sábado, 23 de janeiro de 2016

Hotline Miami 2 - Pensando sobre o jogo



Olá! Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Hotline Miami 2, jogo da Dennaton Games, lançado neste mês para PC, PS4, PS3 e PS Vita. Quem acompanha este canal mais de perto deve lembrar que eu já fiz a análise do primeiro Hotline Miami, e que ele é um dos jogos indie mais bem realizados em termos de criar uma experiência única, que coordena todas as suas partes para gerar um determinado efeito.

Neste vídeo, eu vou fazer várias menções ao que eu disse sobre o primeiro Hotline Miami e, por isso, eu recomendo, para quem quiser entender melhor tudo que vai ser dito aqui, que veja antes o vídeo do primeiro jogo. O endereço está na descrição do vídeo. Dito isso, vamos lá.

A impressão que eu tive ao jogar Hotline Miami 2 é que os próprios desenvolvedores sabiam que mexer muito na fórmula do primeiro jogo seria um erro sério, já que ela é tão bem realizada. Por isso, o trabalho maior deles foi direcionado em criar ajustes que fizessem o jogo parecer muito o original, ao mesmo tempo em que poderiam criar situações únicas dentro daquele paradigma.

Assim, Hotline Miami 2 é também um shooter 2D visto de cima, em que o jogador controla um personagem que entra num certo prédio e precisa sair neutralizando todos em seu caminho para progredir. A estética visual continua altamente influenciada por um tom meio anos 80, com cores muito fortes e contrastantes.

E, ao mesmo tempo em que o jogador progride na fase, ele ouve músicas eletrônicas frenéticas e de alta qualidade, que representam o próprio tom de vida ou morte que a mecânica do jogo impõe, com o protagonista sendo morto com quase qualquer ataque, mas também sendo capaz de matar com apenas um ataque. É um jogo em que apostas altas são constantes, e exige uma coordenação afiada, que beira a um frenesi, o que representa muito o que está acontecendo no jogo.

Esses são os fundamentos que Hotline Miami 2 herda do seu antecessor e, como tal, é uma experiência diferente de todo o resto da indústria. A velocidade e o frenesi com que tudo acontece deixa um jogador num transe, e é muito difícil sair. Quando eu fui gravar esta gameplay que vocês estão vendo, eu não consegui parar num tempo que eu achei razoável, e acabei indo umas duas fases adiante, só porque o jogo não te liberta. É um vício, e é assim que Hotline Miami sempre quis que o jogador se sentisse.

Dito isso, é preciso falar que houve muitas variações dentro da fórmula estabelecida pelo primeiro jogo e, no geral, eu não acho que nenhuma delas proporcionou um ganho real a Hotline Miami 2; na melhor das hipóteses, houve ganhos acompanhados de perdas. Vamos tratar de cada aspecto para entender isso.

A primeira coisa problemática em relação ao jogo foi o esforço de expansão, que, na verdade, é uma coisa bem frequente em termos de sequência. Quando é anunciada uma sequência para um jogo, é bastante comum que os jogadores esperem que o novo jogo seja maior, mais ambicioso e amplo do que o original. Em Hotline Miami 2, esse esforço vem, principalmente, em dois elementos: no número de fases, e no design dos cenários.

O número de fases acaba influenciando no tempo de zeramento do jogo, que realmente é maior do que o do primeiro Hotline Miami. Eu acho que isso não influencia muita coisa, porque o jogo, em si, ainda é construído em cima de cenários bem delimitados e contínuos, e só joga por longos períodos quem quiser. Eu não detectei nenhum filler no meio do caminho.

Já no que se refere ao design dos cenários, foi criado um problema sério. Como eu falei e vários fãs sabem, em Hotline Miami 2, um tiro ou um golpe pode matar instantaneamente. Isso exige que o jogador tenha reflexos rápidos, e também que saiba se planejar e se adaptar às diversas situações do jogo. Para isso, o jogo tem uma mecânica de estender o campo de visão do protagonista para poder enxergar os inimigos que estão além. Assim, o jogador pode se movimentar sem levar um tiro e morrer na hora, e ter que fazer toda a fase de novo.

Em Hotline Miami 2, os cenários são maiores do que os do primeiro jogo, mas o campo de visão permaneceu o mesmo. O resultado disso são vários momentos em que você anda sem ter a menor ideia do que há na sua frente, o que muitas vezes resulta em morte. O primeiro Hotline Miami não era livre de situações como essas, mas elas eram muito menos frequentes do que na sequência. Isso é especialmente problemático, considerando a velocidade com que os inimigos passam do estágio de inércia para o estágio de ataque. É coisa de um segundo e o personagem já está morto. É bem frustrante.

