segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Everybody's Gone to the Rapture - Pensando sobre o jogo



Olá! Bem-vindo ao canal TheAsaGames! Eu sou o Asa e hoje vou falar de Everybody’s Gone to the Rapture, jogo da The Chinese Room, lançado agora em agosto para PS4. Ele é um jogo bem interessante, que demonstra uma evolução muito curiosa para o estilo do estúdio que o criou, e proporciona algumas reflexões bem legais.

Caso você não reconheça só por nome, a The Chinese Room é a desenvolvedora que criou um outro jogo já comentado aqui no canal, que é Dear Esther, um jogo bastante polêmico na comunidade, porque colocava como praticamente única interação o ato do personagem andar por uma ilha, enquanto apreciava o cenário e a música, e ouvia cartas de um narrador. Muitas pessoas desprezam esse jogo, mas eu não acho que essa animosidade é justificada, embora o jogo seja, sim, problemático. Se você quiser saber mais detalhes, o endereço do meu vídeo está na descrição.

O importante que eu queria destacar já de início é que Everybody’s Gone to the Rapture, ou simplesmente Rapture, como eu vou chamar daqui por diante, conseguiu superar uma série de problemas que Dear Esther apresentava, embora ainda se mantenha bastante fiel à estética que foi proposta no jogo anterior. Contudo, alguns problemas novos surgiram nesse processo.

Em Rapture, o jogador controla alguém que não se sabe quem é, e que chega a uma pequena cidade na Inglaterra, onde todo mundo parece simplesmente ter desaparecido. As coisas ficam abandonadas onde estão, as casas ficam todas abertas; é como se todo mundo tivesse sumido de forma desavisada, mas sem causar muito problema.

Logo no início, você ouve a gravação de uma doutora chamada Kate e que diz que é a última pessoa na cidade. Tentando entender o que aconteceu, o jogador começa a andar pelo local, e, com isso, ele acaba atravessando trechos bem longos e diversos da cidade, que é bem multifacetada em termos de terreno.

Acho que, logo de cara, o que chama a atenção de quem está jogando Rapture é como tudo é muito bonito e detalhado. É um jogo com um realismo bem impressionante, em que o jogador realmente parece atravessar uma pequena cidade nos seus mínimos detalhes. A atenção ao detalhe, especialmente nos trechos mais rurais da cidade, é incrível e frequentemente faz o jogador parar para observar, o que é algo bem importante nesse jogo, em que o jogador adota um papel bem passivo.

Como Dear Esther, Rapture demanda quase exclusivamente que o jogador ande pelo cenário, mas vários elementos foram criados para tornar essa caminhada algo muito mais envolvente e interessante. Rapture começa com esse mistério muito curioso de uma cidade ter ficado vazia de uma hora para outra, e isso motiva o jogador suficientemente para dedicar a sua atenção, enquanto em Dear Esther não havia nada tão envolvente assim.

Conforme o jogador anda, ele encontra pequenas esferas de luz que vagam pela cidade. Elas são o único movimento que acontece por lá e atraem a atenção do jogador. Ao chegar mais perto delas, uma pequena cena se desenrola: geralmente aparecem dois ou três moradores da cidade vivendo alguma conversa antes de eles desaparecerem. Graças a essas cenas, o jogador passa a conhecer a histórias dessas pessoas que sumiram.

Nessas histórias está o grande valor de Rapture, pois elas conseguem um feito narrativo muito superior ao de Dear Esther. Cada trecho de Rapture contém memórias focadas em um personagem central, embora haja diversas pequenas narrativas coadjuvantes. Essas cenas são muito mais interessantes e envolventes, porque são dramáticas e diretas, o que é um grande passo em envolver o jogador quando a gente compara com os monólogos de ligação tênue que Dear Esther oferecia.

Cada uma dessas cenas funciona de forma bem independente, ou seja, você pode experimentá-las na ordem que quiser e, na verdade, é bem provável que não haja uma ordem correta, pois o procedimento padrão é simplesmente explorar a região em que o capítulo se passa e obter o máximo de informações pela exploração. Algumas histórias presentes no início, por exemplo, só vão se resolver em capítulos bem posteriores.

Aliás, graças a esse caráter que prioriza tanto a exploração, é bem possível que o jogador não veja tudo que o jogo tem a oferecer, ou então que acabe em outro capítulo antes de encerrar o anterior. É possível andar por toda a cidade, até os últimos capítulos, sem encerrar o primeiro, e isso permite que o jogador possa fazer o que quiser, mas também não previne que ele termine sem ver todas as riquezas do jogo.

Por isso, jogar Rapture requer alguém muito interessado pela exploração, pelo mistério do desaparecimento dos moradores e, principalmente, pelas histórias de vida de cada um dos personagens que lá viviam. É preciso ter bastante paciência e estar disposto a viver uma experiência relaxante e com pouca tensão; do contrário, Rapture vai parecer algo muito tedioso.

Felizmente, o jogo se apresenta em sua melhor forma nos primeiros capítulos, que apresentam alguns dos personagens mais interessantes e com os conflitos mais ricos. Eu não pretendo entrar muito em spoilers neste vídeo, mas é muito interessante como cada memória faz de tudo para construir figuras multifacetadas, com problemas diversos, e que não são imediatamente definíveis.

