mundo em 3D que seja satisfatório. Em termos de direção de arte, isso é alcançado com certeza, e o mundo de Toren é bastante bonito, apesar das óbvias limitações. É um daqueles casos em que uma estética visual bem feita consegue deixar de lado imperfeições que são fruto de pouco tempo ou dinheiro no projeto.

Contudo, quando o jogador movimenta a protagonista, chamada Moonchild, os problemas começam a aparecer, representados pela quantidade absurda e desconfortável de paredes invisíveis, que empurram frequentemente o jogador para fora do que ele está vivendo, e torna frustrantes os breves momentos de exploração.

É claro que essas paredes são fruto das limitações do projeto, mas há formas melhores de contornar essas dificuldades, de escondê-las. Por exemplo, não é raro ver que uma parede invisível começa a quase um metro de distância da parede do cenário em si. Por que não fazer essas paredes coincidirem?

De qualquer forma, o excesso de paredes invisíveis acontece em Toren porque a proposta do jogo é de algo muito mais linear, e que busca a experiência de acompanhar a Moonchild por todas as etapas da sua vida, na busca por escapar de uma torre enorme e derrotar um dragão que a mantém presa lá. Essa trama, na verdade, é alegórica, mas eu volto a isso mais adiante.

Dentro dessa proposta de escalar e enfrentar o dragão, Toren frequentemente afunila o caminho do jogador, o que é útil para a narrativa, mas também oferece um ou outro segredo a ser descoberto caso o jogador explore áreas antigas, o que é algo bem legal.

Enquanto o jogador explora, ele provavelmente vai estabelecer uma comparação com ICO, jogo de PS2 de que eu já falei aqui no canal. A atmosfera ensolarada e silenciosa, em que predomina uma visão de espaço vasto, é algo que é possível perceber nos dois jogos. Na verdade, essa influência não é nem um pouco negada, já que, em algumas entrevistas que eu vi com o diretor do jogo, ele não se furta a dizer que o estilo do jogo é ligado a ICO.

Mas, sendo fazendo essa comparação, é muito interessante ver como Toren, na verdade, entende muito pouco de ICO para além dessa atmosfera que o espaço proporciona. A primeira coisa que me faz ver isso é como Toren lida com os inimigos do jogo.

Basicamente, existem três inimigos no game: uns animais pequenos que podem se agarrar à Moonchild e fazê-la perder o equilíbrio, uns espectros que vagam por certas áreas do jogo, e o dragão. Durante uma parte da experiência, a Moonchild não tem como se defender, mas, assim que ela pega uma espada, todos esses inimigos se tornam mais ou menos triviais e falta impacto na presença deles.

As criaturas pequenas são facilmente desviáveis e dificilmente servem algum propósito no jogo além de serem breves incômodos; os espectros são extremamente previsíveis, mas, caso o jogador erre e esbarre neles, a morte é instantânea, o que é um tanto frustrante.

Mas é no dragão que realmente reside o problema com a forma como Toren lida com os inimigos. A primeira coisa interessante é que as batalhas contra o dragão contrastam com a da introdução do jogo, em que a Moonchild é derrotada porque sua espada quebra. Embora isso tenha acontecido nesse momento, nunca mais vai acontecer no jogo, e essa espada vai sempre oferecer imunidade a qualquer ataque do dragão.

Com isso, o único trabalho em cada batalha contra a criatura é pegar a espada depois que se acerta um combo e se proteger dos seus ataques. Essa proposta é, com ligeiras variações, uma retomada quase completa do último chefe de ICO, mas sem o impacto emocional daquela batalha, porque pouquíssima coisa está em jogo, pelo menos no começo, quando essa batalha acontece pela primeira vez.

E isto é uma coisa interessante: Toren faz o jogador enfrentar o dragão três vezes, e cada uma dessas vezes contará com algumas especificidades, o que renova o gameplay, mas não necessariamente a situação; ainda é a mesma batalha contra o dragão. Se você considerar que a experiência completa do jogo tem menos de três horas, fica evidente o quanto a presença do dragão acaba repetida e trivializada. A criatura acaba sendo mais um assustador exemplo de resistência do que um inimigo aterrorizador.

Com exceção do combate, restam a Toren, em termos de jogabilidade, os mecanismos de movimentação e escalada. Como um todo, eles funcionam bem, e frequentemente o jogador vai precisar mover algum objeto de lugar, ou acender uma fogueira para poder prosseguir. Essas coisas não são exatamente puzzles, porque são extremamente simples, mas elas cumprem seu papel de oferecer pequenos empecilhos que fazem o jogador parar para pensar em vez de só ir em frente.