Eu acredito que uma expansão mais razoável do design dos cenários seria aumentar o número de inimigos ou o número de andares de uma mesma fase. Como está, algumas apostas do jogador ganham uma carga de sorte que não combina com um jogo que exige planejamento, como é Hotline Miami 2.

A principal inovação do jogo em relação a seu antecessor é a substituição parcial do sistema de máscaras para um sistema de personagens. No primeiro Hotline Miami, o jogador controlava um psicopata que usava máscaras para se disfarçar, e provavelmente para assustar alguns dos seus inimigos. Em termos de jogabilidade, a escolha de qual máscara usar significava alguns bônus específicos, que ajudavam em determinadas fases ou favoreciam um certo estilo de jogo.

Em Hotline Miami 2, o jogador controla um rol relativamente grande de personagens, e cada um desses personagens tem características específicas, com vantagens e desvantagens em relação aos outros. Alguns deles ainda podem escolher máscaras, mas o número é muito menor do que no primeiro jogo. Com isso, claro, o jogo perde no fator customização.

Mas essa mudança não é de todo má. Na prática, jogar com os diversos personagens permite ao jogo oferecer desafios muito específicos, que não seria possível dando tantas opções como no primeiro jogo. Assim, por exemplo, um dos personagens só pode usar um tipo de munição e, caso ela acabe, ele precisa ir até um ponto do cenário para recarregar. Com isso, cria-se uma interessante dinâmica de precisar saber quando usar a faca do personagem e quando usar a arma.

Essa liberdade de criar personagens fixos ainda permitiu a adição mais interessante de Hotline Miami 2, que é um personagem duplo. Em certas fases, o jogador pode controlar simultaneamente Alex e Ash: um usa uma pistola, e o outro, uma serra elétrica. Cada botão controla a ação de um deles, e exige uma coordenação ainda maior e oferece riscos interessantes, que tornam a experiência muito marcante. Seria legal usá-los mais no jogo.

Em contrapartida, algumas das desvantagens desses personagens soam meio toscas e prejudicam um pouco o ritmo da experiência que o primeiro Hotline Miami estabeleceu: voltando ao caso do personagem que só tem um tipo de munição, o conceito permite algumas coisas interessantes e novas em termos de jogabilidade, mas a verdade é que precisar se deslocar para conseguir munição quando existe um monte de armas jogadas no chão ao lado do personagem é meio frustrante e incoerente.

Para além de incoerência com a situação, há também uma certa incoerência com a própria jogabilidade, que incentiva o jogador a improvisar, pegar várias armas e usar o que estiver à mão. O tipo de limitação de certos personagens oferece coisas novas, mas tira algumas das vantagens antigas que a experiência de Hotline Miami sempre teve.

Entretanto, as mudanças mais profundas que o sistema de personagens cria estão no enredo do jogo, e aí, antes de prosseguir, eu queria fazer um breve apontamento. O primeiro Hotline Miami foi analisado por algumas pessoas que eu respeito, e uma opinião bem comum que eu vi foi gente dizendo que a narrativa do jogo era fraca, ou então apenas uma metáfora sobre a violência em jogos. Isso foi bastante curioso para mim, porque eu sempre vi uma narrativa muito bem definida no jogo, que encaminhava o jogador para um certo sentimento. Se você quiser detalhes, o conteúdo está lá na minha outra análise.

Eu não sei quem estava certo ou errado nessa discussão, mas a verdade é que algo nessas afirmações parece ter incomodado os desenvolvedores, porque, em Hotline Miami 2, embora sejam tratados temas bem semelhantes aos do primeiro, houve um esforço bem maior para deixar esses temas evidentes, com direito a um número bem maior de cutscenes, explicando várias circunstâncias que tornam as motivações dos personagens um pouco mais claras. É como se o pessoal da Dennaton não quisesse ver a história do seu jogo sendo tratada como algo desimportante.

Assim, no primeiro jogo, nós tínhamos um protagonista cujas motivações ele mesmo desconhecia, e que vivia para matar a mando de alguém que ele nunca viu. Como ele desconhecia tudo isso, o jogador também desconhecia, ou seja, os dois estavam em situação semelhante. E este era o centro do primeiro Hotline Miami: fazer você criar um ponto de identificação com um monstro, ainda que momentaneamente. A tensão das fases e a música vibrante e frenética ajudavam a transmitir o frenesi da mente dele.