O primeiro personagem principal, o padre Jeremy, é uma figura algo desprezada na cidade, talvez com motivo, talvez não – é algo que cabe ao jogador entender. De qualquer forma, ele vive, nas memórias, a experiência de ver sua paróquia desaparecendo aos poucos, seus conhecidos ficando com medo e raiva, e a sua fé acaba ficando em questão também. É uma história muito bonita e delicada, que coloca um personagem diante da impotência e da sua perspectiva inevitável de morrer.

Aliás, o grande valor de Rapture está justamente em retratar esse poder intenso com que a vida humana brilha quando se encontra em perigo, quando se sente perdida, quando se sente abandonada. Cada personagem vive, no jogo, momentos de autorreflexão muito próprios ao se ver defrontado com uma ameaça e esse desespero gera algumas cenas de genuína beleza, que só uma narrativa muito boa poderia criar.

E, ao final de cada capítulo, o jogo brinda o jogador com uma trilha sonora extremamente bela e uma cena que sempre tira o fôlego: todas as luzes do entorno se apagam, e pequenas luzinhas aparecem no chão. É como se o personagem que o jogador controla ficasse entre o mar de estrelas do céu sem fim e um tapete de velas que o conduzem ao próximo capítulo. É definitivamente uma experiência muito bela.

Quando a gente compara toda essa experiência de Rapture com Dear Esther, é possível ver uma incrível progressão em estilo: em vez dos monólogos crípticos e um tanto afetados, nós temos dramas compactos, que soam naturais e que apelam, incrivelmente, para situações do cotidiano. Mesmo com uma história meio fantasiosa demais, tudo parece muito humano e muito próximo.

Em vez dos cenários algo conceituais de Dear Esther, Rapture oferece um espaço que fala diretamente do tema que está sendo discutido: nós vemos uma cidadezinha onde qualquer um de nós poderia morar, uma cidade pequena em que todos se conhecem, todos vivem problemas parecidos, todos dependem um do outro para serem felizes.

E, mesmo que ainda limitando a interação do jogador a quase que só andar, Rapture oferece pequenas concessões que criam uma ligação maior entre jogador e jogo: é o jogador que dita para onde vai, já que o cenário tem diversos caminhos possíveis e não dita qual memória vai ser acessada ou se vai ser acessada.

Para prosseguir com os relatos específicos da Kate, o jogador precisa procurar por rádios, e nem todas as cenas estão em locais facilmente identificáveis, o que faz o jogador sentir uma satisfação maior ao encontrar algo que talvez perdesse, caso focasse apenas nos pontos mais óbvios, que geralmente são guiados pelas próprias luzes.

Coisas como essas mostram que Rapture é um produto feito por uma equipe que entendeu diversas das fraquezas de Dear Esther, e que fez um trabalho memorável de manter sua estética e criar uma experiência muito tocante e sutil, e que sabe aproveitar a mídia dos jogos de uma forma muito mais rica do que já tinha feito antes.

Entretanto, alguns problemas permanecem ou então foram criados pelas diferentes soluções estéticas que Rapture apresenta. Como eu disse, o jogo se coloca numa situação de grande risco ao deixar o jogador inteiramente livre no cenário, pois isso permite que muito da experiência se perca ou, no mínimo, fique muito fragmentada. Eu vi diversos relatos de jogadores que concluíram capítulos do fim do jogo antes de acessarem os primeiros, simplesmente porque ignoraram uma cena fundamental.

E isso talvez fosse um pouco mais reversível se não houvesse o problema da velocidade do jogo. Se você, por acaso, já leu ou viu outras análises de Rapture, você talvez já tenha ouvido falar da velocidade da caminhada, que é bem lenta. Existe, sim, um botão escondido para correr, que é R2, mas ainda assim o jogador não prossegue muito rapidamente, e não é possível usá-lo em espaços fechados.

Por conta disso, qualquer perspectiva de retornar a um ponto muito distante deixa a maioria dos jogadores cansada, e isso fica ainda mais sofrido nos trechos mais amplos do cenário. O terceiro capítulo, por exemplo, fica na parte rural da cidade e o jogador gasta bastante tempo para se deslocar de um ponto a outro. Talvez fosse o caso de fazer as coisas um pouco mais compactas, com mais cenas para pausar um pouco a caminhada, ou com um espaço um pouco mais amarrado, com mais atalhos do que os que já existem.

De qualquer forma, quem tiver a paciência e o estado de espírito que o jogo demanda vai encontrar algo realmente muito belo e emocionante, uma experiência riquíssima em termos narrativos e que trata de temas que nós não vemos muito na nossa indústria, e que poderiam ser bem aproveitados.

A perspectiva de morrer é algo que todos nós temos vez por outra, mas que num jogo é mais frequentemente tratada numa perspectiva de exceção ou com algum heroísmo. Rapture mostra um pouco o dia a dia de alguém que pode desaparecer a qualquer momento, alguém que nada pode fazer quanto a isso, e que talvez só queira tomar as decisões corretas antes de ser finalmente levado.

E era isso que eu queria dizer sobre Everybody’s Gone to the Rapture. É um jogo muito marcante, que avança bastante na estética dos seus criadores, e que é capaz de obter bons resultados pela interatividade que a nossa mídia permite.

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