Mas, quem joga Toren percebe claramente que essas mecânicas não foram constituídas como formas de criar uma experiência por si, e sim como um veículo para contar uma história, e realmente o esforço maior do jogo parece estar na história que quer construir e na simbologia que mobiliza para isso.

Para discutir a história, claro, eu vou entrar em um bom nível de spoilers; então, se você não quiser saber muitas informações, pode parar por aqui. Eu agradeço por você ter clicado no vídeo e ter assistido até este ponto, e a gente se vê numa próxima análise.

Vamos à história, então. A trajetória da Moonchild é atravessada por dois planos de significado: um que eu vou chamar de alegórico e outro, que eu vou chamar de filosófico. O alegórico está na figura da árvore. Quando a Moonchild renasce, após morrer no começo do jogo, ela recebe um muda de árvore e, conforme essa planta cresce, ela oferece os meios para que a Moonchild alcance seus objetivos, seja conseguir a espada, seja chegar ao topo da torre.

Enquanto a árvore cresce, a própria Moonchild cresce e, por isso, as duas agem num espelhamento uma com a outra: o desenvolvimento da árvore simboliza o próprio desenvolvimento da Moonchild, que se torna mais forte e capaz de superar os desafios que a aguardam. A história de Toren é, portanto, a história da emancipação de uma menina, de alguém que está preso por algum motivo, mas cria forças para crescer e se tornar um indivíduo.

Eu considero que esse plano de significado tenha sido bem executado durante a experiência de Toren, e há uma série de correspondências que podem ser traçadas ao longo do jogo, como as folhas da árvore plenamente crescidas serem da mesma cor do vestido da Moonchild, ou mesmo a ideia de que o crescimento da protagonista é um processo natural, como o crescimento da árvore. Isso dá uma ideia de universalidade da mensagem que pode realmente tocar o jogador.

Nesse sentido, eu acho que o jogo mais próximo de Toren não é ICO, mas sim Papo & Yo, de que eu também já falei aqui no canal. Contudo, apesar de parecer com Toren em termos simbólicos, Papo & Yo consegue um brilhantismo por ser uma história muito emotiva, e essa carga emocional acaba faltando a Toren, talvez até pela curta duração e pelo caráter fortemente abstrato do jogo.

De qualquer forma, se o plano alegórico fosse o único, Toren seria um jogo bem realizado em termos de mensagem; apenas a mensagem poderia ser um pouco mais trabalhada, porque faltou um pouco veicular melhor a ideia do sofrimento implicado em crescer. A árvore cresce de forma natural demais em comparação com os sofrimentos que a Moonchild sofre. É desse tipo de carga emocional que Toren precisa e que Papo & Yo esbanja.

Entretanto, há uma segunda camada de significação em Toren, e que é realizada com muitos problemas mais. A escalada e amadurecimento da Moonchild não é somente algo pertencente àquele indivíduo, mas também representa, de alguma forma, um amadurecimento da própria espécie humana, em sentido filosófico.

Esse segundo significado está espalhado pelas cutscenes do jogo, que contam a história da torre e da própria Moonchild, e também pelos chamados sonhos, que são breves momentos da história em que a Moonchild se debruça sobre certos sentimentos e desafios interiores para entender melhor a humanidade.

O que incomoda mais quanto a essa significação é que ela aparece totalmente deslocada do gameplay, que reflete mais a parte alegórica. É realmente muito estranho ver um sonho falar de razão ou de misericórdia, mas sem o jogador ver esse processo refletido naquilo que ele joga. Apenas o sonho chamado Justiça oferece alguma implicação em gameplay, e ainda assim ela é opcional.

A impressão que fica é que Toren é um jogo com fortes pretensões filosóficas, mas que não foi construído com o propósito de fazer com que essas pretensões fossem incutidas na jogabilidade. Enquanto Toren conta uma história mais “pé no chão” e simples, as coisas são executadas com acerto, mas, no momento em que o jogo tenta levantar voo maior, essa dissonância entre mensagem e gameplay aparece.

O resultado final é um jogo que parece apaixonado pelas próprias teorias e, para isso, esbanja textos e textos, metáfora atrás de metáfora, mas nunca assume essas coisas em sua estrutura. Para usar uma fórmula que eu vejo muito tratada no canal Errant Signal, Toren é um jogo que fala sobre algo, mas 
não é um jogo que incorpora esse algo. E, por isso, ele falha na sua estrutura.


E era isso que eu queria dizer sobre Toren. Ele é um jogo com boas ideias e pouco dinheiro, que realiza bastante coisa quando não está sendo extremamente ambicioso. Quando a ambição é grande demais, é como se a mente dos desenvolvedores deixasse um pouco o jogo para trás.

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