Olá!
Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Everybody’s Gone to the Rapture, jogo da
The Chinese Room, lançado agora em agosto para PS4. Ele é um jogo bem
interessante, que demonstra uma evolução muito curiosa para o estilo do estúdio
que o criou, e proporciona algumas reflexões bem legais.
Caso
você não reconheça só por nome, a The Chinese Room é a desenvolvedora que criou
um outro jogo já comentado aqui no canal, que é Dear Esther, um jogo bastante polêmico na comunidade, porque
colocava como praticamente única interação o ato do personagem andar por uma
ilha, enquanto apreciava o cenário e a música, e ouvia cartas de um narrador.
Muitas pessoas desprezam esse jogo, mas eu não acho que essa animosidade é
justificada, embora o jogo seja, sim, problemático. Se você quiser saber mais
detalhes, o endereço do meu vídeo está na descrição.
O
importante que eu queria destacar já de início é que Everybody’s Gone to the Rapture, ou simplesmente Rapture, como eu vou chamar daqui por
diante, conseguiu superar uma série de problemas que Dear Esther apresentava, embora ainda se mantenha bastante fiel à
estética que foi proposta no jogo anterior. Contudo, alguns problemas novos
surgiram nesse processo.
Em
Rapture, o jogador controla alguém que
não se sabe quem é, e que chega a uma pequena cidade na Inglaterra, onde todo
mundo parece simplesmente ter desaparecido. As coisas ficam abandonadas onde
estão, as casas ficam todas abertas; é como se todo mundo tivesse sumido de
forma desavisada, mas sem causar muito problema.
Logo
no início, você ouve a gravação de uma doutora chamada Kate e que diz que é a
última pessoa na cidade. Tentando entender o que aconteceu, o jogador começa a andar
pelo local, e, com isso, ele acaba atravessando trechos bem longos e diversos
da cidade, que é bem multifacetada em termos de terreno.
Acho
que, logo de cara, o que chama a atenção de quem está jogando Rapture é como tudo é muito bonito e
detalhado. É um jogo com um realismo bem impressionante, em que o jogador
realmente parece atravessar uma pequena cidade nos seus mínimos detalhes. A
atenção ao detalhe, especialmente nos trechos mais rurais da cidade, é incrível
e frequentemente faz o jogador parar para observar, o que é algo bem importante
nesse jogo, em que o jogador adota um papel bem passivo.
Como
Dear Esther, Rapture demanda quase exclusivamente que o jogador ande pelo
cenário, mas vários elementos foram criados para tornar essa caminhada algo
muito mais envolvente e interessante. Rapture
começa com esse mistério muito curioso de uma cidade ter ficado vazia de uma
hora para outra, e isso motiva o jogador suficientemente para dedicar a sua
atenção, enquanto em Dear Esther não
havia nada tão envolvente assim.
Conforme
o jogador anda, ele encontra pequenas esferas de luz que vagam pela cidade.
Elas são o único movimento que acontece por lá e atraem a atenção do jogador.
Ao chegar mais perto delas, uma pequena cena se desenrola: geralmente aparecem
dois ou três moradores da cidade vivendo alguma conversa antes de eles
desaparecerem. Graças a essas cenas, o jogador passa a conhecer a histórias
dessas pessoas que sumiram.
Nessas
histórias está o grande valor de Rapture,
pois elas conseguem um feito narrativo muito superior ao de Dear Esther. Cada trecho de Rapture contém memórias focadas em um
personagem central, embora haja diversas pequenas narrativas coadjuvantes.
Essas cenas são muito mais interessantes e envolventes, porque são dramáticas e
diretas, o que é um grande passo em envolver o jogador quando a gente compara
com os monólogos de ligação tênue que Dear
Esther oferecia.
Cada
uma dessas cenas funciona de forma bem independente, ou seja, você pode
experimentá-las na ordem que quiser e, na verdade, é bem provável que não haja
uma ordem correta, pois o procedimento padrão é simplesmente explorar a região
em que o capítulo se passa e obter o máximo de informações pela exploração.
Algumas histórias presentes no início, por exemplo, só vão se resolver em
capítulos bem posteriores.
Aliás,
graças a esse caráter que prioriza tanto a exploração, é bem possível que o
jogador não veja tudo que o jogo tem a oferecer, ou então que acabe em outro
capítulo antes de encerrar o anterior. É possível andar por toda a cidade, até
os últimos capítulos, sem encerrar o primeiro, e isso permite que o jogador
possa fazer o que quiser, mas também não previne que ele termine sem ver todas
as riquezas do jogo.
Por
isso, jogar Rapture requer alguém
muito interessado pela exploração, pelo mistério do desaparecimento dos
moradores e, principalmente, pelas histórias de vida de cada um dos personagens
que lá viviam. É preciso ter bastante paciência e estar disposto a viver uma
experiência relaxante e com pouca tensão; do contrário, Rapture vai parecer algo muito tedioso.
Felizmente,
o jogo se apresenta em sua melhor forma nos primeiros capítulos, que apresentam
alguns dos personagens mais interessantes e com os conflitos mais ricos. Eu não
pretendo entrar muito em spoilers neste
vídeo, mas é muito interessante como cada memória faz de tudo para construir
figuras multifacetadas, com problemas diversos, e que não são imediatamente
definíveis.