Ao mesmo tempo, nós tínhamos também um segundo personagem, que tinha justamente o propósito de obter respostas e só matava se fosse necessário. Como ele aparecia ao final do jogo, é como se a experiência de Hotline Miami fosse empurrando o jogador lentamente para fora da espiral da violência, como se a razão abandonasse o ciclo da violência da mesma forma como o jogador abandona o jogo ao final e deixa seu instinto sanguinário ali mesmo, no jogo.

Hotline Miami 2 segue um script muito semelhante em termos de temática, mas opta mais por um desfile de temas do que por uma experiência intensa e vertiginosa como o primeiro jogo. O jogo se passa em diversos momentos, tanto antes quanto depois dos acontecimentos do primeiro jogo, e mostra personagens que, em sua maioria, não se relacionam, mas acabam se encontrando em breves momentos.

Para transmitir a sensação de desconhecimento que o primeiro jogo tinha, Hotline Miami 2 coloca o jogador num emaranhado de acontecimentos, que vão e voltam no tempo, e são protagonizados por diferentes personagens. Em certos momentos, foi tão confuso que eu precisei fazer um esquema num papel para ter a ideia exata de quando aconteceu o quê.

Na história do jogo, nós temos, em sua imensa maioria, personagens violentos, que agem como o protagonista do primeiro jogo, meio sem saber por quê, ou então com desculpas insustentáveis, como uma raiva momentânea por uma ligação mal educada ou simplesmente falta do que fazer.

Em contrapartida, a história também têm personagens cansados da violência, ou simplesmente tentando entendê-la, mas sem recair no instinto de destruição que rege os outros personagens da série. Esses personagens tentam sobreviver nesse turbilhão de violência, e manter a razão e a vida intacta.

Nesse sentido, destaca-se o Evan, um escritor que está fazendo um livro sobre os assassinos mascarados. Ele mantém a razão intacta durante o jogo e o seu gameplay é baseado em não matar ninguém. Ele apenas nocauteia os inimigos, e isso é uma coisa muito estranha para a realidade de Hotline Miami, porque, de alguma forma, trai a jogabilidade insana do jogo.

Até, então, o jogo sempre tinha a sua violência, marcada pela insanidade dos personagens, o som frenético, a mecânica de alto dinamismo e o visual altamente provocador para os olhos, especialmente o sangue, com um vermelho muito vivo e brilhante. Nos segmentos do Evan, você não mata ninguém e não pode usar armas, então as suas opções de ataque ficam limitadas, bem como o seu feedback de sucesso, que antes era representado por aquele espetáculo de sangue ao matar alguém. Com isso, o personagem do Evan é meio fora de lugar na experiência.

Se você compará-lo ao Biker do primeiro Hotline Miami, você percebe a diferença: embora o Biker não saia matando todos que vê pela frente, ele ainda tem algo do instinto assassino do outros personagens da série e, como eu falei, a figura um pouco mais racional dele oferece a oportunidade de o jogador se libertar aos poucos da violência sem motivação do primeiro protagonista.

O Evan soa como um peixe fora d’água no mundo de Hotline Miami, a única pessoa com uma ética de não sair matando todos que vê. É como se os desenvolvedores tivessem separado um dos elementos do Biker e feito um personagem só com isso para tornar as coisas um pouco mais didáticas, mais claras em termos de mensagem.

No fim das contas, a mensagem de Hotline Miami 2 é como a do primeiro jogo da série: a violência toca a todos, e experimentá-la é um processo catártico, viciante e altamente recompensador aos sentidos. Entretanto, ela é uma espiral descendente, que provavelmente não resulta em nada de bom, e quem é tocado por ela vai precisar arcar com as consequências.

A grande diferença entre os dois enredos é que Hotline Miami 2 é muito mais didático, e tenta construir a história muito mais por cutscenes e construção de personagem do que pela jogabilidade mesmo e, no caminho, acaba até criando alguma incongruências, como a do Evan.

Em contrapartida, os novos personagens criam diferentes perfis, que permitem ao jogador se identificar com diversas figuras, que ajudam a dar a ideia de que o instinto violento pode ser despertado por diversos elementos. Mas, nesse processo, eu acredito que foi perdido algo da experiência mais bem amarrada e intensa do primeiro Hotline Miami.


E era isso que eu queria dizer sobre Hotline Miami 2. Ele é um jogo divertido e interessante, mas algo do polimento e da intensidade do seu antecessor acabou se perdendo.

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