O
primeiro personagem principal, o padre Jeremy, é uma figura algo desprezada na
cidade, talvez com motivo, talvez não – é algo que cabe ao jogador entender. De
qualquer forma, ele vive, nas memórias, a experiência de ver sua paróquia
desaparecendo aos poucos, seus conhecidos ficando com medo e raiva, e a sua fé
acaba ficando em questão também. É uma história muito bonita e delicada, que
coloca um personagem diante da impotência e da sua perspectiva inevitável de
morrer.
Aliás,
o grande valor de Rapture está
justamente em retratar esse poder intenso com que a vida humana brilha quando
se encontra em perigo, quando se sente perdida, quando se sente abandonada.
Cada personagem vive, no jogo, momentos de autorreflexão muito próprios ao se
ver defrontado com uma ameaça e esse desespero gera algumas cenas de genuína
beleza, que só uma narrativa muito boa poderia criar.
E,
ao final de cada capítulo, o jogo brinda o jogador com uma trilha sonora
extremamente bela e uma cena que sempre tira o fôlego: todas as luzes do
entorno se apagam, e pequenas luzinhas aparecem no chão. É como se o personagem
que o jogador controla ficasse entre o mar de estrelas do céu sem fim e um
tapete de velas que o conduzem ao próximo capítulo. É definitivamente uma
experiência muito bela.
Quando
a gente compara toda essa experiência de Rapture
com Dear Esther, é possível ver uma
incrível progressão em estilo: em vez dos monólogos crípticos e um tanto
afetados, nós temos dramas compactos, que soam naturais e que apelam,
incrivelmente, para situações do cotidiano. Mesmo com uma história meio
fantasiosa demais, tudo parece muito humano e muito próximo.
Em
vez dos cenários algo conceituais de Dear
Esther, Rapture oferece um espaço
que fala diretamente do tema que está sendo discutido: nós vemos uma
cidadezinha onde qualquer um de nós poderia morar, uma cidade pequena em que
todos se conhecem, todos vivem problemas parecidos, todos dependem um do outro
para serem felizes.
E,
mesmo que ainda limitando a interação do jogador a quase que só andar, Rapture oferece pequenas concessões que
criam uma ligação maior entre jogador e jogo: é o jogador que dita para onde
vai, já que o cenário tem diversos caminhos possíveis e não dita qual memória
vai ser acessada ou se vai ser acessada.
Para prosseguir com os
relatos específicos da Kate, o jogador precisa procurar por rádios, e nem todas
as cenas estão em locais facilmente identificáveis, o que faz o jogador sentir
uma satisfação maior ao encontrar algo que talvez perdesse, caso focasse apenas
nos pontos mais óbvios, que geralmente são guiados pelas próprias luzes.
Coisas como essas
mostram que Rapture é um produto
feito por uma equipe que entendeu diversas das fraquezas de Dear Esther, e que fez um trabalho
memorável de manter sua estética e criar uma experiência muito tocante e sutil,
e que sabe aproveitar a mídia dos jogos de uma forma muito mais rica do que já
tinha feito antes.
Entretanto, alguns
problemas permanecem ou então foram criados pelas diferentes soluções estéticas
que Rapture apresenta. Como eu disse,
o jogo se coloca numa situação de grande risco ao deixar o jogador inteiramente
livre no cenário, pois isso permite que muito da experiência se perca ou, no
mínimo, fique muito fragmentada. Eu vi diversos relatos de jogadores que
concluíram capítulos do fim do jogo antes de acessarem os primeiros,
simplesmente porque ignoraram uma cena fundamental.
E isso talvez fosse um
pouco mais reversível se não houvesse o problema da velocidade do jogo. Se
você, por acaso, já leu ou viu outras análises de Rapture, você talvez já tenha ouvido falar da velocidade da
caminhada, que é bem lenta. Existe, sim, um botão escondido para correr, que é
R2, mas ainda assim o jogador não prossegue muito rapidamente, e não é possível
usá-lo em espaços fechados.
Por conta disso,
qualquer perspectiva de retornar a um ponto muito distante deixa a maioria dos
jogadores cansada, e isso fica ainda mais sofrido nos trechos mais amplos do
cenário. O terceiro capítulo, por exemplo, fica na parte rural da cidade e o
jogador gasta bastante tempo para se deslocar de um ponto a outro. Talvez fosse
o caso de fazer as coisas um pouco mais compactas, com mais cenas para pausar
um pouco a caminhada, ou com um espaço um pouco mais amarrado, com mais atalhos
do que os que já existem.
De qualquer forma, quem
tiver a paciência e o estado de espírito que o jogo demanda vai encontrar algo
realmente muito belo e emocionante, uma experiência riquíssima em termos
narrativos e que trata de temas que nós não vemos muito na nossa indústria, e
que poderiam ser bem aproveitados.
A perspectiva de morrer
é algo que todos nós temos vez por outra, mas que num jogo é mais
frequentemente tratada numa perspectiva de exceção ou com algum heroísmo. Rapture mostra um pouco o dia a dia de
alguém que pode desaparecer a qualquer momento, alguém que nada pode fazer
quanto a isso, e que talvez só queira tomar as decisões corretas antes de ser
finalmente levado.
E era isso que eu
queria dizer sobre Everybody’s Gone to
the Rapture. É um jogo muito marcante, que avança bastante na estética dos
seus criadores, e que é capaz de obter bons resultados pela interatividade que
a nossa mídia permite.
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